Saudade é o novo nome da Quiquina
Eduardo Gomes
@andradeeduardogomes
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Cuiabá, 26 de outubro de 2013. Sábado morrinhento, intercalando chuva com vento e céu nublado. Chego ao hospital. Sou atendido pelo cardiologista Carlos Carretoni, que estava em visita a pacientes e com horário reservado para mim. Examina dali e daqui, Carretoni incluiu um tópico novo e para sempre no meu cotidiano: caminhar. Inicialmente meia hora e mais adiante 50 minutos.
No domingo, 27, chego cedo ao Parque Mãe Bonifácia. Ensaio o trajeto da pista externa, naquele momento entupida por gente em busca de qualidade de vida. Desanimo. Não vou além de uns 200 metros. Em casa reflito sobre a necessidade da caminhada e tento encontrar um estímulo para cumprir a ordem do cardiologista que abaixo de Deus salvou minha vida quando sofri um infarto. Penso: coloquei quatro stends farmacológicos, o colesterol mantém obstrução significativa nas veias vitais ao meu coração. Mesmo sabendo a importância da caminhada para meu sistema circulatório e para reforçar minha luta contra os problemas de saúde que me afligiam, não sabia como começar, porque o meu astral estava bem abalado com as duas cirurgias a que me submeti e o período em que passei num leito hospitalar em Cuiabá.
Segunda-feira, 28 de outubro. Bem cedo, quando o sol ainda não aquecia nossa Cuiabá e a chuva de final de ano dava trégua, resolvi caminhar próximo nas vielas do local onde moro. Percorri um trecho ainda menor do que o primeiro, no Mãe Bonifácia. Retornei para casa. Fui recebido com festa pela minha cadelinha Quiquina (Foto), que saltava sem parar como se pedisse para sair um pouco. Peguei a corrente com a coleira e sai para um duplo atendimento: ao Carretoni e a ela.
Saímos juntos: eu e ela. Não tive tempo para desânimo, porque a vontade de correr dela era tanta, que não conseguia pensar em outra coisa senão apertar o passo para acompanhá-la. A caminhada durou 30 minutos. No dia seguinte repeti a dose e nunca mais deixei de caminhar, sempre acompanhado por ela.
Quiquina é uma vira-lata com sangue de poodle. Seu nome foi escolhido por minha neta Ana Júlia, por influência de uma novela infantil que tinha uma personagem chamada Maria Joaquina apelidada Quiquina. O que meus netos decidem, decidido está e a escolha da minha cuiabaninha Ana Júlia, filha dos meus filhos Jeisa e Agenor, não foi discutida por ninguém da família.
O mundo tem pressa e as pessoas estendem as mãos cada vez menos ao semelhante. O cão, no entanto, continua amigo fiel, levando a vida na mansidão, sempre pronto a oferecer um carinho, de coração aberto para amar aqueles que o acolhem. Quiquina foi um anjo de quatro patinhas que Deus botou na minha vida. Nesta terça-feira (1º), atendendo a um chamado celestial, pela primeira vez ela sai de minha vida. Cumpriu sua jornada na Terra fazendo a alegria de minha mulher, meus filhos e netos.
Perdi uma amiga que ao longo de mais de 13 anos somente irradiou felicidade e iluminou minha casa. Quiquina foi para junto dos outros anjos de quatro patas que tive. Ficou a Bulma, ainda novinha, travessa.
Com tanta doçura canina é menos amargo enfrentar as adversidades nesta quadra lamentavelmente cheia de armadilhas humanas.
Quiquina partiu serena, depois de enfrentar uma doença. Minha amiga não está mais entre nós. Ficou o vazio e este é para sempre e desde agora atende pelo nome de saudade.