SÉRIE (VI) – Fávaro um biônico entre nós

Se o agronegócio tem voz em Mato Grosso essa é a de Carlos Fávaro, o afilhado político de Eraí Maggi Scheffer e senador biônico, que conseguiu a proeza de chegar ao Senado mesmo derrotado nas urnas, graças a justificativa de bancadas de advocacia as mais caras do Brasil, que conseguiram uma decisão monocrática que lhe confere a bionicidades que nos remete aos anos de chumbo da ditadura militar. Produtor rural ligado ao baronato da soja, Fávaro foi indicado por Eraí para ser vice-governador de Pedro Taques em 2014, mas o abandonou. Sobre, Taques disse que a política adora traição, mas abomina os traidores. 

 

Este é o sexto capítulo da Série SENADO TEM QUE TER PASSADO, que focalizará todos os candidatos a senador na eleição suplementar de 15 de novembro. Anteriormente foram focalizados: Procurador Mauro (PSOL), Nilson Leitão (PSDB), Pedro Taques (SD) e José Medeiros (Podemos). 

A postagem acontece sempre às terças, quintas e sábados. Porém, nos últimos dias, a série foi interrompida em razão da retirada de um dos suplentes de José Medeiros. Por prudência, o conteúdo foi suspenso temporariamente e retorna nesta segunda-feira, 12, devendo prosseguir na próxima quinta-feira ou no sábado, para evitar divulgar chapa que poderá sofrer recomposição.

Na posse no Senado Fávaro jura cumprir um mandato que não conquistou
Brasília, sexta-feira, 17 de abril de 2020. Pela primeira vez no regime democrático brasileiro um político  não eleito e designado judicialmente assume o cargo de senador. O felizardo é Carlos Fávaro (PSD), de Lucas do Rio Verde, e afilhado eleitoral do empresário Eraí Maggi Scheffer. Biônico, Fávaro está em campanha pra se eleger ao Senado. É um dos nomes do Nortão concorrendo em eleição suplementar. 
Agronegócio não é atividade composta por empresários com o mesmo pensamento; ele se divide bem, a exemplo do PT. Os petistas têm correntes ideológicas, e os barões, correntões. A divisão de força do agro ficou bem visível em Mato Grosso na disputa ao Senado em 2018. Agora, com a eleição suplementar para preencher a cadeira da senadora Selma Arruda (Podemos), cassada em 10 de dezembro do ano passado, pelo Superior Tribunal Eleitoral (6 a 1) por crimes de caixa 2 e abuso de poder econômico, o baronato da soja mais uma vez expõe suas divergências intestinais. Fávaro é o nome mais afinado com esse segmento para disputar a cadeira de Selma Arruda.
No auge do poder: Fávaro e Taques e suas imagens refletidas

Carlos Henrique Baqueta Fávaro, produtor rural paranaense radicado em Lucas do Rio Verde, no Nortão, entrou no noticiário em 29 de novembro de 2011 ao assumir a poderosa Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja). Àquela época, tanto a Aprosoja regional quanto a nacional eram presididas pelo produtor Glauber Silveira, o Maguila, que se eternizava no poder. Alguns correntões do agro passaram a se sentir desconfortáveis com aquele cenário, e a presidência em Mato Grosso caiu no colo de Fávaro, Não caiu por sorte nem por coincidência – foi decisão de Eraí, um dos homens mais fortes do agro brasileiro e que costuma dar as cartas de modo discreto: escolheu seu afilhado Fávaro. Os produtores disseram  amém e o elegeram sucessor de Maguila.

Fávaro na Aprosoja era parte de um plano de Pedro Taques com apoio de Eraí à frente do baronato do agro. À época Taques era senador pelo PDT, e Blairo Maggi estava no Senado, pelo PR. Eraí via em Fávaro (filiado ao PP) o nome ideal pra compor a chapa de Taques ao governo em 2014, por sua capacidade de articulação, boa oratória e afinidade ruralista.

No dia 5 de novembro de 2013, em nome do projeto 2014, Fávaro se reelegeu presidente da Aprosoja e com intensidade migrou para as páginas dos jornais, sites, rádio e TV. Veículos de Comunicação sabiam que Fávaro representava Eraí, mas quase não tocavam no assunto, e quando o faziam, adotavam tom editorial moderado.

