Vida pública e vida privada: são reflexos?

Uma das reflexões que alguns filósofos fizeram ao longo dos últimos dois ou três séculos, mais precisamente a partir da Revolução Industrial, é até que ponto a nossa conduta pessoal, aquilo que os gregos denominaram éthos, influencia a nossa conduta pública. Em outras palavras, é possível se ter uma conduta privada retilínea, moralmente correta e ao mesmo tempo uma conduta pública marcada pela desfaçatez? Posso ser ético com a minha família, meus amigos, colegas, sócios etc. e na vida política ser um mau caráter? Ou, ao contrário, ser um canalha na vida particular e na vida pública ostentar o galardão de dignidade? Em outra situação: posso exigir que um homem público seja honesto, não seja um malversador da coisa publica, seja competente e ao mesmo tempo, por exemplo, não ter vergonha em tentar corromper o guarda da esquina, de não respeitar o sinal de trânsito ou o lugar reservado para o idoso ou deficiente físico, de colar numa prova, de furar fila, de poluir o ambiente e jogar o lixo aonde não se deve, enfim, de tentar passar alguém para trás? Continuemos: é correto combater a corrupção que grassa no país, exigir uma melhor qualificação dos gestores públicos, e ao mesmo tempo não ter ânimo, digamos assim, para mudar concretamente essa situação procurando na hora de votar escolher outros nomes, mais qualificados profissional e eticamente?

Essa duplicidade contraditória – vida privada versus vida pública – vem sendo realidade marcante em nossa História. Por que as nossas “boas intenções” pessoais não refletem na nossa lamentável vida pública? Coloco essa questão para o leitor.

Thomas Carlyle [1795 – 1881] influente historiador nascido na Escócia, observou “Mostra-me a quem honras, e eu te mostrarei quem és; pois estarás mostrando qual é o teu ideal humano, o tipo de homem que anseias ser”. Atualizando: não posso querer que um homem público seja honesto, se eu também não o for em minha vida privada; não posso exigir que um administrador que eu elegi seja competente e preparado para o exercício do cargo se eu previamente não questionei a sua capacidade e competências. Em outras palavras: aquele ou aquela em que voto é o reflexo do que penso e do que sou.

Ainda que a vida pública e a vida privada tenham dimensões diversas, com tropeços, implicações, obstáculos e compromissos de ordem e graduações distintas, entendo que a vida privada deve ser compatibilizada com a vida pública, já que ambas devem ser forjadas por valores éticos e culturais que representam o caráter de um homem ou de uma mulher.

É claro que existiram, e existirão, certas condições e costumes que a sociedade pode admitir em alguns políticos especialmente destacados, como os estadistas. Mas isso é assunto para outra ocasião. Agora, quero apenas repetir um velho ditado que nossas mães nos diziam quando adolescentes: “Dize-me com quem andas e eu te direi quem és”. Assim, como é importante para o nosso futuro pessoal sabermos escolher as nossas companhias, é decisivo para a nossa vida pública sabermos escolher aqueles que nos representam.

 

Sebastião Carlos Gomes de Carvalho é advogado e historiador presidente da Academia Mato-grossense de Letras. É membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB [RJ]. Publicou, entre outros, ‘Convergência – Estudos de Direito, de Filosofia da História e de Literatura – I’.