Vultos de Barra do Garças

Wilmar Peres
Em Barra do Garças, onde o lendário Araguaia recebe pela esquerda as águas barrentas do Garças, na divisa com Goiás, nasceu Wilmar Peres de Farias em 14 de maio de 1939. Wilmar foi um dos políticos mais influentes em Mato Grosso na década de 1970 e nos anos 1980 e 1990.

Wilmar cresceu na mística Barra, aos pés da Serra Azul, onde o imaginário popular acredita que esverdeados marcianos frequentam com suas naves, que aparecem e desaparecem num piscar de olhos. ETs à parte, desde jovem Wilmar tinha um olho na boiada e outro na política, que são duas atividades bem distintas, mas que podem ser desenvolvidas paralelamente, com tranquilidade.

Em 1972 Wilmar disputou e venceu a eleição para vereador na sua Barra. Começava ali, uma carreira que o levaria ao posto mais alto da política estadual: governador. Quatro anos depois, Wilmar concluiu o mandato na Câmara Municipal e assumiu outro, esse na prefeitura, para seis anos de administração. Foi um prefeito ousado, moderno, visionário, que fazia do cargo uma ferramenta pelo desenvolvimento de sua terra.

Sua trajetória política foi pontilhada por mandatos. Não somente uma, mas duas vezes prefeito da Barra. Deputado estadual e deputado federal, mas antes da Câmara dos Deputados foi vice-governador de Júlio Campos e o sucedeu no governo em 1986, quando Júlio renunciou, disputou e venceu a eleição para deputado federal. Wilmar assumiu o governo de Mato Grosso. Foi o primeiro governador da Barra.

No Palácio Paiaguás foi titular de uma política de governo que não excluía município, mas tinha um quê por sua Barra e o Vale do Araguaia. 

A frente do governo, Wilmar manteve em alto nível a relação entre os poderes, teve perfil municipalista e valorizou o servidor público. Transmitiu o poder ao sucessor Carlos Bezerra.

Eleito deputado federal em 1990 atuou decisivamente no processo de impeachment do presidente Collor de Mello. Na política viveu a alegria das vitórias e sentiu o peso das urnas, mas não se afastou dos meios políticos nem seu distanciou de seus liderados.

Em Rondonópolis Wilmar recebeu uma grande homenagem. O parque de exposições do Sindicato Rural – um dos maiores do Brasil – tem o seu nome: Governador Wilmar Peres de Farias.

Em 14 de março de 2006, aos 66 anos, Wilmar não sobreviveu a um ataque cardíaco. Seu corpo foi sepultado na cidade onde nasceu e por duas vezes foi prefeito.

Wilmar deixou a viúva, Cândida Farias (MDB), que em 2018 se elegeu segunda suplente do senador democrata Jayme Campos. Seu filho, Roberto Farias, o Beto (MDB) é prefeito em segundo mandato consecutivo da Barra.

FOTO: Álbum de Família

Juruna

 

Juruna
Líder indígena Xavante, Mário Juruna caiu como luva para Leonel Brizola, que anistiado, voltava do exílio e tentava se eleger governador do Rio de Janeiro pelo PDT nos braços do populismo, o que conseguiu. Brizola o lançou candidato a deputado federal por seu partido. O Rio deu o mandato a ele em 1982.

Juruna ficou famoso nacionalmente por andar com um gravador – novidade tecnológica à época – e gravar compromissos de políticos, que nunca eram cumpridos.

Nascido em 3 de setembro de 1943 na reserva indígena São Marcos, perto de Barra do Garças, Juruna morreu na noite de 17 de julho de 2002, aos 62 anos, no Hospital Santa Lúcia, em Brasília – onde morava – vítima de complicações renais e pneumonia em decorrência do diabetes.

Juruna saiu da aldeia, entrou na política e chegou ao folclore. Indivíduos com biótipo parecido com o dele, invariavelmente são apelidados com seu nome.