Analistas e ditos formadores de opinião diziam reservadamente que a candidatura de Taques ao governo precisaria de um bom vice, pra se viabilizar. Taques é emburrado, impessoal, não cultiva amizade, arrogante e não consegue se desvincular da função de procurador da República, da qual abriu mão para concorrer ao Senado em 2010. Nas rodas de jornalistas se dizia que o ideal seria um político carreirista e populista pra compor sua chapa; alguém com o perfil de Zé Carlos do Pátio, de Rondonópolis; Wilson Santos, de Cuiabá; ou Nilson Leitão, em Sinop, que são figuras identificadas pelo DNA do palanque.

 

Deixa com a gente

 

Eraí pensava diferente e botou Fávaro na chapa de Taques.

Eraí conhece profundamente as entranhas das campanhas eleitorais e sabe bem mexer as peças de seu tabuleiro. Eraí, juntamente com Otaviano Pivetta (agora vice-governador pelo PDT) e Allan Malouf se encarregaram de transformar a dobradinha em sonho de consumo do eleitor. Para tanto, teriam que viabilizar recursos pra botá-la na estrada em busca de votos.

Em 2017 Malouf foi condenado pela então juíza Selma Arruda, da 7ª Vara Criminal,  a 11 anos e 11 meses de prisão por sua participação num esquema de desvio de dinheiro da Secretaria de Estado de Educação. O esquema foi descoberto na Operação Grão Vizir, desencadeada pelo Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco), como desdobramento da Operação Rêmora. Descobriu-se que foram desviados milhões em construção e reforma de escolas estaduais. O rombo resultou na prisão do secretário de Educação Permínio Pinto, e de figuras de arraia-miúdas que exerciam cargos comissionados naquela secretaria, por indicação do então deputado federal Nilson Leitão e do à época deputado estadual Guilherme Maluf (agora conselheiro do Tribunal de Contas do Estado/ CE), ambos tucanos. Investigações, cruzamentos de dados, depoimentos e delações apontaram que a roubalheira seria para cobrir empréstimos contraídos para gastos de campanha  de Taques e Fávaro. Observem que Taques disputou o governo numa chapa com Fávaro – bem objetivamente tal esquema beneficiou o candidato a governador e o candidato a vice-governador.

No salto da Aprosoja para a chapa de Taques, Fávaro transmitiu a presidência para seu vice, Ricardo Tomczyk, advogado que cultiva em Rondonópolis e que seria secretário de Estado no governo Taques.

 

Sirene ligada

 

Com Taques o poder nas trevas

Taques entrou no Palácio Paiaguás com a sirene ligada. Era a imagem do xerife. Mal seu governo começou e a cúpula do poder de seu antecessor, Silval Barbosa, foi para o xilindró: Silval e sua mulher Roseli, Pedro Nadaf, Afonso Dalberto, Arnaldo Alves, Éder Moraes, Chico Lima, Pedro Elias, Edmilson Santos, o ex-deputado José Riva (que controlou a Assembleia Legislativa por 20 anos) e outros.

Não somente a sirene de Taques dava tom sombrio ao Paiaguás. Longe do olhar do cidadão estava em curso um criminoso e imoral esquema de escuta telefônica clendestina, que atingia adversários do governador, servidores públicos, jornalistas, médicos, advogados e até Fávaro. Isso ganhou o nome de Grampolândia Pantaneira, mas pode ser chamado de impunidade se visto pela condenação (que não houve) de seus verdadeiros cabeças.

 

O plano

 

PSD, sim; mas sem Riva

Menos de um ano após a posse de Taques e Fávaro,  Riva estava em desgraça, enrodilhado por condenações, acumulando prisões e solturas. Se ao invés de político o ex-deputado fosse garimpeiro, seus companheiros diriam que ele estava blefado. Eraí sabia  o peso político do PSD que Riva controlava embora seu presidente regional fosse o ex-vice-governador Chico Daltro. Eraí se reuniu com Gilberto Kassab – cacique nacional da sigla – e a legenda caiu no colo de Fávaro em 28 de setembro de 2015. Eraí e Taques queriam o espólio partidário do cacique do PSD, mas refugavam o grupo chamado Viúvas de Riva. A ordem  era um expurgo paralelamente à renovação de filiações.

