RONDONÓPOLIS 67 ANOS – A soja mato-grossense nasceu aqui

Final do dia e o sol reflete o vermelho na fachada da prefeitura

No dia 10 deste dezembro Rondonópolis celebra 67 anos de emancipação 

No final dos anos 1960 e começo da década de 70 a cidade era Rainha do Algodão

A leguminosa mudou o perfil da cidade que foi Rainha do Algodão e onde surgiram a Aprosoja e a Fundação MT

 

Produtores sulistas que cultivavam soja na região de Dourados, deram grande empurrão na lavoura da soja na região de Rondonópolis, pouco antes da divisão territorial que criou Mato Grosso do Sul em 1977. Mas, o pioneirismo não foi deles.  O gaúcho Adão Riograndino Mariano Salles foi o pioneiro no cultivo dessa lavoura em Rondonópolis.

Com a chegada da lavoura a cidade cresceu, virou metrópole regional com  236.032 habitantes. O cultivo avançou Mato Grosso afora transformando a base econômica mato-grossense e paralelamente a isso mudou costumes, fez cidades brotarem da noite para o dia.

Não se pode contar a história da saga da leguminosa soja – de origem chinesa e batizada botanicamente por Glyicne max  – na Terra de Rondon como se ela fosse um fato isolado, pois a mesma está de tal modo entrelaçada com Rondonópolis, que as duas se fundem e se confundem.

A cidade carregava o título de Rainha do Algodão, mesmo produzindo safras que hoje seriam ridículas, cultivadas em lavouras de toco e colhidas manualmente em Nova Galiléia, São José do Povo e outras localidades, com apoio do comerciante potiguar Elias Medeiros, o Medeirão, que comprava a produção para a Matarazzo e outras indústrias.

DIVISÃO – Na safra 1977/78, consolidada a divisão territorial que criou Mato Grosso do Sul, Mato Grosso começou a expandir o cultivo da soja, de Rondonópolis para as demais regiões, não sem antes plantar arroz por dois anos na área “amansando-a” para a sojicultora. De grão em grão, de avanço em todas as direções, de incorporação e criação de tecnologia com a rotação de cultura e plantio direto, os lavoureiros viraram senhores do agronegócio.

Em 1977 Rondonópolis e entorno (que basicamente era o cultivo mato-grossense) semearam 6 mil hectares (ha) de soja. A safra foi de oito mil toneladas (t) com produtividade média de 22,22 sacas/ha.

Transcorridas pouco mais de quatro décadas a área em Mato Grosso saltou para 10 milhões/ha que produzem mais de 34 milhões de toneladas anuais.

2012 – A mototaxista Kelia do Rosário Spindula era um dos 830 profissionais do guidão; agora são 750

MUDANÇAS – Longe das lavouras, em Rondonópolis, a soja foi fator de miscigenação, de mudança cultural, de melhoria da qualidade de vida na região dominada pela pecuária controlada por criadores que aplicavam querosene no cangote do gado para espantar a febre aftosa que virava gabarro.

Com a soja Rondonópolis arrebitou ainda mais o nariz, que sua marca registrada. Em 1973, quando a prefeitura lançou um programa de pavimentação urbana, produtores de arroz secavam o cereal no asfalto interditando quarteirões, mas tendo sempre o cuidado de deixarem funcionários de plantão para o recolhimento rápido ao menor sinal de mudança do tempo. Um desses agricultores era o então vereador Ildon Maximiano Peres. Esses produtores também descobriram o caminho da soja.

A população passou a se acostumar com o mototáxi. A cidade tem a maior frota mato-grossense nesse tipo de transporte: 750 motos cruzam as ruas sem parar num vaivém ditado pela demanda por rapidez e segurança.

Rondonópolis ganhou novos nichos de mercado com a soja. A Somai, empresa do empresário João Belmonte e seu sócio Dilson Cardozo, foi o maior revendedor brasileiro da marca CBT. O padrão residencial mudou por completo e até a programação do rádio sofreu influência do Rio Grande do Sul, de onde migraram famílias de agricultores.

