1983. Convidado para inaugurar o estádio municipal de Torixoréu, uma obra da sua administração, o governador Júlio Campos im¬pôs uma condição: o clube que enfrentaria a seleção torixoreuense na festa que havia sido programada para o dia histórico no município tinha que ser o seu querido Operário.
Era fim de ano e o futebol profissional estava em recesso. Mas o Operário conseguiu ajuntar alguns profissionais, mesclou o time com juniores e juvenis e foi cumprir o compromisso.
O jogo era num domingo. A delegação tricolor viajou no sábado bem cedo, seguindo diretamente para Barra do Garças, onde ficou hospedada no Presidente Hotel, porque em Torixoréu não existia um local adequado para acomodar a delegação operariana.
Logo que os jogadores se acomodaram no hotel, Bife e o massagista Geraldo, que ficaram no mesmo quarto, jogaram parte do material esportivo que estava num dos sacos no chão e saíram percorrendo os apartamentos ocupados pelos operarianos, confiscando toda a cerveja que estava nos frigobares.
– Vocês são muito jovens ainda, não podem se envolver com bebi¬da alcoólica de jeito nenhum. Amanhã, depois do jogo, a gente devolve tudo. Tomem refrigerante e água mineral… – diziam Bife e Geraldo para justificar o recolhimento das latinhas de espumosas.
Quando chegou a hora dos jogadores se recolherem após o jantar e a tradicional voltinha pelos arredores do hotel, “concentraram-se” no aparta-mento de Bife e Geraldo outros pés de cana da época: Mosca, Gaguinho, Mão de Onça, Dito Siqueira…
Depois do café da manhã, Malaquias, que chefiava a delegação, avi-sou o pessoal que a delegação precisava sair do hotel mais cedo, já com as malas no ônibus, porque Torixoréu ficava “bem longe” de Barra do Garças e de lá mesmo o time retornaria para Cuiabá, saindo por Goiás, através de Aragarças.
A delegação operariana dirigiu-se diretamente para o restaurante onde foi servido o almoço e os jogadores ficaram descansando até a hora de irem para o estádio.
Nem bem a delegação chegou ao restaurante e os jogadores formaram grupos para jogar caxeta, apareceu um cidadão no local perguntando por Bife.
– É aquele magricela lá – apontaram para Bife, que estava numa mesa com Mão de Onça, Malaquias, Gaguinho e Mosca.
Com muita educação, o visitante se apresentou e foi direto ao assun¬to: “Eu quero ter a honra de tomar uma cerveja com um jogador famoso como você, Bife!…”
Tomaram uma, duas, três…, só os dois no maior papo. Mas aí Bife se tocou e pensou com seus botões: “Esse cara quer me deixar de porre para eu nem entrar em campo!” Apesar do jogo ser um simples amistoso, Bife deu uma desculpa e caiu fora da armação…
O amistoso, apitado pelo árbitro Orlando Antunes de Oliveira, não teve duração normal, pois chovia muito e a grama, recém plantada, ia se soltando do solo com facilidade, prejudicando a movimentação dos jogadores. Do resultado do jogo, ninguém se lembra. Bife só sabia que o Operário ganhou e ele fez o primeiro gol no estádio.
Terminada a partida, a delegação operariana retornou para o restaurante, com direito a boca-livre na bebida, para aguardar a continuidade da festa no clube da cidade à noite antes do retorno para Cuiabá.
Toda a população da então pequena Torixoréu parece que estava no clube para prestigiar a festança, regada a muita cerveja, comida, música ao vivo, discursos. Presentes na festa, o governador Júlio Campos, prefeito, ve-readores e outras autoridades e personalidades do município. Uma festa de arromba, mesmo!
No encerramento dos discursos alusivos ao aniversário de Torixorréu o mestre de cerimônia que conduzia a solenidade no clube perguntou se alguém da delegação do Operário queria usar a palavra.
Com o pé cheio de cana, Mão de Onça levantou as mãos, subiu ao palco, fez pose e começou: “Em primeiro lugar eu queria agradecer ao nosso deputado Júlio Campos…”
– Deputado não, sua anta, governador!… “ – gritaram alguns operarianos, envergonhados com a besteira do orador Mão de Onça.
No clube não havia mais cerveja. A falta da espumosa, mais a mancada de Mão de Onça, levou parte da delegação a antecipar a saída da festa e retornar ao restaurante. Na saída, Bife chamou um morador de Torixoréu e perguntou: “Quem é aquele torcedor que passou o tempo do jogo de hoje gri-tando feito um louco lá no estádio?”
