Quinto constitucional da OAB-MT: democratizar é necessário

“Seja realista: exija o impossível.” A frase do escritor e poeta surrealista francês André Breton tornou-se a marca registrada de Maio de 68, em meio à insurreição grevista e contestatória iniciada em Paris, e que logo tomaria toda França em favor da ampliação dos direitos civis e contra o regime de costumes conservadores representados pelo governo do então Presidente Charles de Gaulle.

 

Passados mais de 50 anos da erupção do movimento que vindicava dos seus a capacidade humana de sonhar e exigir as bajulas do flerte com o improvável, com todas as contradições, incoerências e vertigens que tal capacidade reclama dos que com ela são agraciados, volvendo-me à realidade bem mais pontual e menos expansiva do processo de escolha e indicação do Quinto Constitucional pela OAB-MT, permito-me fazer um empréstimo lúdico – e fundante da atividade de advogar – do slogan inflamado de Breton, para fazer o que melhor faz um advogado: pedir.

Por assim dizer, pedir à advocacia do Estado que se una em prol da necessidade de democratização do processo de escolha do novel desembargador que sairá das cadeiras da Ordem. Pedir à advocacia do Estado o de sempre: que seja realista, e exija o que parece ser impossível.

Como bem noticiado, desde o dia 31 de julho existe pedido administrativo protocolizado ao Conselho Estadual, formulado por um grupo de advogados de Cáceres, no qual me incluo, que carreia essa ânsia de há muito defendida pela advocacia de Mato Grosso, e que mais uma vez vem à lume frente à nova vaga destinada à advocacia surgida no Tribunal de Justiça do Estado. Vários nomes, como noticiam periódicos pelo Estado, já se lançaram ao pleito e, de já, desejo muita sorte a todos, que tão bem representam a advocacia em MT.

Mas creio que, antes de tudo, devemos e podemos repensar a própria formulação da lista sêxtupla, democratizando-a. Democratizar o processo de escolha, com a possibilidade de que toda a advocacia do Estado – e, sim, falo aqui de inclusão – possa votar a formação da lista sêxtupla é um DEVER da Ordem dos Advogados do Brasil em qualquer lugar em que constitua sede, especialmente no Estado de Mato Grosso, terra do pai das Diretas Já.

Fincados na perspectiva do tempo, percebemos que se amontoam os sintomas do exaurimento de um ciclo. A dinâmica dos tempos atuais, mais de trinta anos depois da Constituição Cidadã, não permite mais que Ordem dos Advogados em MT, expressão primeira da defesa democracia e do direito no Estado, mantenha fechada com pouco mais de 60 conselheiros uma prerrogativa que é de toda a advocacia estadual, e que quer e tem plenas condições para seu exercício. Negar o direito ao voto amplo é negar o nível de maturidade da advocacia do Estado, e a condição de cada advogada e advogado que pode e deve votar a constituição da lista sêxtupla. Tolher essa participação é garrotear o direito de voto outorgado pelo povo a toda advocacia do Estado.

Faz-se necessário corrigir essa falha na democracia institucional. E me desculpem, não consigo ver de outro modo, a não ser como falha, dados os fins e missão da Ordem. Espera-se, humilde e respeitosamente, nesse prumo, que o Exmo. Presidente da OAB-MT, Leonardo Pio da Silva Campos, honrando a expectativa e o requerimento apresentado, submeta-o, com a urgência necessária, à diligente apreciação do Conselho Estadual, no momento apropriado – quer-se dizer, antes do lançamento do Edital pelo E. TJMT, e com prazos hábeis já para essa nova votação – , dando ampla publicidade às deliberações e votação do porvir pela democratização da formação da lista sêxtupla.

Para os novos tempos, a prioridade é clara: integrar cada vez mais a advocacia, reduzir a desigualdade política nos processos decisórios e prevenir a exclusão de segmentos da advocacia que, cada vez mais, devem ter seus espaços respeitados na Ordem. A democratização da formação da lista sêxtupla, com a possibilidade de votação direta por toda a advocacia do Estado, é um passo extremamente importante de inclusão, e não pode mais ser negligenciado ou ignorado, à pecha de argumentos que não mais têm espaço diante do avanço da tecnologia (com a votação podendo ser feita de casa, por aplicativos de celular, por ex.,) e das novas necessidades e do nível de maturidade da advocacia do Estado.

É caminhando que se abrem os caminhos.” Num ano como o de 2020, verdadeiramente definidor de rumos, a questão central é unir-se pelo que realmente importa, aqui, obviamente, em nível institucional, apropriando-se dos espaços de debate e permitindo a inclusão. Ninguém pode, efetivamente, dizer quais são os caminhos mais realistas para que alcancemos, em definitivo, a plena inserção democrática na OAB e demais instituições de justiça. Mas certamente é preciso abrir as portas, abrir picadas, e caminhar em frente, seja acreditando, como fez dizer Breton, no “realismo do impossível”, ou seja acreditando em uma “utopia do possível”, tudo para que, de qualquer forma, conquistemos ao caminhar o que é simplesmente necessário.

Pablo Pizzato Gameiro é advogado em Cáceres