Boa Midia

Blairo desiste de eleição: por opção ou pressão?

Em política existe especulação, informação, versão, indecisão, decisão e político, claro – e esse pode embaralhar tudo. Afinal, vida pública não é ciência exata. Blairo Maggi (foto) botou fim ao barulho especulativo sobre sua participação nas eleições de outubro. O ministro da Agricultura disse numa coletiva nesta segunda-feira, 26, em Cuiabá, que não disputará voto e que lavará as mãos. Com essa versão jogou uma pá de cal em seu indeciso posicionamento que prevalecia até então. Com isso, embaralhou o pouco que havia de oposição, o que pode ser interpretado como operação limpa-trilhos para o governador Pedro Taques (PSDB) que mesmo chamuscado, agora praticamente disputa sozinho uma corrida em que dificilmente será o segundo colocado. O Blairo governador e senador está nesta matéria, que seria quase uma biografia administrativa e parlamentar do Rei da Soja. Acontece que em meio ao adeus surge uma dúvida enorme: a Secretaria de Fazenda (Sefaz) de Taques teria autuado o grupo empresarial de Blairo em um bilhão e cem milhões de reais? E a remissão dessa dolorosa estaria em adiantada costura entre ele e Taques, para que o martelo seja batido logo após seu dependurar das chuteiras? Longe do noticiário essa multa é o assunto dominante entre jornalistas – que, no entanto, o escondem do noticiário. Se tal fato é real, o montante que teria sido sonegado é algo apavorante. Mais: se realmente Taques ‘negocia’ o perdão em nome de seu interesse eleitoral ou eleitoreiro, trata-se de algo tão ou mais grave do que o alardeado rombo de um bilhão de reais que o governo de Silval Barbosa teria dado aos cofres de Mato Grosso. Que Blairo e Taques venham a público, junto à mesma imprensa ora em silêncio, e apresentem suas versões, razões, negativas, desmentidos ou confirmação.

Oficialmente Blairo bota o pijama porque – segundo disse – está há 16 anos na vida pública, situação essa que o afasta da família e dos negócios, fazendo-o viver a chamada “agenda política”. Na fala sobre o adeus ele revelou que deverá continuar ministro até o final do mandato de Michel Temer, que teria insistido em sua permanência. Com naturalidade disse ainda que ficará distante do processo eleitoral. Ficou no muro na avaliação do governo Taques: alegou que também governou e em outras palavras explicou que nem sempre se consegue fazer tudo; com a sutileza de vaca pesada pisando no bezerrinho observou que o governo (Taques) não se preparou para a gravidade da crise nacional.

Em 2018 Blairo é carta fora do baralho. Alguém perguntou se em 2022 ele poderia voltar, mas o questionamento era sem pé nem cabeça – mesmo assim ressaltou que “nunca mais” é frase pra ser dita sobre quem morreu.

Lavoureirozinho

 

Avenida Ary Coelho, Rondonópolis, 6 de outubro de 2002. Em família e entre amigos Blairo comemora a eleição para governador pelo PPS em primeiro turno (619.655 votos ou 50,68%). É grande a movimentação. Todos querem abraça-lo. Consigo ouvi-lo rapidamente. Diz-me duas coisas. Primeiro: quando cruzou a ponte sobre o rio Correntes (divisa MT/MS) vindo para Paraná para Mato Grosso era um “’lavoureirozinho’ sem nenhuma pretensão política”. Segundo: que não se sentia político e que disputou o governo para pagar uma promessa de ser governador para assegurar saúde e assistência social aos cidadãos; esse compromisso espiritual seria para retribuir a Deus pelo restabelecimento de sua filha Ticiane, que sofreu uma doença gravíssima e após tratamento nos Estados Unidos voltou plenamente recuperada para sua casa em Rondonópolis.

Oito anos antes da comemoração na Ary Coelho, pelo PPB, Blairo foi eleito primeiro suplente do senador Jonas Pinheiro (PFL). À época ele também dizia que não era político. Logo após aquela eleição o ouvi em seu escritório na Avenida Presidente Médici, também em Rondonópolis. À época revelou que seu pai, patriarca dos Maggi, André Maggi, era amigo do então deputado federal Jonas Pinheiro, que disputaria o Senado em 1994 e que precisava de um suplente do agronegócio. Jonas insistiu com seo André para que fosse seu companheiro de chapa, mas recebeu sonoro “não”. Jonas, no entanto, o convenceu a participar de sua campanha, com a indicação de Blairo para sua suplência. Sem que soubesse Blairo virou candidato por ordem paterna.

