Quatro meses de silêncio sobre o escândalo das emendas

Eduardo Gomes

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Quatro meses de silêncio profundo sobre a grave denúncia de improbidade administrativa na destinação pela maioria dos deputados  e a operacionalização de emendas parlamentares pela Secretaria Especial de Agricultura Familiar (Seaf) para a compra de kits para a agricultura familiar. A Assembleia silencia. O governo estadual, também. O Ministério Público Estadual permanece inerte (pelo menos perante a opinião pública). A Federação dos Trabalhadores na Agricultura  (Fetagri) acompanha o coro silencioso. A denuncia postada pelo portal UOL e assinada pelo repórter Pablo Rodrigo não encontrou eco em Mato Grosso, onde, lamentavelmente, a Imprensa é parte do sistema, e as redes sociais criticam somente questões nacionais.

A cúpula política opta pelos braços cruzados, pois qualquer tentativa de passar o caso a limpo poderia ferir mortalmente no campo eleitoral o MDBPSB e a Federação União Progressista (UPB). Para salvar e também para não desafiar as três grandes legendas, o pano quente abafa o caso e dele se beneficiam os parlamentares da arraia-miúda ou baixo clero, que também estão atolados – segundo um relatório da Controladoria Geral do Estado (CGE) – no mesmo esquema. Essa conduta política não é novidade no Brasil, mas a ausência do MP  é algo preocupante.

A denúncia dava conta de que a maioria dos deputados estaduais mato-grossenses estaria envolvida num esquema de desvio de recursos públicos, que segundo apuração preliminar seria superior a 28 milhões, por meio de emendas parlamentares para a compra de kits para a agricultura familiar, no ano eleitoral de 2024.

Entendam o caso

Janaína botou Luluca na Seaf

Em 24 de setembro de 2024, a Delegacia Especializada de Combate à Corrupção (DECCOR) da Polícia Civil deflagrou a Operação Suserano, com alvo na Seaf, cumprindo 50 ordens judiciais, das quais 28 mandados de busca e apreensão, e decretou o bloqueio de bens dos investigados até o montante de 28 milhões. O escândalo resultou na demissão do secretário da Seaf, Luluca Ribeiro, e de sua equipe, pelo governador Mauro Mendes (UPB). Luluca foi indicado ao cargo pela deputada estadual Janaína Riva (MDB), trabalha em seu gabinete, e sua mulher, Kézia Limoeiro, é chefe do gabinete da deputada.

Os que caíram com Luluca:

Clóvis Figueiredo Cardoso, secretário-adjunto de Agricultura Familiar, ex-coordenador do Incra em Mato Grosso e figura permanente no diretório regional do MDB.

Talvane Neiverth, secretário-adjunto Sistêmico.

Aline Emanuelle Rosendo, chefe de Gabinete de Luluca.

Ricardo Antônio de Lamônica Israfel Pereira, assessor jurídico

Rita de Cássia Pereira do Nascimento, servidora comissionada da Seaf e citada enquanto “pessoa da confiança de Luluca“.

Juliana em nome da lei

INQUÉRITO – A delegada Juliana Rado foi quem presidiu o Inquérito Policial no 023/2024 que resultou na Operação Suserano, que cita como investigados Alessandro do NascimentoLuiz Artur de Oliveira Ribeiro (o Luluca Ribeiro)Wilker Weslley Arruda Silva (Pronatur); Leonardo da Silva RibeiroYhuri Rayan Arruda AlmeidaEuzenildo Ferreira da SilvaMatheus Caique Couto dos Santos e Diego Ribeiro de Souza; e representantes do Instituto de Natureza e Turismo (Pronatur), Tupã Comércio e Representações, Tubarão Empreendimentos Eireli (Tubarão Sports), entre outras envolvidas no suposto esquema de desvio de dinheiro ou de finalidade de emendas de deputados estaduais.

