Boa Midia

Cortinas de fumaça

A Amazônia está atraindo a atenção do mundo para o país com a mais rica biodiversidade do planeta. O Brasil torna-se palco de onde animais, plantas e ecossistemas ardem com o fogo. Dados e informações são divulgados diariamente, apontando que novos focos de incêndio surgem na região, alastrando-se e multiplicando-se com maior facilidade devido ao período de seca.

Para muitos, essa realidade parecia distante, sem impactar o dia a dia, até que, de uma hora para outra, cidades do Centro-Oeste e Sudeste escurecem em plena tarde. Partículas de fumaça produzidas na Amazônia percorreram quilômetros e cobriram o sol em grandes metrópoles. Esse foi o sinal de alerta, mostrando que – sim – vivemos em um mesmo planeta e o que ocorre lá longe também pode ter impacto nas nossas vidas, sobretudo quando falamos de meio ambiente.

Entre boatos e constatações sem fundamentos, podemos destacar alguns fatos: o fogo pode ser um acontecimento natural, mas também uma atividade criminosa, que coloca em risco a biodiversidade, a saúde humana e o desenvolvimento econômico do país. A presença de focos de incêndio em áreas naturais é, infelizmente, algo recorrente. Contudo, a situação vem se agravando, considerando que o histórico de queimadas demonstra que esse tipo de episódio aumenta a cada ano.

O desmatamento é o principal fator para o aumento das queimadas na Amazônia. A derrubada de árvores torna as terras mais secas e vulneráveis e o fogo acaba sendo usado para destruir restos vegetais em áreas já desmatadas com o intuito de preparar o solo para a agricultura e a pastagem – e isso acontece até com a floresta ainda em pé. A justificativa é a “limpeza” da região, além da fertilização a partir das cinzas.

Porém, essa prática também traz muitos prejuízos. O fogo e a fumaça agravam problemas respiratórios – especialmente em crianças e idosos –, prejudicam a qualidade do solo, intensificam a emissão de gases do efeito estufa e colocam em risco a biodiversidade. Um exemplo é o impacto do potássio, presente nas cinzas. Com a chuva, a substância é carregada para os rios, intoxicando e provocando a morte de muitos peixes.

É necessário o monitoramento terrestre e aéreo para identificar focos de queimada, degradação florestal, exploração madeireira e outras formas de pressão humana. Outro meio é a fiscalização efetiva e a aplicação das penas previstas em leis para que atos criminosos contra o meio ambiente não se repitam.

Na contramão deste cenário extremamente preocupante para a saúde do planeta, é discutida a Lei do Licenciamento Ambiental, que garante autonomia a estados e municípios para que criem as próprias regras de licenciamento, sem diretrizes do Ibama. Isso abre espaço para a dispensa de licenças ambientais com o intuito de atrair investidores.

À medida que nossas áreas verdes são destruídas – seja na Amazônia, no Cerrado, na Mata Atlântica –, o processo de aquecimento global é intensificado. As árvores desempenham um papel importante ao armazenar parte do gás carbônico emitido por fontes naturais e pela atividade humana e ao renovar o oxigênio da atmosfera a partir do processo de fotossíntese. Sem esse patrimônio natural e sem esse serviço ecossistêmico, o ar deixa de ser purificado pelas árvores, que ainda liberam a matéria de carbono anteriormente armazenada. E isso intensifica a crise climática pela qual vivemos.

Junto com o fogo na Amazônia, ardem patrimônios inestimáveis para a humanidade global. Com isso, perdemos parte da nossa biodiversidade. A floresta abriga 20% de toda a fauna do planeta, além de 40 mil espécies vegetais. As queimadas podem desequilibrar ecossistemas, extinguindo algumas espécies e acelerando o desenvolvimento de outras. A Amazônia ainda influencia o regime de chuvas em toda a América do Sul e contribui com a estabilização do clima global. Quando as árvores transpiram, cerca de 20 bilhões de toneladas de vapor são lançadas diariamente no ar, o que produz chuvas na região e ainda exporta umidade para outras localidades do país e do continente.

Sem o diálogo entre o poder público e a sociedade civil para a promoção de ações efetivas por parte do Estado e sem a conscientização da população, vamos continuar queimando florestas e, consequentemente, a imagem do Brasil ao redor do mundo, deixando de cumprir compromissos assumidos internacionalmente e degradando a natureza. Cabe a cada um de nós buscar informações confiáveis – sem nos perder em cortinas de fumaça – e escolher quais atitudes podemos ter hoje para garantir o futuro das próximas gerações.

Malu Nunes é engenheira florestal, mestre em Conservação e diretora-executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza

 

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