O novo mandachuva e sucessor de Riva exigiu que alguns nomes se desfiliassem, e dentre eles, Riva; Janaína Riva, filha de Riva, deputada estadual eleita com 41.171 votos, a segunda maior votação para o cargo em 2014; e o depuado estadual Gilmar Fabris. Os Riva pegaram o boné. Fabris articulou com Fávaro e Taques, e permaneceu.

Janaína em 2018 seria reeleita com 51.546 votos – maior votação para a Assembleia –  e foi empurrada para o MDB do cacique e deputado federal Carlos Bezerra, que não permite crescimento de lideranças acima da linha de cintura partidária. Em Brasília, ao botar o jamegão na ficha do MDB, Janaína foi  prestigiada pelo vice-presidente Michel Temer; o presidente do Senado, Eunício de Oliveira (CE); Bezerra e o deputado federal Valtenir Pereira.. Com Riva o PSD tinha peso na Assembleia Legislativa. Com Fávaro, murchou. Em plenário somente o deputado Nininho, que se filiou após a queda do antigo cacique. Na bancada federal não há representante. Entre as 14 maiores prefeituras o partido administra apenas a de Lucas do Rio Verde, com Flori Luiz Binotti, ligado a Fávaro, que mora naquele município e não tem vinculo com Riva.  Em Barra do Garças, um dos grandes municípios, o prefeito Beto Farias (reeleito) trocou o PSD pelo MDB. A exorcização das Viúvas de Riva atinge Câmaras Municipais.

Fávaro cumpriu bem o papel do desmanche para a reconstrução do PSD. O partido tem 23 prefeitos, sendo alguns inelegíveis por cumprirem o segundo mandato, a exemplo de Mauro Rosa, de Água Boa, a principal cidade do Vale do Araguaia administrada pela sigla; tem 20 vices-prefeitos; e 260 vereadores. Parte desses políticos municipais foi eleita em 2016. O grupo das Viúvas de Riva, no ãmbito das prefeituras, deixa o poder em 1º de janeiro de 2021.

À princípio o plano, não contava com a derrota de Taques em sua tentativa de reeleição, e ainda teve que ser reconfigurado no dia 5 de abril de 2018 com a renúncia de Fávaro do cargo de vice-governador. O correntão que o apoiou em 2014 o queria senador quatro anos depois, mas acontece que uma rusga com Taques colocava em risco seu projeto ao Senado. A lei dizia que em caso de viagem do governador ao exterior, automaticamente o vice seria revestido do cargo. Taques – como se diz nos meios políticos, não é flor que se cheire – poderia embarcar para Santa Cruz da la Sierra, de uma hora pra outra, e se fizesse isso, Fávaro seria inelegível para senador. Dos males o menor. Uma carta e muito discursos pregando despreendimento chancelaram o adeus à vice-governadoria.

 

Mal-estar no Paiaguás

 

Taques se juntou com Fávaro pra derrubar Pivetta (dir.)

Pivetta foi um dos pilares da campanha de Taques ao governo em 2014, e também na sua eleição ao Senado em 2010, mas Taques não levou isso em conta na eleição municipal em 2016, quando Pivetta disputava a reeleição pra prefeito de Lucas do Rio Verde.

Pivetta esperava contar com apoio de Taques, porém, isso não aconteceu. Segundo se comenta nos bastidores políticos, o governador mandou Fávaro lançar um candidto a prefeito pelo PSD. Fávaro indiciou Flori Luiz Binotti.  Flori recebeu 14.408 votos e Pìvetta 14.166. Pivetta teve o registro de sua candidatura cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral na antevéspera do pleito e quando reverteu a situação foi tarde demais – a decisão judicial prejudicou seu desempenho nas urnas.

Eleição em Lucas sempre é muito disputada, mas em 2016 aconteceu um fato atípico que foi decisivo para a derrota de Pivetta. Operários maranhenses contratados por um complexo industrial na cidade foram estimulados a transferirem seus títulos, e teriam recebido generosas injeções de mimos para votarem em Flori. Fávaro estaria por trás dessa jogada, que foi fatal para Pivetta. Um fosso se abriu. Essa divergência entre dois líderes do agro não dá sinais de cicatrização.

