MT – Um olhar sobre a região

Cardinale dá nome ao lugar onde nasceu Cláudia 

 

Cláudia Cardinale
Final de tarde da terça-feira, 11 de julho de 1978. O colonizador Ênio Pipino percorre a pé um trecho da Avenida Marechal Rondon sentindo o cheiro gostoso da terra entremeada por raízes das árvores que tombaram. Está feliz. Naquele instante sua Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná (Sinop) acaba de concluir a abertura daquela e da Avenida Gaspar Dutra. De sua ousadia nascia na quinta etapa do projeto de colonização da Gleba Celeste, a vila de Cláudia, destinada a ser cidade em Mato Grosso.

 

Certa feita, em Cuiabá, citando que se tratava de registro histórico perguntei ao colonizador se Santa Carmem tinha algo a ver com Carmem Miranda, e ele negou qualquer ligação. Num sorriso à meia-boca comentou baixo: “Carmem (Carmem Ribeiro Pitombo) é nome de uma tia da dona Nilza (a mulher dele)”. Espichei pra Cláudia. É pela atriz? No primeiro momento ele não respondeu diretamente. Ajeitou os óculos, espichou a mão em despedida e foi enfático: “que mulher é essa Claudia Cardinale”.

Cláudia

Túnis, 15 de abril de 1938. Nasce Claude Josephine Rose Cardinale, filha de um casal siciliano. Morenaço. Boca carnuda. Bunda e dentes perfeitos. Seios grandes e empinados. Cabelo preto. Cinturinha fina. Rosto de traços suaves e firmes. Olhar envolvente. Com tantos atributos assim, essa ítalo-tunisiana virou musa, sex symbol, estrela de Hollywood adotando o nome artístico de Claudia Cardinale.

Pelas mãos, ousadia e os sonhos do colonizador Ênio Pipino, Claudia Cardinale está para sempre no Nortão. Pena que ela não saiba disso.

Cláudia Neuza foi quem primeiro nasceu em Cláudia

Divisor das águas dos rios Xingu e Teles Pires, 15 horas do sábado 11 de agosto de 1979. Na clareira aberta pelo colonizador Ênio Pipino para a implantação daquela que seria a cidade de Cláudia, nasce sem médico e sem parteira o primeiro bebê da região: Cláudia Neuza da Silva, filha do casal Maria Aparecida e Leonardo Ortolani.

Foi um parto sem médico e sem parteira. Forte, dona Maria Aparecida se virou como pode com a ajuda da vizinhança.

O nome Cláudia é agradecimento dos pais a cidade homônima que ajudaram a construir nos confins da Amazônia Mato-grossense.

Os Ortolani, pais de Cláudia, trocaram Diamante do Norte, no Paraná, pelo sonho da colonização da Amazônia. Não se arrependem do que fizeram nos anos 1970, quando deixaram uma região com boa infraestrutura e passaram a viver numa área caracterizada pelo isolamento, com alta incidência de malária e infestada por mosquitos.

Cláudia orgulha-se de sua cidadania. É personalidade em seu município e sempre ouve de pioneiros que nos primórdios da colonização corretores e moradores diziam aos interessados em imóveis na então vila, que ali nascera um bebê com o nome do lugar. “Essa citação mexia com o inconsciente daquelas pessoas e acho que contribuiu para que alguns mudassem para cá”, avalia Cláudia.

Casada com Nivaldo Ferreira da Silva e mãe de Eduarda, Henrique e João Vitor Ferreira da Silva, Cláudia vive na cidade onde nasceu e da qual herdou o nome.

CLÁUDIA – O município de Cláudia é sede de comarca, tem 3.849,991 km²e 12.245  habitantes. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)  0,699 e a renda per capita R$ 34.922,06. O principal acesso à cidade é pela Rodovia André Maggi (MT-423), pavimentado. A base econômica é o agronegócio, mas nos primórdios da colonização foi a indústria madeireira que agora é chamada de indústria florestal de base.

O município se emancipou de Sinop, Itaúba e Marcelândia em 4 de julho de 1988 por uma lei do deputado José Lacerda sancionada pelo governador Carlos Bezerra.

Cláudia tem o melhor saneamento do Nortão e trata mais de 90% do esgoto da cidade.

Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes

FOTOS:

1 – Divulgação

2 – blogdoeduardogomes

3 – Álbum de Família

 

O conturbado começo de uma cidade

 

Nova Canaã do Norte
Nova Canaã do Norte é um dos polos da pecuária de Mato Grosso. Além de grande rebanho o município tem um frigorífico bovino e um laticínio. A cidade surgiu na Gleba Nova Era, da Colonizadora Líder, e sua colização data de 1976, com a venda de seus primeiros lotes pelo presidente da empresa, Raimundo Costa Filho, o homem que implantou a vizinha cidade de Colíder.

Os lotes vendidos por Raimundo Costa tinham documentação irregular, o que provocou conflitos agrários pela posse da terra, com ações judiciais e enfrentamentos armados que resultaram em troca de tiros, tocaias e mortes. Na relação dos assassinatos figura o sócio da colonizadora, Louro Silva Lima. A tensão na zona rural se agravava a cada dia, mas, indiferentemente a isso, o colonizador criou a vila em 7 de abril de 1977, numa área de 242 hectares, à qual deu o nome de Nova Era, que mais tarde seria Nova Canaã e posteriormente Nova Canaã do Norte. O primeiro morador foi Antônio Alves da Silva, conhecido por Antônio do Ponto, oriundo de Assis Chateaubriand, no Paraná.

Antônio do Ponto

O apelido Antônio do Ponto surgiu porque ele tinha duas Kombi que faziam linha transportando passageiros diariamente para Colíder e, em dias alternados, para Sinop. O local de embarque e desembarque funcionava na Avenida Brasil, na calçada da Comercial Santo Antônio – do mesmo e que foi o primeiro estabelecimento de Nova Canaã. A antiga casa que servia de ponto das Kombi foi demolida.

Depois de Antônio do Ponto, se mudaram para Nova Canaã Antônio Moreira, Osvaldo Amaral e outros. A principal atividade econômica nos primeiros anos foi o plantio de café conillon. Porém, os produtores esbarravam na falta de regularização fundiária, para conseguirem financiamentos no Banco do Brasil. O problema foi solucionado pelo Incra em 26 de abril de 1982, com a desapropriação da gleba onde surgiu o município, para a implantação do Projeto de Assentamento Canaã,  que contemplou com títulos definitivos 3.700 agricultores que compraram áreas da Colonizadora Líder ou de terceiros.

Antônio do Ponto não está mais entre nós. Fechou os olhos para sempre.

O nome Nova Canaã foi escolhido pelo então bispo de Diamantino, Dom Henrique Froehlich quando da elevação da vila a distrito de Colíder, em 23 de novembro de 1981, por uma lei de autoria dos deputados Zanete Cardinal e Alves Ferraz, aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador Frederico Campos. O prelado fez a escolha levando em conta que aquela região simbolizava a conquista de uma nova terra, uma espécie da Canaã citada na Bíblia, tais os percalços enfrentados por seus moradores.

A emancipação aconteceu em 13 de maio de 1986 por uma lei de autoria das bancadas do PDS e do PMDB, aprovada pela Assembleia e sancionada pelo governador Júlio Campos. O município foi criado sobre áreas de Colíder e Diamantino; seu nome foi alterado para Nova Canaã do Norte.

A área do município é de 5.955,408 km#, tem 12.831 habitantes, o IDH é 0,686 e a renda per capita de R$ 28.665,66. A cidade é sede de comarca e tem acesso pavimentado à MT-320 pavimentada e distante 2 quilômetros.

FOTOS: blogdoeduardogomes

 

Miss inspira o nome de Vera

 

Vera
Em 2 de fevereiro de 1971 Ênio Pipino construiu uma pista de pouso onde mais tarde surgiria a vila de Vera, para desembarcar compradores de áreas rurais da Gleba Celeste, de 198 mil hectares, por ele colocada à venda em vários pontos do Brasil. Interessados nas terras não raramente adquiriam imóveis rurais por sua localização em mapas.