Em 2002 Dante de Oliveira sofria o desgaste natural dos governos prolongados e seu tucanato também estava em baixa. Empurrado pelo então prefeito de Rondonópolis, Percival Muniz (PPS), o à época deputado estadual Jair Mariano (PPS) e outras figuras, Blairo entrou na disputa pelo governo encabeçando uma chapa que se completava com Iraci França (PPS), mulher de Roberto França (prefeito de Cuiabá). Seu principal adversário foi o senador Antero Paes de Barros (PSDB), que ficou pelo caminho.

Blairo chegou ao poder nos braços e nos sonhos da multidão. Formou um secretariado em sua espinha dorsal retirado de suas empresas e exigiu que os nomeados assinassem compromisso de produtividade. Sua primeira canetada foi um decreto desonerando o ICMS da carne, do arroz e do feijão produzidos em Mato Grosso para consumo interno.

O primeiro mandato foi produtivo e começou a se cristalizar antes mesmo da posse. Diplomado à espera da faixa, Blairo foi a Lucas do Rio Verde. O prefeito anfitrião Otaviano Pivetta pediu que o governo pavimentasse da cidade ao aeroporto à margem da MT-449. Blairo propôs uma parceria. Pivetta ganhou o sinal verde de seu colega em Tapurah, Reinaldo Tirloni e os dois desafiaram o governador eleito: vamos pavimentar além do aeroporto. Vamos levar o asfalto de Lucas a Tapurah (Rodovia da Mudança MT-449 com 96 quilômetros). Ao fio do bigode o acordo foi sacramentado e assim nasceu a PPP Caipira para obras rodoviárias.

A vitória do primeiro turno não foi de lavada. O melhor resultado eleitoral foi em Santa Rita do Trivelato, onde Blairo recebeu 84% dos votos. Agradecido, botou aquela cidade na agenda para receber sua primeira visita. No desembarque foi recebido por crianças cantando “Tá na palma da mão / Tá na mão de quem sabe / O povo já decidiu governador é Blairo Maggi”. O prefeito Ilson Matschinske era a imagem da felicidade ao lado do governador. Santa Rita ganhou um conjunto habitacional do programa Meu Lar, bancado com recursos do Fundo Estadual de Habitação e Transporte (Fethab) e a pavimentação da MT-235 até Nova Mutum à margem da BR-163 e distante 113 quilômetros.

Mato Grosso viveu um período de orgasmo administrativo. Asfalto se espalhado para todos os lados. Construção de Escolas Atrativas. Interiorização dos comandos da Polícia Militar. Prefeitos entrando pelas portas da frente e dos fundos do gabinete de Blairo.

O sucesso administrativo de Blairo levava o aval da Assembleia Legislativa, onde a oposição liderada por Dante elegeu a maioria, mas um a um a exceção de Carlão Nascimento, todos pularam no colo político do governador, a começar por Pedro Satélite, que foi secundado por Renê Barbour etc. José Riva (PSDB), marido de Janete Riva, que foi companheira de chapa de Antero ao governo, deu uma banana para os tucanos e antes mesmo de sua posse cantava até ficar rouco “Tá na palma da mão…”.

Aqui, Blairo navegava em águas de calmaria. Fora enfrentava resistências. O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, certa vez disse que “se descuidarem Blairo plantará soja até nos Andes”. Um programa humorístico nacional lhe deu o troféu Motosserra de Ouro.

Nas eleições municipais em 2004 lançou para prefeito de Rondonópolis seu compadre Adilton Sachetti e o elegeu. Sem jogo de cintura, Adilton perdeu a reeleição, mas o bom compadre o fez candidato a deputado federal em 2014 – eleição proporcional é menos complicada – e sua vitória foi tranquila.