Esse fato em Lucas, por certo contribuiu para a renúncia de Fávaro. Grampolândia Pantaneira, que o atingiu, também pode ter pesado, pois ele sabia o quanto Taques é capaz e como se faz o jogo do poder.

 

Não deu

 

Lacerda, Fávaro e Geraldo

Nas eleições em outubro de 2018, Fávaro saiu ao Senado com os suplentes, o empresário Geraldo Macedo (PSD) e  José Lacerda (MDB), que foi vice-prefeito de Cáceres, deputado estadual e secretário de Estado no governo de Silval Barbosa.

Gastou R$ 2,2 milhões. Seu tempo na propaganda no horário eleitoral do rádio TV foi de 1 minuto e 6 segundos.

Entre os 11 candidatos ficou em terceiro lugar com 434.972 votos.

Derrotado entrou com a ação que resultou na cassação de Selma Arruda.

Degolada a senadora, o advogado de Fávaro e ex-ministro José Eduardo Cardozo conseguiu uma proeza: o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, em decisão monocrática no dia 31 de janeiro deste ano, em pleno recesso forense, determinou que o Senado desse posse a Fávaro e que o mantivesse no cargo até a eleição de um senador ou senadora na eleição suplementar de novembro. Em 28 de abril, o presidente Davi Alcolumbre (DEM/AP) entregou a cadeira ao afilhado de Eraí. Vale observar que na fundamentação de José Eduardo Cardozo havia um chororô do governador democrata Mauro Mendes pelo mandato manga curta pra Fávaro, pois Mato Grosso estaria sendo prejudicado por contar com apenas dois senadores.

CHEFIA – Antes desse chororô  Mauro Mendes nomeou Fávaro chefe do escritório de representação de Mato Grosso em Brasília, cargo que deixou pelo Senado.

Memória

O abafado caso de centenas de Cadastros Ambientais Rurais irregulares

 

Peterlini (dir.) deixa o cargo e Fávaro o assume

O governo Taques foi caracterizado por prisões e demissões de secretários. Em 4 de abril de 2016 Fávaro assumiu a Secretaria de Meio Ambiente (Sema)  substituindo a promotora de Justiça Ana Luiza Ávila Peterlini de Souza. e permaneceu no cargo até 18 de dezembro de 2017, quando o transmitiu a André Torres Baby. Ana Peterlini foi impedida de permanecer na Sema, por ser integrante do Ministério Pùblico, que assim o entendeu.

Durante a gestão de Fávaro na Sema uma investigação do Ministério Público (MP) teria descoberto um crime com sério impacto no meio ambiente em Mato Grosso, na  emissão irregular de Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Preliminarmente  teriam sido descobertos 650 casos de irregularidades em CARs. Em razão disso, o MP teria pedido à Vara Especializada do Meio Ambiente (Vema), prisões preventivas de servidores ligados ou suspeitos de ligação com a fraude na emissão, e também a prisão preventiva de Fávaro, O pedido teria sido feito em 22 de setembro de 2018. A fonte dessa informação é ligada ao MP e acrescentou que no grupo  de Fávaro houve desespero, pois se o mesmo fosse preso, seu projeto político seria inviabilizado. Esse caso foi estanhamente abafado.

DE NOVO  – Fávaro tem 1 minuto e 7 segundos de tempo na TV para propaganda eleitoral. Declarou patrimônio de R$ 392.040,28. Ao assumir a bionicidade no Senado levou consigo os suplentes de sua chapa derrotada em 2018. Agora, trocou Geraldo Macedo pela empresária Margareth Buzzetti (Progressistas), e manteve José Lacerda na segunda suplência.

Buzetti declarou patrimônio de R$ R$ 74,6 mil. José Lacerda, de R$ 7 milhões.

 

FOTOS:

ARTE: Marco Antônio Raimundo – Marcão

1 – Agência Senado

2, 3 e 7 – Site público do Governo de Mato Grosso

4 – Maurício Barbant – site público da Assembleia Legislativa de Mato Grosso

5 – Flickr de campanha eleitoral em 2014

6  – Flickr de campanha eleitoral em 2018

 

 

Eduardo

 

manchete