Sirlei em defesa da mulher e da harmonia entre gêneros

Sirlei e sua trajetória

Noites e noites de tristeza no pequeno vilarejo de Santo Antônio do Rio Bonito, no Nortão, cercado pela Floresta Amazônica por todos os lados. A menina Sirlei virava de um para outro lado, não por conta dos mosquitos, que eram contidos pelo protetor em forma de rede. Ela, agoniada, mas esperançosa, sonhava acordada com a volta do pai, o seo Francisco Assis Bravo de Almeida, que um dia partiu com seu caminhão para um frete em Sorriso e nunca mais voltou.

Sirlei contava horas, minutos e segundos à espera do pai, que desapareceu misteriosamente na BR-163, no Nortão, numa época em que era comum bandido render motorista, matá-lo, jogar seu corpo na mata e fugir com o caminhão para vendê-lo a madeireiros no Pará. Aquilo era uma espécie de receptação de sangue.

Seo Francisco nunca voltou. A mãe de Sirlei, professora Maria Dulce, enfrentava problemas para a manutenção da casa. Por essa razão e buscando alternativa para garantir sua escolarização, a entregou aos cuidados do casal Alda e Áureo Serra, ele prefeito de Nobres. Menina ainda, Sirlei virou babá, cuidando de crianças na casa dos Serra.

De Nobres Sirlei foi para Sinop, nas mesmas condições, sendo adotada pelo casal pioneiro naquela cidade, Salete e Deonildo Testa. A atividade foi a mesma: babá.

Sinop abriu as portas do mundo para ela, mesmo assim seu caminho sempre teve espinhos, mas ela os superou. Venceu a violência doméstica num relacionamento. Mergulhou no saber universitário. Galgou postos no serviço público. Foi abençoada com a maternidade. Encontrou mãos estendidas que a levaram ao palanque, ao qual pegou gosto.

Mulher trabalhadora e de luta sem perder o quê da feminilidade. Culta. Preparada. Bonita. Em busca da harmonia entre os gêneros. Gaúcha de São Luiz Gonzaga, criada no Nortão, cidadã mato-grossense plenamente identificada com a Terra de Rondon. Advogada, professora, palestrante, articulista do site rdnews.com.br  militante da causa em defesa da mulher vítima da violência e pela igualdade entre gêneros, Sirlei Teis é forte sem perder a ternura e escreve uma bela página de superação, sem jamais se deixar curvar. Estreou politicamente no ano passado disputando mandado de vice-governadora. É uma luz que se acende nas trevas sobre boa parte da classe política cuja renovação palpita no coração e povoa sonhos do brasileiro.

A jornalista Vanessa Moreno ouviu Sirlei sobre política. Trechos da conversa de mulher para mulher é o teor desta entrevista.

blogdoeduardogomes: Como você avalia a participação das mulheres na política?
SIRLEI THEIS: A participação da mulher ocorre de forma bastante tímida, embora eu veja como fundamental para a consolidação da democracia. As mulheres já conquistaram ao longo da história avanços importantes e hoje elas estão presentes nos mais diversos campos, desde a direção de grandes empresas a cargos políticos, porém em um número bem inferior ao de homens e em muitas vezes recebendo menos ao exercer a mesma função. Embora as pesquisas mostrem que a mulher tem investido mais na sua formação profissional que o homem e esteja se destacado em diversas funções, a imagem do líder ainda esta associada ao homem. Basta ver o número de mulheres que foram escolhidas para formação do Staff do governo federal e também dos Estados da Federação que ainda é muito tímida.

BOAMÍDIA: A participação da mulher pode melhorar a política?
SIRLEI: Com certeza. A participação da mulher na política traz mais equilíbrio e sensibilidade nas decisões, principalmente naquelas voltadas à mulher e à família, como saúde, educação e segurança, sem contar que a presença da mulher na política é uma forma de empoderar o gênero. O Brasil e principalmente o nosso Estado é carente em representantes mulheres na política e vejo que precisamos disso. Precisamos de líderes mulheres para nos espelhar. Confesso que em 2018 quando decidi que iria me filiar a um partido político com pretensão de me candidatar fui pesquisar lideranças mulheres na política brasileira que pudessem me inspirar e fiquei desesperada porque são poucas e grande parte delas acabou se perdendo nesse processo e não é referência de nada. É preciso mudar esse quadro em caráter de urgência.

Sirlei: “Precisamos de líderes mulheres para nos espelhar”

blogdoeduardogomes: Qual a melhor forma de aumentar a participação da mulher na política?
SIRLEI: Acredito que a melhor forma de aumentar a participação da mulher na política seria em primeiro lugar ela se enxergar nesse cenário e também conseguir ver a importância da sua participação. A mulher não foi criada para participar da política, dessa forma ela primeiro precisa quebrar a barreira interna, enfrentar os tabus e preconceitos e se preparar. Em segundo lugar, penso que as mulheres precisam se unir mais e serem menos competitivas entre si, entenderem que quanto mais mulheres qualificadas e preparadas se apresentarem para a política mais chances teremos de fomentar ações para ampliar a participação feminina nos espaços de decisão e poder. Ultrapassada essa barreira vejo de suma importância a política de cotas de gênero no Brasil, pois hoje somos um dos países com menor representatividade feminina no mundo, mas entendo que essa política precisa evoluir e garantir não só o percentual de candidatura e recurso financeiro, mas também garantir um percentual da legislatura. Sei que essa luta nunca foi e nem será fácil, mas precisa ser levada adiante e para isso é preciso que mais mulheres se apresentem para a política. Temos muitas mulheres altamente qualificadas e preparadas, mas não têm coragem porque se assustam com o aglomerado masculino que de certa forma não quer perder seu espaço.