Em 27 de julho de 1972 Ênio Pipino inaugurou Vera – primeira vila construída no Nortão após a abertura da BR-163. A solenidade levou ao local o ministro do Interior, Rangel Reis, e o governador José Fragelli. Aquela localidade seria o polo irradiador para a empresa da qual era sócio e líder – a Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná (Sinop) – colonizar as vilas de Sinop, Cláudia e Santa Carmem, cujos projetos ainda hibernavam em sua mente.

O acesso à vila, antes e durante parte da construção da BR-163 era pela estrada secundária do Rio Novo, que começa na BR-364, cinco quilômetros antes de Posto Gil, no trevo das rodovias federais 163 e 364, no sentido Cuiabá-interior. Dali por percurso sinuoso, à época com balsa para travessia do rio Teles Pires, se cruzava a fazenda Rio Novo que era centro de extração e beneficiamento de látex de seringais nativos e, as áreas onde mais tarde surgiriam as cidades de Santa Rita do Trivelato e Nova Ubiratã.

É ELA – A origem do nome da vila? Bem, Ênio Pipino não brincava em serviço quando o assunto era mulher bonita. Daí, ele a denominou Vera. Só faltou acrescentar Fisher. O mesmo ele faria algum tempo depois com outra vila, à qual chamou de Cláudia e qualquer alusão à musa ítalo-tunisiana Claudia Cardinali, não é mera coincidência.

Blumenau, Vale do Itajaí, Santa Catarina, 27 de novembro de 1951. Nasce e menina Vera Lúcia, filha do casal de origem alemã, Emil e Hildegard. Dos pais ela herdou o sobrenome: Fisher.
Em 28 de junho de 1969 a menina filha dos Fisher desfila suas curvas num maiô cavado para o júri que a elegeria Miss Brasil naquele ano, e além do cetro da beleza tupiniquim que lhe entregou a antecessora baiana Martha Vasconcellos, recebeu olhares gulosos de Ênio Pipino, telespectador da TV Tupi, que não desgrudava a vista da tela em preto e branco onde via a deusa loira tentadora sendo coroada.

Mal desceu da passarela Vera Fisher literalmente tirou a roupa em filmes apimentados e nas páginas de revistas masculinas. Casando sua beleza com a capacidade de interpretar ganhou as telas da Globo onde virou atriz de novelas, séries e minisséries. Numa carreira ascendente conquistou espaço entre as maiores celebridades nacionais. Lançou um livro biográfico.

A extração da madeira continua

VERA – Município com 2.953,978 km² e 5.322 habitantes, Vera tem renda per capita de R$ 42.272,23 e IDH 0,680. Sede de comarca, a cidade tem acesso pavimentado à BR-163 próximo ao limite com Sorriso.

A agricultura é a base econõmica, mas nos primórdios a madeira foi a principal atividade. Ainda hoje, a xtração continua, porém sob rígido controle ambiental, ao contrário do passado, quando o corte raso indistinto dava as cartas no Nortão.

Vera é um dos divisores das bacias do Tapajõs e do Xingu, ambos amazônicos.

Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes

FOTOS:

1 – Câmara Municipal de Vera

2 – Capa da Revista Playboy

3 – blogdoeduardogomes

 

Antes a Taca; agora a paz

 

Paranaíta
Picadeiros, tratoristas, topógrafos, motoristas e os demais profissionais que trabalhavam para Ariosto da Riva, dono da Integração, Desenvolvimento e Colonização (Indeco), tiveram duas razões para comemoração com o chefe, em 29 de julho de 1979: o Dia de São Pedro e a fundação da vila de Paranaíta, que Ariosto planejara para centro urbano de um polo produtor de café e guaraná.

 

Ariosto quase sempre acertava. Mas na aposta sobre o tal polo deu com os burros n’água, porque no nascedouro a povoação perderia a identidade que lhe estava reservada. A razão é simples: a descoberta de ouro na região. Garimpeiros maranhenses, paraenses e não se sabe mais de onde invadiram as terras, reviraram o subsolo e mudaram cursos das águas em busca do metal mais cobiçado do mundo.

Potenciais compradores de terra recusavam as ofertas tentadoras de Ariosto. Os agricultores e pecuaristas que se mudaram para o lugar entraram em polvorosa. Tudo em Paranaíta era comprado e pago com grama de ouro. Na Boate Sombra da Mata e na concorrência a mulherada fazia festa madrugada adentro e garimpeiros lavavam o chão com cerveja. Malária. Assassinatos. Congestionamentos aéreos. Dinheirama correndo solta. Era um fuzuê. A vila, perdida num canto do imenso município de Aripuanã, divisa com o Pará, não tinha lei.