Clemente na OAB

O mosaico fundiário era balbúrdia completa e campo aberto para advogados fazerem o pé de meia, mas a comarca não tinha subseção da OAB, que somente seria criada em 1975 e instalada com a posse de seu primeiro presidente, o advogado José Clemente Mendanha, que permaneceu no cargo por dois anos. A Subseção da OAB de Rondonópolis tinha extensão territorial descomunal, pois englobava as comarcas de Barra do Garças, que se estendia à divisa com o Pará, e Alto Araguaia, na divisa com Goiás.

No vaivém da cidade que crescia o nissei Shiro Nishimura se misturava às pessoas e se virava da melhor maneira possível pra cuidar de sua fazenda na região de Juscimeira. Shiro voltou para Pompéia, no interior paulista, a cidade onde seu pai Shungi montou a gigante Jacto – famosa na televisão pelos carrinhos para transporte de jogadores lesionados – que ora administra com a família.

Em 1980 agricultores criaram a Associação dos Produtores de Sementes de Mato Grosso (Aprosmat). Treze anos depois nasceu a Fundação de Apoio à Pesquisa Agropecuária de Mato Grosso (Fundação MT). Com essas duas instituições Rondonópolis avançou na profissionalização da agricultura e na pesquisa agronômica. A Aprosmat foi decisiva para exorcizar a chamada bolsa branca – a semente sem marca e certificação. A Fundação MT é referência agronômica mundial na agricultura do cerrado.

2006 – Agrishow na Exposul

EXPOSUL – Quando a soja invadiu Rondonópolis, exposição agropecuária era mais pecuária que agrícola e o sindicato rural, presidido por Zeca de Ávila, vestia a camisa dos donos das boiadas. Nesse clima de animosidade Zeca liderou a construção do parque de exposição da cidade, onde se realiza a internacional Exposul.

Sem fundos para concluir a obra Zeca correu o chapéu junto ao governador e pecuarista Wilmar Peres de Farias, que deu o sim, mas condicionando-o ao culto ao ego: exigia que o parque levasse seu nome.

Coincidência ou não, o parque se chama Wilmar Peres de Farias, mas rótulo à parte é nele que se realiza uma das maiores e melhores exposições brasileiras e com uma vantagem: a turma da soja compartilha o chimarrão com os pecuaristas e, esses, em tom amistoso até aprenderam o bordão, “bah, tchê!”.

Albina e Adão Riograndino, o casal Salles

Principal cadeia econômica e fator de desenvolvimento social. Responsável por boa parte da ocupação do vazio demográfico e abre-alas para a miscigenação. Em Mato Grosso a soja é tudo isso e muito mais. Essa leguminosa chinesa de nome botânico Glycine max não chegou por acaso na Terra de Rondon. Mais cedo ou mais tarde chegaria, porque o cerrado é talhado para ela, mas em 1973 quando seus primeiros grãos foram colhidos não se tratou de coincidência: foi resultado da ousadia, teimosia e investimento de seu pioneiro estadual – ou pai, como queiram – o gaúcho Adão Riograndino Mariano Salles, que semeou em Rondonópolis a lavoura que revolucionaria a economia do Brasil rural.

O pioneirismo de Adão Riograndino foi protagonizado na fazenda São Carlos e data de 1973, quando a soja era tão estranha para ele quanto para Rondonópolis. Lançando mão de cultivares adaptados aos Estados Unidos, Adão Riograndino enfrentou revezes, mas venceu. Gaúcho de Carazinho, radicado no Paraná, em 1971 Adão Riograndino trocou o balcão de seu armazém pelo tiro no escuro que era desbravar o cerrado em Mato Grosso.