Face a gravidade e amplitude do caso, inclusive envolvendo autoridades com prerrogativas de foro, Juliana pediu que o mesmo fosse transferido à Polícia Federal. Em 25 de junho o deputado Wilson Santos (PSD) apresentou um requerimento para que a delegada comparecesse à Assembleia, para explicações. Em tiroteio verbal periférico alguns parlamentares ficaram solidários ao pedido, mas o mesmo foi discretamente descartado e não se falou mais sobre o caso.

Na informação vazada ao UOL um trecho afirma que deputados estaduais que tinham parentes candidatos a vereador em 2024 teriam destinado emendas para o conjunto dos fatos em apuração.

Pivetta acionou a CGE

SUSERANO – A Operação Suserano foi autorizada pelo juiz João Bosco Soares da Silva,  com base em apurações feitas pela DECCOR, que foi acionada pela CGE. O escândalo foi denunciado ao vice-governador Otaviano Pivetta  (Republicanos) então no exercício do cargo de governador; Pivetta pediu providências à CGE, e essa encarregou a Polícia Civil de apurá-lo.

Alguns sites tentaram indispor Pivetta com a classe política mato-grossense, por conta de sua denúncia. O vice-governador, no entanto, não se curvou.

Pivetta disse que toda denúncia recebida por homem público no exercício de mandato tem que ser encaminhada aos órgãos competentes para investigação. Disse ainda que anteriormente também denunciou supostos atos de improbidade administrativa e que continuará adotando tal postura.

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No extenso relatório da CGE dentre outras aberrações consta quea Seaf comprou com recursos de emendas parlamentares estaduais, 12.133 machados, pagando 159 reais por unidade, quando no mercado varejista a mesma ferramenta é vendida a 69,90 reais. Nesse caso o superfaturamento alcançou 1.081.040,30 reais.

A operacionalização das emendas na Seaf seria feita pela empresa Pronatur, que teria recebido mais deR$ 28 milhões para a compra de kits para a agricultura familiar, por meio de recursos de emendas parlamentares estaduais. Pronatur teria sido contratada pela Seaf, sem licitação.

Imediatamente após a deflagração de Suserano, Mauro Mendes exonerou Luluca e os que o assessoravam diretamente. O governador negou que a demissão em massa fosse retaliação política a Janaína Riva, e com habilidade política justificou que tratava-se de “correção de rumo“.

Max toca o barco, sem botar a mão na massa

PILATOS – Na quinta-feira, 26 de junho e 10 dias após a notícia no UOL, e depois de ouvir o controlador-geral do Estado de Mato Grosso (CGE) Paulo Farias Nazareth Netto, numa oitiva, o presidente da Assembleia Legislativa, Max Russi (PSB), solicitou ao governo estadual que tomasse providências para apurar o vazamento do relatório. Max, que preside um poder que tem a prerrogativa de investigar os três poderes, lavou as mãos.

Nazareth tratou de tranquilizar os parlamentares afirmando que a CGE não investiga deputado.

Analistas entendem que se Max – que não tem o nome associado ao escândalo – tentasse apurar o fato, perderia apoio e não conseguiria se manter à frente da Assembleia, pois dentre os citados no relatório estão figuras do alto clero e, além disso, as três maiores bancada seriam atingidas em cheio:

Thiago Silva, no relatório

O MDB tem quatro cadeiras e três têm os nomes no relatório: Dr. JoãoThiago Silva e Juca do Guaraná; o quarto nome é o de Janaína Riva, que não consta do relatório, mas foi quem nomeou Luluca e seus assessores, como parte do fatiamento do poder entre Mauro Mendes e deputados de sua base de sustentação.

Com o episódio,Max estaria ao fio da navalha em termos partidários se resolvesse cumprir seu dever institucional. Seu partido, oPSB, com quatro cadeiras, tem dois deputados citados no relatório: Dr. Eugênio e Fábio Tardin. Caso mandasse o escândalo ser apurado, inevitavelmente os dois trombariam com ele e seu poder na legenda ficaria minado, pois Beto Dois a Um, que não aparece no escândalo, não reza pela cartilha dele, uma vez que é liderado de Mauro Mendes. Para quem quer trocar de partido em 2026  e se filiar ao Podemos, qualquer atrito interno no PSB seria desastroso.