Indiferente a Juruna, que foi o primeiro índio eleito para o Congresso Nacional, Mato Grosso não reverencia sua memória. Foi jogado na galeria do esquecimento.

FOTO:

Agência Câmara

Varjão

 

 

Varjão
Muitos participaram da construção social e do desenvolvimento econômico do Vale do Araguaia. Figura ímpar por sua inteligência, criatividade, honestidade e visão futurista, Valdon Varjão foi um dos destes vultos. Afirmar que Valdon foi a água mais limpa do Araguaia é a melhor maneira de sintetizar sua obra.

Criterioso, legalista e incorruptível. Com estes predicados Valdon atuou no Cartório do 1º Ofício do Registro de Imóveis da Comarca de Barra do Garças, do qual foi titular. Sua seriedade profissional de quem tinha fé pública impediu que se repetisse no Vale do Araguaia, com a intensidade que acontecia em outras regiões, a sobreposição de títulos e as maracutaias cartoriais pela posse da terra.

Valdon era cartorário numa comarca que se estendia de seus limites com Guiratinga até o Pará, numa faixa delimitada pela margem esquerda do rio Araguaia e a direita do Xingu – o que lhe rende o nome de Intervales – numa área onde hoje se localizam entre outros os municípios de Canarana, São Félix do Araguaia, Vila Rica, Ribeirão Cascalheira, São José do Xingu, Araguaiana, Porto Alegre do Norte, Confresa, Alto Boa Vista, Nova Xavantina, Canabrava do Norte, Cocalinho, Bom Jesus do Araguaia e Luciara.

No final dos anos 1960 o Brasil voltou seu olhar ao Araguaia. Grandes grupos empresariais investiram em agropecuária naquela área com financiamento da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) em nome do programa federal do “Integrar para não entregar”. Paralelamente a isto, milhares de migrantes nordestinos, goianos e de outras regiões ocuparam terras no vazio demográfico e também invadiram propriedades que desenvolviam atividades agropecuárias. Os grandes interesses em jogo eram mantidos dentro dos limites da legalidade, pelo menos no tocante à averbação das escrituras por Valdon, numa época que não havia georreferenciamento nem outras ferramentas que facilitassem a definição fundiária.

Respeitado por todos, Valdon era fonte permanente de consulta por parte dos interessados em investimento no Araguaia. Sua palavra era lei e ele mostrava o caminho certo. Quando alguém dependia de documento em Cuiabá e o procurava neste sentido, nunca ouvia não: bastava um telefonema seu e pronto!

A rotina no cartório não o impediu de produzir 28 obras literárias, com foco especial no garimpo e no humanismo. Valdon escreveu com maestria sobre a vida nas grupiaras e soube retratar muito bem o universo dos garimpeiros de diamante no lendário rio Garças. Seu dom pela literatura o levou a ser um dos fundadores da Academia de Letras, Cultura e Artes do Centro-Oeste e o fez membro das academias: Mato-Grossense de LetrasMaçônica de Letras (em Mato Grosso), Paulistana de História; Piracicabana de Letras e Anapolitana de Filosofia, Ciências e Letras. Valdon também foi membro da Ordem Nacional dos Bandeirantes e membro-fundador do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, em Cuiabá.

Cartório sempre foi janela para o surgimento de políticos. Em Barra e região Valdon soube aproveitar muito bem esta realidade. Tanto assim, que foi vereador, prefeito, deputado estadual, suplente de deputado federal, suplente de senador e senador. Ao assumir cadeira no Senado, nos anos 1970, se tornou o primeiro senador negro do Brasil.

Em suma. De seu nascimento em 15 de dezembro de 1923 em Cariús, Ceará, ao dia 3 de fevereiro de 2008, quando fechou os olhos para sempre, Valdon Varjão foi de tudo um pouco: comerciante, garimpeiro, contabilista, advogado, historiador, escritor, mas o que ele gostava mesmo era da profissão que abraçou – cartorário.
FOTO:
Instituto Memória do Poder Legislativo da Assembleia Legislativa de Mato Grosso

 

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