Os canteiros de Adão Riograndino, com produtividade perto de zero e nos primeiros anos cultivados praticamente sem nenhuma tecnologia, viraram lavouras. Ultrapassaram as divisas de sua propriedade, se espalharam pelo município, por Itiquira, Jaciara, Alto Garças, por Mato Grosso.

O pesquisador Hortêncio Paro

Quando Adão Riograndino lançava suas primeiras sementes no solo de Rondonópolis, seu filho Álvaro cursava Agronomia na Universidade Federal de Mato Grosso, em Cuiabá. onde conheceu Hortêncio Paro, pesquisador que mesmo não sendo professor daquela Universidade, sempre colaborou com a mesma e com a qual se identifica; Paro é uma das referências na pesquisa nacional sobre a agricultura tropical.

Atendendo Álvaro o pesquisador ia à fazenda dos Salles e dava assistência agronômica ao cultivo daquela lavoura completamente estranha na região.

A fazenda onde tudo começou estava mesmo fadada a escrever um importante capítulo da soja nacional. Com o passar do tempo, não somente o pioneiro, mas seus filhos, também, descobriram o universo da leguminosa que é a Rainha do Cerrado. Assim, a família criou uma empresa sementeira, a Sementes Salles Agropecuária – com sede em Rondonópolis – que desenvolveu e multiplicou variedades de cultivares. A Salles virou uma das referências nacionais em sua área de atuação.

Juntamente com a mulher Albina e os filhos Rogério, Álvaro, Luis Ortolan, Cleonice, Maria do Carmo, Salete e Neuza, genros, noras e netos, em mais de quatro décadas Adão Riograndino ajudou a escrever a história de Mato Grosso, que tem duas etapas distintas: o antes e o depois da soja. O filho Rogério foi duas vezes vice-prefeito e prefeito de Rondonópolis, e vice-governador e governador. A nora, Marília, também foi vice-prefeita daquele município.

Atuantes na cadeia do agronegócio, os filhos de Adão Riograndino participam da direção de instituições representativas dos produtores rurais em Mato Grosso.

Filho do casal Ana Clara e Prudente Mariano, Adão Riograndino nasceu em primeiro de março de 1925. Comerciante por longo tempo no Rio Grande do Sul, seguiu o exemplo de tantos conterrâneos e escolheu o Paraná para viver. Porém, um dia, em 1971, resolveu trocar o Sul pela aventura no cerrado mato-grossense. Vendeu seus bens, comprou uma fazenda de 10 mil hectares em Rondonópolis. Pegou a BR-163 e, sem que soubesse no momento inicial, virou uma página em Mato Grosso ao dar o pontapé inicial para o maior ciclo econômico de todos os tempos no Brasil interior.

Na madrugada de 7 de junho de 2009, aos 74 anos, na Santa Casa de Misericórdia de Rondonópolis, Adão Riograndino fechou os olhos para sempre. Seu corpo foi sepultado naquela cidade que escolheu como sua e onde cultivou a lavoura pioneira da soja mato-grossense.

O ciclo da vida humana é curto e o relógio biológico, implacável. Mas enquanto as plantadeiras lançarem sementes dessa famosa leguminosa ao solo e elas se espalharem pelos campos; enquanto as colheitadeiras continuarem com o balé da produção; enquanto sua cadeia econômica se movimentar gerando renda, distribuindo riquezas e desenvolvendo cidades; enquanto as carretas e o trem partirem de Mato Grosso rumos aos portos e o mercado nacional, abarrotados com o resultado das lavouras; e enquanto a balança comercial mato-grossense ancorada em seu mercado garantir a entrada dos dólares que direta e indiretamente chegam aos bolsos de milhares de mato-grossenses, Adão Riograndino viverá, porque a criatura fala pelo criador.

Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes

FOTOS:

1 – Matusalem Teixeira

 

2 – Facebook Edinho Franco

3, 4, 5 e 8 – blogdoeduardogomes

6 – Álbum de família

 

 

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