Uma mulher luta para desembaralhar o mosaico fundiário em Feliz Natal

Eduardo Gomes

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Raquel Roll, frágil mulher gigante em defesa dos parceleiros da ENA

No passado, balbúrdia agrária em Mato Grosso era tão natural quanto beber água. Porém, uma confusão surgiu em 1997 por incompetência, negligência ou má-fé do Incra, que até então não fazia parte do cardápio das disputas judiciais na vastidão desabitada da Terra de Rondon. Não fazia, vírgula, pois a autarquia federal criada para regularizar a posse, titulação e o uso do solo criou uma saia justa no município de Feliz Natal, mais especificamente no Projeto de Assentamento ENA, onde mais de uma centena de parceleiros sente na pela a insegurança jurídica e não tem acesso às linhas de crédito. Os assentados são representados pela associação Agroena, que tem entre suas lideranças a professora no local e vereadora Raquel Roll (Podemos), uma mulher de silhueta frágil, mas que ganha contornos de gigante quando expõe o cenário a que os parceleiros do ENA foram empurrados pela indiferença do Estado e luta para desembaralhar o mosaico fundiário em seu município.

Para melhor entendimento o caso do Assentamento ENA não pode ser mera matéria jornalística, que exige tudo no condicional. Somente um editorial, com linguagem franca e direta é capaz de levá-lo ao público. Espero conseguir mostrar o que acontece.

Em 1973 a fazenda Cônsul comprou uma gleba em Feliz Natal, de 30 mil hectares, e em 1995, essa área foi vendida à Agropecuária ENA (iniciais de seus donos Eduardo, Nelson e Armindo).


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O Incra demonstrou interesse na ENA, para criar um projeto de assentamento, pois a procura por terra na região era grande. Os proprietários a venderam ao órgão fundiário, e a operação foi sacramentada pelo Decreto 229 de 26 de novembro de 1996. No ano seguinte a transação foi concluída e o governo federal pagaria 30 mil salários mínimos vigentes pelo imóvel, em 20 anos. Em 2013, com 80% do pagamento efetuado, a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu a suspensão da continuidade da liquidação das parcelas restantes.  Começava a dor de cabeça dos parceleiros.

De modo simples, mais direto ainda: a área onde o assentamento foi criado não pertencia a ENA. A mesma foi deslocada. Se a ENA não era a proprietária não haveria razão para concluir o pagamento. Óbvio. Além desse erro imperdoável, a criação do assentamento mostra que Incra e o Instituto de Terras de Mato Grosso (Intermat) atuam de costas um para o outro, pois a referida área pertence ao Intermat.

“Bê-á-bá – O Estado é um peso morto para o contribuinte. Se o Estado funcionasse, o Incra entregaria o assentamento ao Intermat, sem burocracia, e faria mea culpa”

Nesse caso, além da incompetência do Incra, o Intermat também foi incompetente. Como o órgão agrário mato-grossense não soube da criação de um assentamento federal em uma de suas áreas?

Com o Incra e o Intermat no mesmo balaio, o caso foi judicializado e chegou à 2ª Vara Federal de Sinop, que pediu a anulação do decreto que autorizou a compra da área, sua devolução à ENA e que a mesma restitua a União os 80% recebidos pela venda. Na prática não há nenhuma área a ser devolvida pois o assentamento está fora dos limites da ENA.

Além da incompetência do Incra e do Intermat, os parceleiros assentados ainda enfrentam a insensibilidade do Incra. Vejamos: o governador Mauro Mendes determinou ao Intermat que faça um entendimento com o Incra, para o assentamento ser estadualizado – o sentido é esse – mas o Incra permanece numa postura marciana – como se estivesse em Marte e o problema aqui.

O que precisa ser feito? O Assentamento ENA tem que ser entregue ao Intermat, por sua base agrária pertencer ao Estado de Mato Grosso. Os investimentos feitos pelo Incra não vão além de sua obrigação com os parceleiros. A transferência do Incra ao Intermat não prejudica a terceiro. A cobrança feita ao Incra pelos 20% do pagamento não efetuado é uma ação que não diz respeito aos parceleiros nem ao Intermat. Também não interessa a Mato Grosso se a ENA devolverá ou não ao Incra o montante parcial recebido.

De imediato a Assembleia Legislativa tem que mergulhar nessa questão e a Procuradoria Geral do Estado não pode permanecer dormindo em berço esplêndido.

DETALHES – Quando o Incra comprou a ENA, o presidente da República era Fernando Henrique Cardoso, e o governador, Dante de Oliveira. Em 2013, quando o pagamento das parcelas foi suspenso, Dilma Rousseff era presidente e Silval Barbosa governador.

O abacaxi precisa ser descascado por meio de diálogo entre os presidentes do Intermat, Francisco Serafim de Barros, e seu colega no Incra, César Aldrighi, mas não pode ficar restrito ao campo burocrático onde ambos atuam. O assunto tem que receber selo prioritário do poder político mato-grossense.

MOSAICO – Á área de 30 mil hectares tem 15 mil hectares preservados como reserva permanente comunitária. O Incra demarcou 388 parcelas. Os parceleiros cultivam 7 mil hectares e outros 7 mil hectares são formados em pastagem. No assentamento, a Escola Rural Municipal Malvina Evaristo Pecinelli tem 215 alunos de creche ao terceiro ano do Ensino Médio, e recebe os matriculados na Escola Estadual André Antônio Maggi – com sede na cidade – pelo sistema de extensão. Raquel Roll é uma de suas professoras.

A Agroena, que representa os assentados, é presidida pelo parceleiro Cleiton Araújo.

Feliz Natal tem 10.564 habitantes. Sua área é de 11.661 km², na Amazônia Mato-grossense e a cidade dista 115 km de Sorriso, por rodovia pavimentada. O município é importante polo do agronegócio e parte de sua área pertence ao Parque Indígena do Xingu.

Os pacientes do SUS de Feliz Natal são regulados para o Hospital Regional de Sorriso. O município é sede de comarca.

Fotos:

1 – Eduardo Gomes

2 – Arquivo Prefeitura 

Comentários (3)
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  • Raquel Roll

    Muito obrigada pela matéria meu amigo, sou grata a Deus pelos anjos que ao longo de minha vida tem colocado em meu caminho.

    Raquel Roll.

  • Neri

    Essa Raquel Roll frágil de estatura física apenas. Mas uma pessoa muito determinada em tudo o que faz.
    Agora com ajuda das parcerias serias, a comunidade ENA acredita no sucesso de todos.
    Deus abençoe a todos.

    Neri Valter Roll

  • Maria Isaura

    Parabéns professora Raquel. Você representa todas nós mulheres e o texto do senhor é o melhor que temos para ler – sou sua fã de carteirinha

    Maria Isaura – Rondonópolis