Com Blairo numa posse no Ministério Pùblico
Com Blairo – posse no Ministério Público

Cobri viagens de Blairo e sempre o vi entusiasmado. Em Canarana, índios xinguanos fecharam o tempo com ele depois de uma fala atabalhoada de seu secretário de Infraestrutura Luiz Pagot sobre a usina Belo Monte; mesmo saindo às pressas com a proteção da PM ele manteve tranquilidade. Numa aldeia Cinta-larga em Juína, acalmou caciques logo após um massacre de garimpeiros em Rondônia. No rio Comandante Fontoura vibrou com o projeto agrícola de seu velho amigo Alberto Schlatter. Em Porto Estrela sua voz embargou durante visita ao projeto de reforma agrária complementar “Nossa Terra. Nossa Gente”. Em Acorizal, inaugurando a ponte sobre o rio Cuiabá observou que a obra botava fim ao isolamento de uma da comunidades mais tradicionais de Mato Grosso. Cortando a fita da pavimentação que liga Itiquira à BR-163 lembrou que muitas vezes cruzou aquela estrada na poeira. Presenciei inauguração de dezenas de conjuntos habitacionais; ao entregar a chave da casa ao morador ou moradora, seu discurso era sempre o mesmo: fazer o bem, sem olhar a quem e sem esperar por um vintém. Seu governo foi um divisor de águas no campo administrativo, notadamente nos setores rodoviário, habitacional e agrário. Em Cuiabá, somente uma vez o vi de cara amarrada: em 7 de setembro de 2003 no palaque montado para o desfile da data, o estudante Leonardo Gregianin, disfarçado de jornalista, acertou seu rosto com uma torta e um oficial da PM imediatamente o imobilizou; Gregianin militava no movimento “Confeiteiros sem fronteiras“, foi preso e Blairo o perdoou.

 

Durão

 

Em 2005 a Polícia Federal desencadeou a Operação Curupira. Dentre os presos, o presidente da Fundação do Meio Ambiente (Fema), Moacir Pires, ex-deputado estadual e um dos articuladores da candidatura de Blairo ao governo. Pires foi acusado de expedir licenciamento para antropização na mata de transição do cerrado para a floresta, mas o Ibama não reconhecia aquele bioma, muito embora a legislação estadual o respeitasse. Pires tentou por todos os meios que Blairo aceitasse seu pedido de demissão, mas não foi atendido. O Diário Oficial publicou sua exoneração.

Em 2006, para o governo, o PSDB novamente escalou Antero para Cristo e Blairo o derrotou em primeiro turno (922.765 votos ou 65,39%). Alguns meses antes da convenção o governador até chegou a dizer que não disputaria a reeleição, mas o fez com naturalidade sendo senhor absoluto de sua candidatura, pois descartou que partidos indicassem seu vice, o que retirou Iraci de sua chapa. Seu companheiro foi o presidente da Assembleia Legislativa, Silval Barbosa (PMDB).

Máquinas do MT 100% Equipado
Máquinas do MT 100% Equipado

No apagar das luzes do segundo governo surgiu o primeiro escândalo de grandes proporções: o programa MT 100% Equipado, que saiu das páginas políticas para as notícias policiais. Esse programa comprou 705 equipamentos rodoviários por R$ 241 milhões para repassá-los aos municípios, o que foi impedido por razão legal.

Os recursos foram obtidos junto ao BNDES – foi o primeiro financiamento conseguido por Blairo junto àquele banco, porque até então Mato Grosso estava encalacrado em dívidas e inadimplente. Denúncias, perícias em inquérito policial etc. apontaram que teriam sido desviados R$ 40 milhões na compra dos equipamentos. Um grande abafa jogou o caso debaixo do tapete.

Senado

 

Blairo saiu candidato ao Senado na última hora, sufocando a candidatura que o deputado federal e seu correligionário Wellington Fagundes costurava há muito tempo. Resignado, Wellington disse apenas que “manda quem pode e obedece quem tem juízo”. Nas urnas Blairo recebeu a maior votação até hoje alcançado por candidato em Mato Grosso numa só eleição: 1.073.039 votos.

