Boa Midia

Chapada, picadeiro ampliado na memória de elefante

Ramba, do Chile pra Chapada, mas sem liberdade total
Ramba, do Chile pra Chapada, mas sem liberdade total

Memória de elefante não é um simples ditado popular, pois o pesadão paquiderme de origem africana e asiática jamais esquece. E o que deve passar nesse momento pelas cabeças de Maia e Rana, e a nova amiga das duas, Ramba, que nesse fim de semana chegou ao Santuário de Elefantes Brasil (SEB), na mística Chapada dos Guimarães. Claro que se soubessem falar, gritariam: estamos livres dos maus-tratos, mas aqui não é o lugar ideal para nós!

Lugar calmo, com área de 1.540 hectares – ou como os ecologistas gostam de dizer: do tamanho de 1.540 campos de futebol. Assim é a área do SEB, uma organização não governamental sem fim lucrativo – é meio redundante, mas é assim sua apresentação. Essa ONG é controlada pela Global Sanctuary for Elephants (GSE) e a Elephants Voices instaladas nos Estados Unidos e presidida pelo americano especialista em elefantes Scott Blais, secundado por sua mulher e veterinária Keith.

Insistindo que se os elefantes falassem, as três ocupantes do SEB diriam que saíram do inferno nos circos, onde eram submetidas a maus-tratos, e que se encontram num lugar de desconforto, que não é seu habitat natural.

As três são asiáticas e ao invés de serem levadas para Chapada, deveriam ter sido enviadas para a Ásia, de onde foram trazidas. Naquele continente há santuários para elefantes, que são muito próximos da vida na selva. Na Tailândia, em 2002, a rainha Sirikit criou a Elephant Reintroduction Foundation, que devolve à natureza elefantes resgatados de cativeiros, a exemplo de Maia, Rana e Ramba.

O custeio do SEB, ora com três exemplares, é elevado e a ONG se sustenta com doações internacionais e de brasileiros. Ao invés do santuário em Chapada, o ideal seria resgatar elefantes na América do Sul (objetivo do SEB) e enviá-los diretamente para seus lugares de origem na Ásia e África. O custo seria somente o transporte e a logística para a transferência.

O SEB foi criado em 2017, tem capacidade para 50 animais e em 24 de junho perdeu Guida, que ali morreu.  O ambiente é muito melhor do que o cativeiro circense, mas a vegetação, o clima e as demais espécies animais são diferentes da Ásia e da África. A situação de Ramba, Maia e Rana transportada para o ser humano inocente, numa ampla visão sobre liberdade, seria algo como retirar o prisioneiro de uma cela minúscula e insalubre, e mantê-lo preso numa estrutura carcerária mais ampla, mas sem perspectiva de livrá-lo da unidade prisional.

A intenção da ONG dos elefantes em Chapada pode ser a melhor possível, mas sua prática é questionável e deveria ser objetivo de análise aprofundada pelo Ministério Público, Assembleia Legislativa, Governo de Mato Grosso e a prefeitura do município.

Certamente Maia e Rana concordariam de imediato com essa proposta, se fossem consultadas e se soubessem falar. Ramba talvez demorasse um pouco mais a responder. Afinal, ela ainda carrega as cicatrizes mentais (memória de elefante) do sofrimento de picadeiro em picadeiro, no Chile, onde por último atuou no Circo Los Tachuelas – o maioral daquele país andino – até ser resgatada pelo Serviço Agrícola e Pecuário chileno. Porém, se lhe derem um curto tempo, fará coro com as duas vizinhas, sem pestanejar.

Não se pergunta idade a uma senhora, mas Ramba acumula antigos sofrimentos, que no entanto não lhe roubam a boa forma e ela passa no desafio da balança com seus 3.600 kg. Sua viagem do Chile a Viracopos, em Campinas, foi em céu de brigadeiro, num cargueiro com a tripulação orgulhosa pela ilustre passageira. O restante do percurso foi rodoviário, com direito a batedores da Polícia Rodoviária Federal.

O voo e o transporte terrestre de Ramba foram tranquilos. Mas, a voracidade tributária do Governo de Mauro Mendes (DEM), por pouco não cria um embaraço sem tamanho. O Estado queria lançar R$ 50 mil em Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) sobre sua entrada em Mato Grosso. A sede tributária foi contida graças a uma liminar concedida ao SBE pelo juiz da 1ª Vara Cível de Chapada dos Guimarães, Leonísio Salles de Abreu Júnior.

Maia, Rana e Ramba. Juntas num ambiente natural diferente daquele onde nasceram. Um custo elevado para mantê-las naquele universo que sofre interferência com as estranhas habitantes. Está na hora de agir. Foi muito bom tirá-las dos circos, mas isso não basta. É imprescindível lhes conceder liberdade plena, muito além daquela do picadeiro ampliado onde estão confinadas.

Eduardo Gomes de Andrade – editor de blogdoeduardogomes

eduardogomes.ega@gmail.com

FOTO: Reuters distribuída pela Agência Brasil em página de domínio público

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