Botelho é citado no relatório

O estrago eleitoral também teria origem com a investigação sobre quatro dos cinco componentes da bancada estadual da UPB  citados no relatório da CGE, e todos do alto clero: Eduardo Botelho, que foi presidente da Assembleia e candidato a prefeito de Cuiabá; Júlio Campos, vice-presidente da Assembleia, e que foi governador e senador, além de ser irmão do senador Jayme Campos (UPB); e Dilmar Dal Bosco, líder do governo. Paulo Araújo é do baixo clero e antes da UPB era filiado aoPP, ao passo que os demais são originários do União Brasil. Uma investigação da Polícia Civil ou do MP sobre Paulo Araújo não seria uma boa recepção no campo político por parte de seus novos correligionários liderados pelo governador – criar áreas de atrito é tudo que Mauro Mendes não quer.

Do extinto União Brasil, que forma a UPB, somente Sebastião Rezende não figura na relação dos deputados envolvidos no escândalo das emendas.

José Riva desviou 175 milhões

Com seu silêncio Max garante um cenário político favorável para seus planos eleitorais. Porém, para alguns analistas, sua postura remete a Assembleia ao sombrio ciclo de poder do ex-deputado José Riva.

Riva controlava os deputados com mão de ferro e durante 20 anos resistiu ao cerco do MP se revezando entre a Presidência e a 1ª Secretaria da Assembleia até a eleição de 2014,  quando foi alcançado pela Lei Ficha Limpa e ficou fora da disputa

Apuração afastaria políticos de Mauro Mendes

Riva foi preso, assinou termo de colaboração premiada com o MP, homologado pelo desembargador do Tribunal de Justiça, Marcos Machado, cumpriu pena de quatro anos de prisão domiciliar e devolveu 92 milhões dos 175 milhões que reconheceu ter desviado dos cofres públicos.A Polícia Civil tem autonomia, mas sua cúpula é formada por delegados nomeados para os cargos de chefia pelo governador.  Uma ação policial direta sobre deputados fatalmente teria devastadores efeitos políticos sobre o plano político-matrimonial de Mauro Mendesde se eleger senador, e sua mulher, Virgínia Mendes, deputada federal.

O governador pisa em ovos em sua disputa interna com o senador Jayme Campos pelo controle partidário e o lançamento das candidaturas majoritárias da UPB. Jaymeé irmão de Júlio Campos, um dos citados no relatório; Júlio Campos sempre diz que nunca foi alvo de busca policial, e caso a investigação chegue ao seu gabinete, a disputa interna de Jayme Campos com Mauro Mendes viraria guerra sem fronteira entre os dois.

Cattani, calado

O caso desafia e joga por terra a postura de alguns políticos que são caracterizados pelo discurso franco, direto e implacável, como é o caso do deputado bolsonarista Gilberto Cattani (PL), citado no relatório da CGE. Cattani não toca no assunto, mas sempre tem um fala afiada para alfinetar o ex-presidente Lula e aos petistas de um modo geral. Ácido contra a corrupção e pregador da moralidade, Cattani riscou de seu dicionário a palavra emenda.

Essa também é a postura dos petistas Lúdio Cabral e Valdir Barranco, que prudentemente passam ao largo do escândalo, mesmo sem fazer parte do relatório da CGE.

RESUMO – Tão grande quanto o escândalo é o silêncio sobre ele. Sem passar o caso a limpo, todos os citados são jogados na vala comum diante do eleitorado descrecente com a classe política. Se houvesse investigação a fundo e a responsabilização dos culpados seria possível separar eventualmente o joio do trigo. Por enquanto, legalmente resta dar a todos o benefício da dúvida enquato o silêncio sepulcral paira sobre o parlamento cuja essência é falar.

Fotos:

1 – Domínio público

2, 5, 6, 7, 8 e 10 – ALMT

3, 4  e 9 – Secom/MT

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