Em Cuiabá, na cúpula da Polícia Militar, coronéis brigavam longe da população civil para nomearem subordinados de sua confiança para a região. Era voz corrente que a PM fazia segurança nos garimpos à base de uma moderna derrama parecida com aquela dos idos da Inconfidência Mineira, com o pequeno detalhe que a entre aspas receita não chegava aos cofres do Estado.

Em meados da década de 1990 o ouro murchou, ficou difícil de ser garimpado e o presidente Fernando Collor complicou ainda mais as coisas com uma política nociva ao garimpo. Paranaíta entrou em declínio e o êxodo botou fim às vilas que lhe pertenciam.

Em 1995, com a garimpagem desativada, a população remanescente era de 15.255 residentes. Transcorridos 21 anos o número de habitantes é de 11.244 e a densidade demográfica é de 2,23 habitantes por quilômetro quadrados. Ou seja, no período a queda populacional foi de 28,79%.

O município faz divisa com o Pará. Sua área é de 4.796,013 km². O IDH é de 0,672  e a renda per capita de R$ 54.834,07.

A exemplo do que acontece em praticamente todos os municípios da região e na maioria em Mato Grosso, Paranaíta não faz captação nem tratamento de esgoto. O precário saneamento é feito por meio de fossas. De igual modo, também não tem aterro sanitário e o lixo é deixado a céu aberto num lixão.

A cidade aos poucos retoma o crescimento, mas ainda ressente. A malária de ontem sumiu, pelo menos na área urbana. A saúde melhorou e conta com um hospital particular conveniado com o SUS. Um matadouro garante a sanidade da carne consumida pelos moradores.

Empresários e instituições se uniram em Paranaíta para a construção da sede do fórum da comarca, que foi criada em 13 de abril de 2004 por uma lei de autoria do Tribunal de Justiça, aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador Blairo Maggi.

A cidade tem acesso pavimentado pela MT-206. Parte do centro é pavimentada. A maioria dos terrenos urbanos tem escritura. Na zona rural o mosaico fundiário é bem capenga, mas o maior problema agrário foi resolvido: o Estado fez uma composição com os proprietários de uma área de 100 mil hectares (ha) regularizando a situação de aproximadamente 300 famílias de posseiros que a ocupavam.

O Projeto de Assentamento São Pedro, com 35 mil ha, na margem da MT-208 foi subdividido em 764 lotes, mas estima-se que o número atual de parceleiros não passe de 650.

Paranaíta é município da Bacia Amazônia e banhado pelo rio Teles Pires e seus afluentes Santa Helena, Apiacás e Paranaíta, do qual herda o nome.

Topografia acidentada. Invernadas com pedras. Aguada boa. Paranaíta é ideal à pecuária e tem um rebanho bovino expressivo. O Ciclo do Ouro passou,  mas o garimpo não morreu de vez e aventureiros ainda arriscam a sorte.

TACAJosé Maria Pereira Luz é nome estranho em Paranaíta. Porém, se alguém se referir ao Goiano, a cidade em peso sabe quem é. Pioneiro no lugar e ex-picadeiro da Indeco, Goiano trocou de profissão em 1981 e se tornou garimpeiro de ouro. Malhou em ferro frio. Foi vítima da Taca na Paranaíta que não tinha juiz, promotor nem delegado. Apanhou e foi levado na carroceria de um caminhão caçamba para Alta Floresta por jagunços armados que retiravam garimpeiros das áreas reservadas pela Indeco para venda a agricultores.

Nome mais apropriado impossível: Taca é uma espécie de chicote e esse instrumento de tortura era usado pela jagunçada que expulsava garimpeiros na região de Alta Floresta, quando dos primórdios de sua colonização, para abrir caminho à venda de lotes rurais.

Em 2001, transcorridos 20 anos da Taca, ouvi o empresário Vicente da Riva, filho e sucessor de Ariosto da Riva dono da Indeco, que negou envolvimento do pai já falecido e da empresa com a Taca.

