A oferta de transporte público coletivo gratuito ou com tarifas reduzidas é possível, de acordo com o estudo Financiamento Extratarifário da Operação dos Serviços de Transporte Público Urbano no Brasil, produzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
O estudo demonstra como é possível criar fontes de recursos diferentes para subsidiar os gastos da população com ônibus, trem e metrô. Hoje os usuários arcam com quase 90% da receita do sistema de transporte público urbano no Brasil. Segundo o instituto, há estados, como São Paulo e Distrito Federal, que utilizam algum tipo de subsídio público, mas eles são exceções.
O documento foi escrito pelo especialista em mobilidade urbana Carlos Henrique de Carvalho e as conclusões serão apresentadas hoje (30), às 15h30, durante audiência pública na Câmara dos Deputados que trata da regulamentação do transporte como direito social.
“O transporte é um direito assim como a saúde e a educação. E assim como a saúde e a educação, ele tem que ser bancado por impostos. Além disso, o transporte é aquele que faz com que as pessoas acessem os outros direitos, porque em um país tão desigual quanto o nosso, se as pessoas não tem condição de pagar a tarifa, elas não acessam hospital, não acessam escola pública, não acessam o centro da cidade para procurar emprego”, disse Cleo Manhas, assessora política do Inesc.
Emenda Constitucional
Em 2015, foi aprovada a Emenda Constitucional 90, de autoria da deputada federal Luiza Erundina (PSOL-SP), que inclui o transporte como direito social, assim como são a saúde e a educação. No entanto, é necessário que haja a regulamentação para que a emenda comece a valer. A proposta do fundo é que o sistema funcione com outras fontes de financiamento que não a tarifa, utilizando essa lógica do transporte como direito.
“É muito importante que os parlamentares tomem conhecimento e que esse projeto vingue, porque a gente precisa regulamentar o direito social ao transporte. E principalmente porque a gente precisa ver o transporte como direito e não como uma mercadoria”, disse Cleo.
Custo do sistema
Segundo o estudo, atualmente, o transporte coletivo no país se mantém com R$ 59 bilhões ao ano, sendo que 89,8% (R$ 52,9 bi) vem de tarifas cobradas dos passageiros. Os incentivos públicos representam 10,2% desse montante, enquanto as receitas não tarifárias (publicidade, por exemplo) correspondem a R$ 375 mil.
“Para chegar na tarifa zero, nós teremos que ter um fundo de cerca de R$ 70,8 bilhões, isso em termos de políticas públicas e de orçamento público juntando União, estados e municípios, não é um número assustador, não é muito [dinheiro] e é muito viável”, avaliou Cleo.
O estudo apresenta três cenários: no primeiro, haveria redução da tarifa de transporte em 30%; no segundo, a redução chegaria a 60%; e no terceiro cenário a tarifa teria custo zero. Para isso, os valores do IPVA aumentariam de 6% a 20%; o IPTU, de 4% a 11%; o combustível, de 10% a 53%; e a arrecadação com empregadores de 3,9% a 8,9%. O Inesc ressalta que a arrecadação dos recursos ocorreria de maneira progressiva, ou seja, quem tem maior renda paga mais.
“As pessoas vão dizer o seguinte ‘vai onerar as pessoas que usam e que não usam transporte público urbano’, mas hoje, por exemplo, a infraestrutura para transporte individual motorizado, que é o maior gasto dos orçamentos público com mobilidade, quem paga isso são os impostos de todas as pessoas, proprietários usuários ou não do transporte individual motorizado. E isso não é visto como uma coisa absurda”, disse Cleo.
Benefícios
Segundo o estudo, o prejuízo econômico gerado pelos ônibus – a poluição, os danos ambientais e os acidentes – é de R$ 16,6 bilhões por ano, já a circulação de carros e motos provoca uma perda oito vezes maior (R$ 137,8 bilhões). “Não faz sentido só os passageiros sustentarem o transporte coletivo, quando cada ônibus consegue tirar 50 carros da rua, e uma composição de metrô elimina 800 automóveis das vias públicas”, disse Cleo.
A assessora explicou que os custos do sistema de transporte seriam pagos com impostos que já existem. “Não é a criação de nenhum imposto novo, eles já existem e são todos ligados à mobilidade urbana, teriam pequenos acréscimos de tarifa na gasolina, no Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Teríamos a [arrecadação da] mobilidade por transporte individual motorizado contribuindo para o transporte público urbano”, disse Cleo. Além disso, haveria recursos do estado e arrecadação na iniciativa privada.
As justificativas do estudo para a escolha dessas receitas são: quem tem imóveis em regiões valorizadas pela oferta de ônibus e metrô no local deve pagar um IPTU maior; donos de automóveis aceitariam um aumento no IPVA, pois com mais gente migrando para um transporte coletivo barato, menos trânsito terão no seu trajeto.
O estado, que abrirá mão de uma pequena parte da arrecadação com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cumprirá seu papel social e os empresários devem participar do rateio, porque recebem em contrapartida o aumento na circulação de potenciais clientes pela cidade, além de reduzir ou zerar o valor pago em vale-transporte aos seus funcionários.
Camila Boehm – Repórter da Agência Brasil São Paulo
FOTO: Rovena Rosa – Agência Brasil – Ilustrativa