No centro do continente Mato Grosso tem saídas regionalizadas para escoar a produção agrícola. O Nortão, onde se concentra a maior área de cultivo, o destino lógico para as commodities que exporta para a Ásia e outros cantos do mundo é o porto de Miritituba (PA). Até recentemente o trajeto era feito pela encascalhada Cuiabá-Santarém (BR-163), que no conta-gotas conquistu a pavimentação. Agora o sonho com uma ferrovia começa a ganhar forma: é a EF-170, que no popular atende por Ferrogrão e que terá 933 quilômetros entre Sinop e aquele terminal portuário no rio Tapajós.
Não se trata de sonho, mas também não se concretizou enquanto realidade.
Assim está a região, sonhando acordada com o escoamento de commodities agrícolas e agroindustrilizados para aquele porto paraense no Tapajós, no município de Itaituba.
O trajeto será paralelo ao leito da BR-163 que em Mato Grosso é chamada de Cuiabá-Santarém, e no Pará, de Santarém-Cuiabá.
Ferrogrão é um projeto acalentado há quase duas décadas no Nortão. Sua construção decreta de vez a independência da região no tocante ao transporte terrestre, que mesmo após a recentente conclusão da pavimentação da BR-163 ainda depende do terminal de embarque de grãos da Rumo ALL em Rondonópolis e até mesmo de um longo trajeto rodoviário ao porto de Paranaguá, no Paraná.
A obra da Ferrogrão foi chancelada pelo Senado em maio de 2017 e um mês depois o presidente Michel Temer botou o jamegão na papelada, que a partir dali teria um corredor burocrático mais difícil de ser percorrido do que o trajeto entre Sinop e Miritituba.
Finalmente, em plena pandemia do coronavírus, os burocratas da ANTT deram o aval para engrenagem da papelada avançar para outro dente no labirinto do gigantismo da máquina pública que trava o Brasil.
A documentação seguiu para o Tribunal de Contas da União (TCU), que é tão lento quanto a máquina pública em Brasília. Ministros do TCU decidirão – espera-se que em breve – que o óbvio tem que acontecer.
A ferrovia será dada em concessão por 69 anos. Quem vencer a licitação a construirá.
Em meio a tudo isso, organizações não governamentais, Funai, Ministério Público Federal, Ibama, igreja católica, políticos de esquerda, sindicalistas e ambientalistas buscam com lupa algum fio de cabelo em ovo pra tentarem barrar a Ferrogrão.
A obra é estimada em R$ 8,4 bilhões. Sua outorga mínima será de R$ 18 milhões.
Embarque e desembarque
O projeto prevê a movimentação anual de 42 milhões de toneladas de cargas basicamente rumo Norte, mas isso é apenas conceito técnico. Até o término da construção, cinco anos após seu início, que deverá ocorrer em meados de 2021, o modal que abastece e escoa produtos da Zona Franca de Manaus poderá voltar seu olhar para Miritituba e Sinop.
Do porto de Miritituba a Santarém a distância é de 302 milhas náuticas (259 quilômetros). As balsas, nesse caso, deixariam a Hidrovia do Amazonas em Santarém, navegariam até Itaituba onde ocorreria a integração com o trem até Sinop, de lá via rodovia ao terminal da Rumo Logística em Rondonópolis, e dali, também por trem, para São Paulo. Isso em ambas as direções.
Um raio de 400 quilômetros tendo Sinop ao centro, e que dentre outros municípios inclui Sorriso, Lucas do Rio Verde, Nova Mutum, Santa Rita do Trivelato, Nova Ubiratã, Vera, Cláudia, Santa Carmem, Tapurah, Ipiranga do Norte, Juara, Alta Floresta, Colíder, Feliz Natal, Porto dos Gaúchos e Guarantã do Norte produz carga agrícola, agroindustrial e etanol para assegurar o pleno carregamento das composições ferroviárias conforme prevê o projeto.
Miritituba sempre terá a capacidade de embarque que a demanda exigir. O mundo empresarial que opera navios, as trades presentes em Mato Grosso e os demais elos da cadeia desse setor ali estão com suas bandeiras sempre prontos para servir e, claro, ganhar dinheiro.
Ferrogrão não é projeto político, não tem padrinho político. Ferrovia atende somente um interesse: o faturamento de seus donos. O que passar disso é discurso, principalmente neste 2020, com eleições municipais e um pleito suplementar ao Senado.
Arte: ANTT
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