Goiano continua em Paranaíta com as marcas psicológicas da Taca, agressão que não tem paternidade. Filho feio não tem pai.

Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes

FOTO: Câmara de Paranaíta

 

Maior município agrícola do mundo

 

A cidade tem mais de 90 mil habitantes, mas a soja consegue escondê-la

O colonizador Claudino Francio fundou Sorriso em 2 de fevereiro de 1977

 

Sorriso é o lugar onde se diz que prédio não tem alicerce: tem raízes. Lá é o paraíso da soja e do agronegócio como um todo. Nenhum centavo circula no município sem que tenha a ver direta ou indiretamente com a lavoura. A cidade é uma das mais modernas de Mato Grosso. Bairros com moradias de alto padrão e um comércio vibrante não deixam dúvidas que ali é um bolsão de prosperidade. E sem alguma dúvida ainda restar, os carrões nas ruas tratam de sacramentar que riqueza é lugar comum naquelas bandas. O município tem 9.347,556 km² e 92.769  habitantes. Sua densidade demográfica é de 7,13 habitantes/km² na cidade, zona rural e nos distritos de Caravagio, Boa Esperança e Primavera. O segundo tenta se emancipar. O último fica à margem da BR-163. É o sétimo município mais populoso de Mato Grosso. A renda per capita é R$ 67.251,95 e o IDH 0,744.

 

Sorriso homenageia o produtor rural e a soja

A cidade é polo universitário, mas enfrenta problema de saneamento.  A empresa que explora os serviços de água e esgoto jura que 60% da rede coletora de esgoto estão prontos e que 25% da mesma se encontram em operação.

Sorriso é o maior município agrícola do mundo. As imensas áreas cultivadas exigem grandes investimentos financeiros. Até meados dos anos 2000 a agência do Banco do Brasil no município era a segunda maior financiadora de lavouras no país, atrás de sua similar em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul. Com a capitalização dos produtores as operações de crédito sofreram redução. A praça de Sorriso é uma das principais no mercado de máquinas e implementos agrícolas no mundo.

A agência do Banco do Brasil em Santa Cruz do Sul injeta montanhas de dinheiro no plantio do fumo da indústria do tabaco por meio de uma linha de crédito criada pelo governo federal para os fumicultores que alimentam os fabricantes e distribuidores de cigarros e similares Philip Morris, Souza Cruz, Associated Tobacco Company, Universal Leaf Tabacos, Alliance On e outros gigantes multinacionais do setor.

Sorriso mistura riqueza e arte

Nos primórdios de sua colonização Sorriso somente cultivava arroz de sequeiro, lavoura que lhe empresta o nome. Claudino Francio, catarinense de Joaçaba, dono da Colonizadora Feliz, que criou Sorriso, disse que a denominação nasceu da irreverência. Agricultores gaúchos descendentes de italianos visitavam a região. De regresso ao Rio Grande do Sul, seus parentes, vizinhos e amigos queriam saber quais as culturas que teriam visto por lá. A resposta era invariável: só rizzo (em italiano, arroz se pronuncia rizzo). O colonizador gostou e batizou a cidade por Sorriso, bem à brasileira e com a palavra tendo outro sentido.

A colonização da área rural no entorno do local onde surgiria Sorriso começou em 1975, após a implantação de cidades ao norte do lugar onde mais tarde surgiria Sorriso. Agricultores sulistas foram se instalando na região e, em 2 de fevereiro de 1977 Claudino Francio fundou às margens da BR-163, a vila que agora é a Capital Mundial da Soja.

Até 1978, o povoado não passava de um amontoado de casas simples de madeira e o principal estabelecimento era um posto de combustíveis com bandeira da Shell, localizado no entroncamento da BR-163 com a BR-242 que à época ligava fazendas na região do rio Ferro ao restante de Mato Grosso e, hoje é acesso pavimentado à cidade de Nova Ubiratã.

