O PL nº 3544/2025, de autoria do deputado Kim Kataguiri, propõe que os honorários advocatícios de sucumbência, nas ações em que a parte vencedora seja ente da Administração Pública Direta, Autarquia ou Fundação, sejam revertidos aos cofres públicos. Em outras palavras, retira-se dos advogados públicos um direito consagrado pela lei e pela jurisprudência, para entregar ao Estado uma verba que jamais foi pública.
A história dos honorários de sucumbência é marcada por evolução legislativa que não pode ser desprezada. No CPC de 1939, esses honorários eram limitados a casos de litigância de má-fé. O CPC de 1973 ampliou seu alcance, fixando critérios objetivos para sua cobrança, mas ainda vinculando-os ao interesse da parte. Somente com o CPC de 2015, após décadas de debate e intensa atuação da OAB, consolidou-se a titularidade dos honorários como direito do advogado, independentemente de atuar no setor privado ou na advocacia pública.
O PL 3544/2025 é construído a partir da justificativa de que tal verba teria natureza de receita pública, o que representa premissa falsa, pois os honorários de sucumbência são pagos pela parte vencida na ação e destinam-se exclusivamente a remunerar o trabalho do advogado que obteve êxito. Quando um advogado público recebe tais honorários, o valor não sai dos cofres da União, do Estado ou do Município; sai do bolso da parte que perdeu a demanda.
O STF já tratou exaustivamente da matéria (ADIs 6053, 6162, Tema 1059 – RG), tendo fixado a constitucionalidade da percepção de honorários de sucumbência por advogados públicos, respeitados o teto remuneratório e os princípios da impessoalidade, moralidade, supremacia do interesse público, legalidade e transparência.
Outra falha grave da proposição é o argumento de que o recebimento de honorários comprometeria a imparcialidade do advogado público, incentivando litígios desnecessários. Ora, o advogado público atua na defesa do ente que representa, dentro das balizas constitucionais e legais. Imparcialidade, na acepção técnico-judicial, é exigida do magistrado, não do advogado. Além disso, existem mecanismos administrativos, civis e penais para punir abusos ou condutas antiéticas. Generalizar e presumir má-fé de toda uma carreira é um expediente retórico frágil e injusto.
Ademais, a proposta equivale à criação de um tributo (art. 3º do CTN), pois se a lei obriga o vencido a pagar honorários, e o PL direciona esses valores ao Estado, estamos diante de um tributo disfarçado, criado sem a observância dos requisitos e limitações constitucionais para tributação.
A medida, vendida como uma correção de anomalia, é, na verdade, confisco disfarçado de moralização, atalho para a implícita criação de tributo, desvaloriza o trabalho técnico de gera economia para os cofres públicos e abre a porta para que se altere um direito fundamental à remuneração reconhecido como de natureza alimentar, revelando-se como retrocesso para toda a advocacia.
*Daniel Gomes é advogado, procurador do Estado de Mato Grosso e diretor da Associação dos Procuradores do Estado de Mato Grosso (Apromat)
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