A morte virou um tabu. Logo ela, a maior de nossas certezas, tornou-se assunto proibido. Cada vez mais tem se tornado comum ouvir dizerem: “se um dia eu morrer”. Parece uma pilhéria, um chiste. Mas é crença, convicção pura. A morte é uma história que acontece somente alhures e é sempre inesperada, inoportuna. Se dependesse da vontade, pouca gente ia querer morrer. Mas convenhamos: pouca gente sabe, de verdade, o que quer.
O tempo também mudou a arquitetura da morte. Os cemitérios não são mais soturnos e pesados, mas leves e discretos, assinados por arquitetos famosos. Tão diferente da época em que se velavam os mortos sobre a cama do quarto principal, tiravam fotos com o morto, contratavam carpideiras para chorá-lo por toda a noite e depois deixavam para sempre as fotos sobre a penteadeira do quarto ou no aparador da sala de visitas. E nesse tempo os espíritos dos mortos eram muito comuns. Minha mãe costumava dizer, quando a cachorra latia sem sentido para um canto vazio da sala: “se é do bem, vem.”
A morte marcou o nascimento da filosofia. Surgiu quando o ser humano tomou conhecimento que morreria da mesma forma que seu companheiro, ou seu inimigo: de pancada, queda, ataque de animal ou doença. E quando essa descoberta assentou em sua cabeça, o cidadão ficou ensimesmado, olhando para o horizonte e, de algum jeito ainda muito pouco articulado, deve ter pensado: “então não ficarei aqui para sempre?” Em algum dia ficarei inerte, sem piscar, mas sem estar dormindo e sem falar, mas sem estar mudo. E então, onde estarei? Para onde terei ido?
E pronto, a enxurrada de perguntas mudou a espécie humana para sempre.
A morte é a coisa mais bonita que existe, porque ensina que a vida é finita. Como o sorvete de maracujá de casquinha da loja do seu Levi que meu pai me levava de raro em raro e que eu ia empurrando o sorvete com todo o cuidado para dentro da casquinha para saber que, depois que aparentemente eu não tinha mais sorvete, eu sabia que ainda havia um pouco mais dele e que a alegria ainda não acabara.
A morte não é como um sorvete que sobra no fundo de uma casquinha. A morte, sei lá como é. Só sei como é a vida. Quando o primeiro homem viu o primeiro homem morto à sua frente, deve ter pensado: o dia hoje está lindo. Vou subir naquele morro e ver o que há além dele. Bom, eu, com certeza, sei que pensaria assim.
Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor de História no Curso Positivo.