Do Senado Blairo foi convidado pelo presidente Michel Temer para o Ministério da Agricultura abrindo vaga ao primeiro suplente Cidinho dos Santos (PR). Para chegar à Agricultura Blairo assinou ficha de filiação ao PP, partido ao qual aquele ministério foi destinado no rateio do poder. Na função Blairo conseguiu reverter os embargos sofridos pela carne brasileira em vários países após a Operação Carne Fraca.

Não há nada relevante de Blairo no Senado e o mesmo pode se dizer de seu suplente que gravita no baixo clero.

Segundo Blairo, seu afastamento da eleição facilitará a definição do quadro sucessório, que estava muito atrelado à sua decisão de disputar ou não à eleição. Essa situação, no entanto, não interferirá na sua presença na Agricultura, onde espera permanecer até o término do mandato de Temer. Do ministério irá para o Senado cumprir o restante do mandato, que termina em fevereiro de 2019.

Na mira a Procuradoria Geral a República, Blairo sustenta que sua decisão nada tem a ver com as investigações. Reforça que se defenderá na esfera judicial, mas que não está em busca de blindagem para ganhar fôlego na tramitação processual a partir da primeira entrância.

Blairo é investigado pela Polícia Federal por suposta obstrução de Justiça no escandaloso episódio da suposta compra de uma vaga de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado ao conselheiro Alencar Soares para o deputado estadual Sérgio Ricardo. Blairo nega.

Em depoimento à juíza Selma Rosane de Arruda, em Cuiabá, José Riva revelou que no início do governo de Blairo deputados lhe pediram mensalinho, mas que ele não concordou. Ao invés desse repasse imoral – segundo Riva – o governador teria aumentado o duodécimo da Assembleia, para que os deputados fizessem o que bem entendessem com ele.

 

Memória

 

Certa vez o entrevistei logo após deixar o governo. Disse que o rito do cargo o afastou da realidade, do cotidiano. Explicou que governador não abre porta, não pega fila, não carrega maleta. “Estava desaprendendo a abrir maçaneta, a ir ao cinema”, comentou.

Findo o ciclo de candidaturas de Blairo, após a disputa de quatro eleições majoritárias consecutivas (1994, 2002, 2006 e 2010), resta apenas esperar para que ele diga se seu adeus coincide ou não com a aplicação de uma multa de um bilhão e cem milhões de reais ao seu grupo empresarial e, em caso afirmativo, se a mesma influenciou sua decisão.

 

Copa do Mundo

 

Arena Pantanal
Arena Pantanal

Lula vivia em estado de amor com o agronegócio e Blairo era um dos articuladores do entrosamento entre os barões da soja e os reis do gado com o presidente. Nessa condição conseguiu trazer para Cuiabá uma das sedes da Copa do Mundo de 2014. A roubalheira nas obras da Copa foi grande, mas se não fossem os investimentos na infraestrutura urbana recebidos graças àquela competição, o trânsito na capital mato-grossense teria entrado em colapso – isso sem falar na imponência da Arena Pantanal.

Na fase de namoro com a CBF de Ricardo Teixeira, Blairo mobilizava céus e terra, sem excluir o cacique Raoni Metuktire, por seus laços com o roqueiro inglês Sting.

 

Más companhias

 

Blairo apadrinhou em seu governo um grupo que acabou se enrolando nos escândalos do governo Silval. Dentre seus ex-assessores, respondem por ações por improbidade administrativa ou foram condenados: Pedro Nadaf, Afonso Dalberto, João Justino Paes, Yuri Bastos e Barros, Arnaldo Alves, Chico Lima, Éder Moraes (foto) e outros, além de Silval.

Esse grupo não surgiu na vida pública no governo Blairo, mas foi muito fortalecido nele. Nadaf coabitou no governo de de Dante e Dalberto chefiou a Conab em Mato Grosso.

 

Eduardo Gomes/blogdoeduardogomes

fotos:1 – Facebook Blairo

2 – Dinalte Miranda

3 – Governo de Mato Grosso

4 – José Luiz Medeiros

5 – Arquivo

 

PS
Esta é a última postagem de matéria neste site, que ainda terá a postagem do meu artigo de despedida do jornalismo.

 

 

1 comentário
  1. Arthur Diz

    Meu amigo quem tem um texto assim e sua coragem não pode parar nunca. Fica Brigadeiro

Comentários estão fechados.

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