Desde sempre considerei que, com pouquíssimas exceções, a alocação de recursos com esses objetivos trata-se de uma imperdoável disfuncionalidade. E não estou me referindo ainda ao aspecto de ordem administrativo e penal que aí subsiste, como as recorrentes não prestação de contas, da não realização conforme garantido no projeto aprovado e, o que é mais grave, a pura e simples malversação e desvio do recurso. Tudo isso já aconteceu em várias ocasiões. Mas vamos ao que disse o Secretário, em declaração que recebi com satisfação, de que se posiciona contra essa prática tradicional. Embora faça a ressalva de que o investimento em aniversários de municípios, em festa de peão de boiadeiro, de santos, em carnavais na época ou fora de época etc, gera emprego e renda graças a lotação dos hotéis e gastos gerais dos turistas no comércio local. Refere-se ao fato de que a maioria desses recursos é proveniente das chamadas emendas impositivas a que os parlamentares têm direito. Para enfrentar essa prática, de indiscutível fundo eleitoreiro, muito objetivamente se propõe a “sensibilizar os parlamentares”, apresentando-lhes “os programas permanentes de Cultura que o Estado os tem como prioridade.” Será o suficiente?
Nada contra as comemorações e festividades desses municípios, todos constituídos por um povo laborioso e digno das melhores tradições mato-grossenses. O que se discute aqui são duas questões. A primeira, a da não aplicação de recursos, já escassos, em atividades fundamentais e permanentes tais como a publicação de livros, a constituição de bibliotecas comunitárias, a realização de concursos literários, o incentivo ao teatro, às artes plásticas, a dança, o folclore, à leitura. A outra questão: esses eventos, todos eles, não estão mais adequados na área do turismo?
Tendo em vista os fortes interesses que envolvem tais eventos, para conseguir o louvável intuito a capacidade persuasiva do Secretário, além de redobrada, terá que agregar outras forças. Como é sabido, as verbas são destinadas a esses eventos por razões muito superiores à própria comemoração em si. Elas refletem o “resultado” do prestigio e representará a propagação do nome que o “donatário”, como “patrocinador”, certamente irá angariar junto ao prefeito, vereadores, Portanto, além da persuasão, o Secretário terá que ter forte determinação. Arraigados costumes são óbices [quase] intransponíveis. Pelo menos num primeiro momento.
Allan Kardec está diante de um grande desafio. O Secretário precisará de apoio não só na Assembleia, mas no governo e na comunidade dos que lidam com a cultura. Oxalá, tenha êxito.
Sebastião Carlos Gomes de Carvalho é advogado e professor. Membro da Academia Mato-Grossense de Letras e da Academia Paulista de Letras Jurídicas.