BOAMÍDIA: Quais são os obstáculos que impedem a participação da mulher na política, no seu ponto de vista?
SIRLEI: Vou citar o meu caso como exemplo. Eu estudei, me preparei, superei muitos obstáculos na vida, como um relacionamento abusivo, porque queria vencer, mas nunca me imaginei na política porque não fui criada nem educada para isso, tanto que a primeira vez que me convidaram para me filiar a um partido eu cheguei a rir da situação. Diante desse contexto, vejo que a principal barreira que a mulher enfrenta na política é a da aceitação, de que é necessária sua participação na política para defender os seus direitos. Superada essa, ainda tem a questão das mulheres que aceitam ser usadas como cota para trampolim dos homens. Esse comportamento não pode permanecer e isso somente será combatido se mulheres capacitadas e qualificadas entenderem a importância de participar do processo político.
Percebo que os homens dominam esse ambiente e não possuem interesse em abandonar. Por isso, para as mulheres ocuparem parte desse espaço precisam se colocar em posição de igualdade e isso ela só vai conseguir se demonstrar conhecimento e preparo.

BOAMÍDIA: Como você avalia a atuação do movimento feminista?
SIRLEI: A atuação do movimento feminista é o grande responsável pelas conquistas obtidas pelas mulheres até os dias atuais. Se pensar que até bem pouco tempo a mulher era tratada como propriedade de seus pais, maridos, irmãos ou aquele que fosse chefe da família e hoje somos seres livres e capazes, devemos isso a esse movimento. Desde o princípio o movimento feminista buscou a participação da mulher na política, na educação e no trabalho em condições igualitárias. Ainda hoje nos deparamos com uma cultura machista que inibe a mulher de se colocar em condições de igualdade e isso reflete muito bem os índices de assédio moral, violência doméstica e feminicídio que crescem ano a ano. Seria bom que não precisasse existir o movimento feminista, como também seria bom não precisar existir políticas de cotas para a mulher ter oportunidade de entrar para a política, como seria bom não precisar ter uma Lei Maria da Penha, mas quando vivemos numa sociedade em que a mulher ainda é enxergada como objeto ou propriedade, é necessário que o movimento continue, porém não defendo o extremismo. Entendo que não é uma guerra entre homens e mulheres, mas a mulher brasileira tem muito a conquistar e para isso precisa se fazer ouvida em todos os níveis e como vamos fazer isso se somos menos do que 10% no Congresso Federal? E esse número não para por aí, pois se olharmos para o nosso Estado, a situação é ainda mais grave, pois temos apenas uma mulher na Assembleia Legislativa.

blogdoeduardogomes: Você já foi assessora do procurador  de Justiça Paulo Prado, assumiu um cartório no fórum em Nova Ubiratã, foi secretária-adjunta Sistêmica de Segurança Pública e disputou as eleições em 2018. Em algum desses momentos você enfrentou algum obstáculo por ser mulher?
SIRLEI: Profissionalmente eu nunca percebi qualquer discriminação pelo fato de ser mulher. Sempre fui respeitada pelo meu conhecimento e comprometimento. Posso até citar que no ano de 2010, cheguei a pensar que a minha carreira fosse estagnar porque engravidei, mas fui surpreendida quando voltei da licença maternidade com um convite para assumir a secretaria adjunta de administração sistêmica da Secretaria de Segurança pública. A primeira mulher a assumir esse cargo em um ambiente predominantemente masculino. Fui a gestora que maior tempo ficou na função e somente entreguei o cargo no final do ano de 2015, porque deixei de acreditar na gestão do governador Pedro Taques. Na política eu acabei de chegar, me filiei ao Partido Verde (PV), no dia 07 de abril de 2018, com um projeto para uma candidatura a deputada estadual, mas as coisas na política se mostraram muito dinâmicas para mim e acabei saindo candidata a vice-governadora na chapa do Wellington Fagundes. Conversei com o senador uns 60 dias antes das convenções e gostei muito da postura dele, principalmente por ser acessível e bom ouvinte. Mesmo assim, confesso que foi uma surpresa o convite para compor a chapa majoritária na véspera das convenções, mas sei que isso somente aconteceu porque eu estava preparada, no partido certo e no momento certo. A executiva do PV e pré-candidatos concordaram por unanimidade com a indicação do meu nome e não posso deixar de ressaltar que fui muito bem recebida, pois o senador Wellington e seu grupo estavam muito certos de querer uma mulher na chapa. Posso afirmar que a experiência que vivi foi única e sou muito grata ao meu Partido Verde, ao senador Wellington Fagundes e também a todas as pessoas envolvidas naquele processo, pela oportunidade que me deram. Tenho certeza que, embora sem mandato, fui a grande vencedora das eleições de 2018, pois não entrei para a política apenas pelo mandato mas para fazer, e essas eleições não só abriram uma porta para mim, mas um caminho.

BOAMÍDIA: Você pretende disputar mais cargos políticos?
SIRLEI: Eu tinha um projeto para deputada estadual que deixei de lado quando aceitei ser candidata a vice-governadora na chapa do senador Wellington Fagundes. Essa coligação permitiu que o meu partido elegesse dois deputados estaduais e conquistarmos o segundo lugar na disputa ao governo. Aprendi logo que na política essas abdicações de projetos pessoais por um projeto maior do partido às vezes torna-se  necessário. Essa candidatura me permitiu ganhar uma visibilidade muito grande e isso me fortaleceu nas minhas lutas contra a violência doméstica, e em defesa dos servidores e  da segurança pública, independentemente de ter mandato. Dessa forma pretendo, sim, disputar cargo político nas eleições de 2022.

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Comentários (1)
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  • Gonçalina

    Parabéns Sirlei, nossa futura Governadora. Você é espetacular.