No final do mês de outubro, o presidente Jair Bolsonaro assinou o decreto 10.530, que inclui as Unidades Básicas de Saúde (UBS) no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Dois dias depois, o decreto foi revogado, após reações negativas da opinião pública. Deste episódio, ficaram sete lições.
1 – O SUS é o maior patrimônio civilizatório brasileiro e será sempre defendido
A reação ao Decreto, nos termos em que divulgado na internet, foi forte e imediata. A pandemia reforçou a importância e a qualidade do SUS em cuidar da saúde de 150 milhões de brasileiros. E essa percepção faz com que qualquer ataque a sua estrutura federativa e gratuidade seja fortemente combatido.
2 – Decisões governamentais precisam ser transparentes, dialogadas e motivadas
O governo federal cometeu dois erros graves. Em primeiro lugar, não discutiu os termos do Decreto com os setores envolvidos, em especial o Ministério da Saúde e os órgãos interfederativos do SUS. Em segundo lugar, não explicitou à sociedade os motivos, objetivos e as possíveis consequências do Decreto. Tais falhas deram margem a críticas e desconfianças em face do Decreto. Sua revogação soou como um reconhecimento de culpa quanto ao Decreto em si ou, ao menos, quanto à falta de transparência, diálogo e motivação em sua elaboração.
3 – A discussão acerca de parcerias no SUS não é jurídica, mas técnica
As críticas ao Decreto centraram-se na inadequação do modelo de parcerias à atenção básica de saúde. Os argumentos para tanto foram técnicos, relacionados à gestão, economia e medicina. O direito não interfere nessa seara, pois o Supremo Tribunal Federal já decidiu que a Constituição Federal prevê a celebração de parcerias na saúde. Independente do prestador (estatal ou privado), o que o texto constitucional veda é a restrição, diminuição ou cobrança pelos serviços no âmbito do SUS.
4 – O modelo de parcerias está consolidado na saúde pública do Brasil e do mundo
5 – A atenção básica é o coração do SUS
Informação antes restrita apenas à área da saúde, o episódio reforçou a importância da saúde básica no SUS. O atendimento do médico generalista ou médico da família é responsável por evitar moléstias e, assim, diminuir custos e demanda por serviços de média e alta complexidade. Por isso, o foco de atenção e investimento de todos os sistemas universais de saúde do mundo é a atenção primária.
6 – Os municípios precisam de apoio para gerenciar seus serviços de saúde
A regulamentação do SUS atribui aos municípios a responsabilidade pela atenção básica. No entanto, a iniciativa do governo federal desnuda a triste realidade da imensa maioria dos municípios brasileiros. Falta orçamento, falta estrutura e falta capacidade operacional para atender a população ou mesmo para celebrar parcerias. É preciso apoio dos Estados, da União e até mesmo da iniciativa privada para que municípios tenham condição de prover atenção básica de qualidade à população. Independente da celebração ou não de parcerias, o fortalecimento do SUS exige o fortalecimento dos municípios.
7 – Faltam recursos para o SUS
Ao buscar investimento da iniciativa privada, a União federal reconhece que o financiamento do SUS é insuficiente. Esse é um paradoxo bastante conhecido na saúde pública brasileira. O Brasil é o único país com sistema universal de saúde no qual o gasto privado é maior que o gasto público. Essa equação precisa ser resolvida e a solução consiste no aumento do financiamento da saúde por parte do governo federal.
Fernando Mânica é doutor pela USP, autor dos livros ‘Prestação de Serviços de Saúde pelos Municípios’ e ‘Prestação privada dos serviços públicos de saúde’, e professor do Mestrado em Direito da Universidade Positivo