O sensual Chorado libertador virou tradição cultural

Dança do Chorado

Na cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade, primeira capital de Mato Grosso, e nas fazendas, mães, tias, irmãs, cunhadas, primas e amigas dos escravos que seriam levados ao suplício descobriram um meio de amenizarem e até mesmo de evitarem a tortura dos seus. Inventaram a Dança do Chorado, que como o nome diz é um bailado permeado com lágrimas. Ao som dos profanos tambores e instrumentos de cordas, dançavam alucinadamente belas e sedutoras para os lacaios da casa-grande e até para os seus ocupantes.

A mulher do Chorado botava vestido de chita colorida com providenciais aberturas e decote para mostrar aos olhos gulosos dos gajos suas coxas grossas, seus seios arrebitados e sua bunda torneada. Uma rosa vermelha ou amarela no cabelo pixaim. Um colar de miçangas feito com cascas e frutos secos do mato. Um perfume extraído de floresA anca perfeita e tentadora. Os dentes de brancura inigualável. A boca carnuda. Requebrava e em gemidos lascivos despertava desejos. Atiçava ainda mais a tara dos homens que tinham poder para punir ou absolver os escravos a um passo da tortura ou sendo submetidos a ela: gingava com uma garrafa de Canjinjin sobre o cabelo crespo reluzente e dava doses aos extasiados espectadores. O forte teor alcoólico das talagadas com gosto agridoce, corpos bonitos a lhes esfregar… era um ai Jesus!

O que acontecia com uma e outra mulher enquanto as demais dançavam ninguém nunca registrou. Também não há detalhamento do que elas faziam quando cessava a dança e o som dos instrumentos musicais tocados por negros que as acompanhavam. De igual modo nunca se escreveu sobre o comportamento de brancas portuguesas e nascidas em Mato Grosso com os jovens negros. Enquanto seus homens se esbaldavam com as negras, um fuzuê silencioso acontecia entre quatro paredes nas casas-grandes ou em seus quintais. Não havia IBGE para recensear a quantidade de bebês mulatinhos que nasciam de mães brancas e negras. Literalmente era o toma lá dá cá; ora, pois, pois! Davam e se davam bem matrimonialmente as patroas. Puritanas senhoras brancas devotadas à Santa Madre e fiéis quando de pernas fechadas.

O que era dança de dor virou cultura e tradição. O Chorado encanta a todos e mais graça ainda ganha ao som do Conjunto Aurora do Quariterê, formado por mulheres negras com suas vozes roucas e seu ritmo afro-vila-belense saudando o Campo Verde, como a cidade é chamada pelos filhos negros:

(Campo Verde Serenado)

“O campo verde é serenado
O campo verde é Vila Bela
Campo verde é serenado
Campo verde é Vila Bela
Eu vou-me embora pra cidade
Da Santíssima Trindade
Vou-me embora pra cidade
Da Santíssima Trindade 
Seu eu soubesse que tu vinha
Fazia o dia maior
Dava o nó na fita verde
Outro no raio do sol
A folha da bananeira
De tão verde amarelou
O beijo da tua boca
De tão doce açucarou”

Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes

FOTO: José Medeiros em arquivo