O drama da venezuelana Maria Alexandra em Cuiabá

O sorriso é a melhor resposta de Maria Alexandra para a sua condição de vida

Sem ouvir absolutamente nada. Em silêncio. Desempregada. Dois filhos pequenos. Sem nenhum tipo de assistência. Longe de receber qualquer abrigo legal por parte do governo brasileiro, salvo o direito a um CPF. Surda. Muda. Venezuelana refugiada de sua terra para não morrer de fome ou vítima da violência. Assim é Maria Alexandra Contreras Ruiz, que deixou La Victoria, seu berço, e com seus pequenos Wendyr, 2 anos, e Wilson, 4 anos, desembarcou de um ônibus em Cuiabá, há 40 dias, depois de uma longa viagem por Roraima – por onde entrou no país -, Amazonas e Rondônia. O pão de cada dia e o leite das crianças ela consegue com doações que recebe na calçada da agência Rubens de Mendonça do Banco do Brasil, na avenida com aquele nome, num dos setores bancários cuiabanos, onde se tornou conhecida por clientes e pedestres que habitualmente caminham pela calçada do banco.

A providencial ajuda de Luizangela (esq.)

Não foi fácil reunir informações para esse texto. É possível que ele tenha incorreções.  Maria Alexandra queria falar, mas uma enorme barreira nos afastava. A alternativa foi o teclado do celular. Formulava as perguntas em português ou em grotesto portunhol. Suas respostas, quando entendia o questionamento, eram em castelhano. Fomos socorridos por uma colega dela, que também enfrenta surdez e não fala, Luizangela Maria Alexandra, que está em Cuiabá há duas semanas. As duas se conheciam na Venezuela.  São do mesmo lugar.

O fato de alguém se deparar com uma refugiada portadora de necessidades especiais pedindo ajuda, choca. Mais chocado ainda se fica quando se sabe que a mesma vive num quartinho alugado por R$ 270 mensais, sem sequer ter condições de oferecer um colchão para os filhos dormirem ou de contar com um fogareiro para preparar as mamadeiras. Esse choque ganha ainda mais proporções quando se toma conhecimento que ao lado da pequena peça onde Maria Alexandra se abriga com os filhos, moram quatro venezuelanos, incluindo Luizangela, todos surdos e mudos – e em comum eles ainda têm a vida vegetativa socialmente, que mesmo assim ainda é infinitamente melhor do que na Venezuela.

Com paciência consegui entender que Maria Alexandra tinha dificuldade em suas respostas por conta do sentido amplo de muitas palavras em português, o que embaralhava sua cabeça. As duas línguas são parecidas, mas ao mesmo tempo difíceis de serem entendidas por venezuelanos e brasileiros em suas trocas de mensagens. Em alguns momentos a refugiada sorria enigmaticamente tentando dizer: não entendi patavinas nenhuma.

Também com paciência consegui entender que os filhos de Maria Alexandra ficam sob a guarda de venezuelanos enquanto ela sai em busca de ajuda. Todos se revezam na tarefa. Nenhum reclama. A solidariedade é absoluta e vai além: compartilham o pouco que conseguem. Inconscientemente formam uma força fraterna de sobrevivência.

La Victoria, a cidade de Maria Alexandra

Maria Alexandra nasceu e vivia em La Victoria, capital do município de José Félix Ribas, no estado de Aragua, região quase caribenha e distante 55 quilômetros de Caracas. La Victoria tem 130 mil habitantes – o equivalente a Sinop. Antes do agravamento da crise social venezuelana, de cunho político, que se arrasta há alguns anos, ela trabalhava num escritório enquanto escriturária, profissão que não exige formação universitária. A surdez e a condição de muda não a impediam de desenvolver seu trabalho. A cada dia a situação no país se complicava mais e mais. Sem alternativa, botou os filhos nos braços, juntou alguma roupa e de bolsos vazios veio para o Brasil sonhando com Cuiabá, cidade que conhecia pela internet. Para sair de sua terra enfrentou dificuldades percorrendo trilhas no cerrado, com o coração na mão, temendo ser pega pelos soldados de Maduro antes que pisasse o solo brasileiro em Pacaraima, Roraima.

Em seu silencioso mundo Maria Alexandra vive a dualidade brasileira. Oficialmente o governo federal anuncia que a Operação Acolhida recebe os venezuelanos de braços abertos. E eles passam de 170 mil no país. Mundo afora a Acnur (agência da ONU para refugiados) sustenta que seus braços estão estendidos sobre todos os que deixam suas terras. Em Cuiabá funcionam duas instituições para proteger portadores de necessidades especiais, o Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CMDPD), que é bem recheado por figuras políticas, e  o Conselho da Pessoa com Deficiência ligado a Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania. Também está de portas abertas desde 1980 a Pastoral do Migrante, que é um dos braços da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); sua coordenadora, Eliana Vitalino, sustenta que neste ano 600 venezuelanos passaram por aquela instituição.

A Venezuela, terra de Maria Alexandra, tem 916.445 km² – pouco maior do que Mato Grosso. Sua população estimada é de 32 milhões de habitantes, mas desde 2015, cerca de 4,5 milhões deixaram o país e se espalharam pela América, incluindo o Brasil. O refugiado venezuelano não tem perfil: é a composição populacional em suas mais diversas facetas, que cruza a fronteira em desespero. O que há em comum entre os que partem é a vontade de continuar vivendo, de respirar liberdade, de fugir da crise que retira alimentos das prateleiras dos supermercados, que faz os medicamentos evaporarem, fecha postos de trabalhos e  hospitais, tolhe liberdades individuais e coletivas. A mão estendida por Maria Alexandra na porta do banco nunca se levantou contra nem a favor de grupos políticos em sua terra. Ela não passa de uma indefesa mãe que fugiu de um conflito e busca paz.

Instituições sobram. Falta a praticidade. Brasileiro portador de necessidades especiais, que tem vaga de trabalho assegurada por lei, enfrenta problema para se inserir ao mercado profissional. Imaginem Maria Alexandra, que além de tudo ainda tem a barreira do idioma.

O que fazer?

Desconsidere a limitação do texto imposto pela barreira. Aja. Na segunda-feira, 7, durante o expediente bancário, vá à calçada da agência Rubens de Mendonça do Banco do Brasil na avenida Rubens de Mendonça ou CPA. Dê um abraço e doe algumas coisa que ajude Maria Alexandra. Tanto faz que seja dinheiro quanto um fogareiro usado, um colchão, roupas para crianças de 2 e 4 anos, agasalhos, alimentos. Estenda a mão. Esqueça a questão interna venezuelana e não tente buscar culpa em Nicolás Maduro ou seu antecessor Hugo Chávez. O momento é de socorrer seres humanos que cruzaram a fronteira fugindo do caos e vieram para o paraíso cercado pela América por todos os lados e que se chama Cuiabá.

A situação de Maria Alexandra e de aproximadamente outros 300 venezuelanos em Cuiabá, que vivem em situação de rua, precisa chegar às autoridades. É preciso garantir dignidade a eles. Que os filhos dela tenham direito a creche, escola e saúde pública. Que ela encontre trabalho.

Maria Alexandra atende pelo WhatsApp 65.8407-6057

Redação blogdoeduardogomes

FOTOS: 

1 – José Medeiros

2 – blogdoeduardogomes

3 – Google

manchete