– Ah! É o vereador fulano… ele está ali, ó – apontou o morador.
Na malandragem, Bife aproximou-se do homem, cumprimentou-o efusivamente e tascou a cantada, enchendo-lhe a bola: “Vereador e futuro deputado. A cerveja daqui acabou, será que não dá para o senhor mandar liberar algumas pra gente lá no restaurante?…”
Pedido atendido na hora, Bife saiu rapidinho do clube para o restaurante acompanhado de outros jogadores. Já bem turbinado, Mosca queria porque queria algum tira-gosto para acompanhar a cerveja. Não tinha.
De repente, Mosca invadiu a cozinha do restaurante e voltou em seguida com um bolo que achou dentro de um fogão, colocou-o sobre a mesa em que estavam sentados, acendeu duas velas e pediu: “Cantem o parabéns pra você para mim, eu estou fazendo aniversário…”
Era só farra mesmo, Mosca não estava fazendo aniversário coisa nenhuma. Sob a euforia gerada pelo álcool, os palavrões brotavam fartos da boca dos festeiros, provocando constrangimento entre um grupo de 4 casais que bebiam no restaurante.
A turma que ainda estava no clube voltou para o restaurante. Começaram, então, os preparativos para ao retorno à Cuiabá. Na saída do restaurante, Mosca, por pura provocação, puxou com a perna, a perna de uma mesa onde um rapaz debruçado sobre ela dormia que até roncava.
O cara caiu, levantou-se furioso e xingou todo mundo. O grupo de casais aproveitou a reação do rapaz para tirar também uma casquinha nos operarianos: “Até que enfim vocês se tocaram. Vão embora logo, seus cuiabanos boca porca!…”
Último da caravana a entrar no ônibus, Bife não gostou da observação dos casais. E não vacilou: puxou o seu 38 cano curto e acionou o gatilho, porém o revólver negou. Mas com o plec, plec, plec do cão batendo na espoleta das balas era só gente correndo para todos os lados.
– Vamos embora! – gritavam os operarianos com medo de uma reação da população torixoreuense.
Mas para azar da delegação o ônibus não pegava. “Temos de fazer o motor pegar no tranco!” – gritou Bife. E o que não faltou foi gente para empurrar. Com muito custo, o ônibus, pegou para alívio geral, principalmente dos jogadores juvenis e juniores do Operário, assustados com tudo que estava acontecendo…
A viagem de volta foi um desastre. O motorista não conhecia o caminho para Rondonópolis, através de Goiás, e acabou se perdendo. Lá pelas tantas, Bife e Mão de Onça simularam uma briga e foram decidir a pendência na porrada lá fora, durante uma parada para uma mijada coletiva.
Na escuridão, o motorista manteve os faróis do ônibus acesos e os dois ficaram fazendo encenação, como se fossem dois pugilistas. Aí, a garotada urinava nas calças de tanto dar risadas…
Ao amanhecer, o ônibus parou em uma cidadezinha para o café da manhã. Mas que decepção! Malaquias, que havia recebido do pessoal de Torixoréu o dinheiro para pagar o café e o almoço na volta para Cuiabá, tinha torrado até o último centavo com bebida. Resultado: não teve desjejum porra nenhuma…
Por volta do meio-dia o ônibus chegou, finalmente, a Rondonópolis. Sem café da manhã os jogadores passaram, mas o almoço tinha que sair de qualquer jeito. Aí, Malaquias ligou para um diretor do Operário, que ligou para um amigo em Rondonópolis para garantir o rango da delegação…
No restaurante, enquanto a turma se ajeitava nas mesas para almoçar, Gaguinho e Bife decidiram trocar a parte que lhes cabia na refeição por cerveja. Do lado de dentro do balcão em que os dois apoiavam os cotovelos, Gaguinho viu alguns garrafões de vinho, daqueles de 5 litros…
Não satisfeitos em afanar vinho, Bife e Gaguinho decidiram roubar também alguns queijos curados e salaminhos que estavam ao alcance de suas mãos, perto do balcão. Com a colaboração do massagista, claro.
Encerrado o almoço, a delegação iniciou a viagem de volta para Cuiabá, com todo mundo feliz da vida com a barriga cheia. E de quebra, durante a viagem, muito vinho, queijo e salaminho…
PS – Reproduzido do livro Casos de todos os tempos Folclore do futebol de Mato Grosso, do jornalista e professor de Educação Física Nelson Severino