ESCORREGÃO – Sorriso colheu (sem trocadilho) Mato Grosso de surpresa. Em 29 de dezembro de 1980, o governador Frederico Campos sancionou uma lei de autoria dos deputados Ary Campos e Osvaldo Sobrinho aprovada pela Assembleia Legislativa criando aquele distrito no município de Nobres, quando na verdade a vila de Sorriso localizava-se no município de Chapada dos Guimarães. O rio Teles Pires era o limite de Nobres (margem esquerda) e Chapada (direita). O erro foi abafado com a emancipação em 13 de maio de 1986, mas evidenciou que o Estado não sabia sequer onde se localizavam os novos aglomerados urbanos surgidos com a expansão da fronteira agrícola.

Sorriso emancipou-se de Nobres, Paranatinga e Sinop, por uma lei da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador Júlio Campos. É sede de comarca de entrância especial. A BR-163 a divide ao meio.

FOTOS: blogdoeduardogomes

 

A terra da arara

 

 

Imponente. Absoluta. Linda. Livre, totalmente livre. Senhora dos ares e dengo na terra. Mancho (pronuncia-se mantcho) era uma arara singular. Exuberante no vermelho predominante em sua plumagem pontilhada pelo verde, azul e amarelo. Não se deixava urbanizar embora vivesse numa vila agitada pelo vaivém dos carros e tratores agrícolas. De vez em quando batia asas, sumia do seu dono em longas e demoradas revoadas em bandos. Assim como ia, voltava.

 

Mancho em 1996

Chuva, muita chuva. Estrada com atoleiros. Chego à Santa Rita no final do ano de 1996. O compromisso é a cobertura de um mutirão rural do Sistema Famato (da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso). Porém, ao entrar na vila tiro do pensamento a razão da minha viagem. Sou recebido por Mantcho, que num quá-quá-quá-quá de algazarra sobrevoa meu Gol. Depois dessa apresentação a ave posiciona-se sobre o carro como se fosse um guardião aéreo me escoltando sem adiantar nem atrasar. Faz um voo sincronizado com o carro. Acho aquilo fenomenal.

Cheguei ao local do Mutirão e fui apresentado a Edgar Matschinske, o dono de Mancho. Edgar era apaixonado por sua ave, que seu filho Adilson Matschinske encontrou filhotinho num ninho caído nas matas do rio Teles Pires e o levou para casa.

Com carinho Edgar criou Mancho sem jamais botá-lo na gaiola ou cortar suas asas. A paixão era recíproca – isso posso atestar – pois alguns minutos após o início da nossa conversa a ave entrou no recinto, localizou seu protetor, pousou em seu ombro e em silêncio ofereceu a cabeça pedindo um cafuné.

Edgar e Mancho não estão mais entre nós. Ele tombou cheio de vitalidade durante uma partida de futebol, vítima de um infarto traiçoeiro e fulminante. Mancho fechou os olhos para sempre quando um trator o esmagou.

Santa Rita ilhada pela soja

Ilson Matschinske, irmão de Edgar, era vereador por Nova Mutum, município ao qual a vila de Santa Rita pertencia e tratou de batizar a via principal do lugar de Rua da Arara. Depois, com a emancipação, Ilson foi eleito o primeiro prefeito e se reelegeu. Ilson, também não está mais entre nós: ele, Edgar e Mancho voltaram ao Criador.

SANTA RITA – A colonização da região começou em 1977 e, a implantação da vila de Santa Rita, em 2 de fevereiro de 1978. Produtores que compravam áreas rurais ganhavam lote urbano.

Atraídos pela fertilidade do solo e o preço das terras, centenas de agricultores, principalmente do Paraná, compraram área rurais na região de Santa Rita. Quase todos os negócios imobiliários foram fechados pelo mapa, ou seja: os compradores sequer conheciam a região.

Em 28 de dezembro de 1999 o governador Dante de Oliveira sancionou uma lei do deputado Nico Baracat emancipando Santa Rita de Nova Mutum. A criação do município mudou seu nome para Santa Rita do Trivelato. Alguns moradores defendiam que o lugar deveria se chamar Santa Rita do Teles Pires, mas prevaleceu a vontade da maioria, que optou pela denominação atual em reverência à colonizadora Trivelato.

O município tem 3.506 habitantes; é sua a melhor renda per capita do Nortão: R$ 177.212,67 e o IDH é 0,737. Sua área é de 4.734,930 km² com 0,53 habitante por quilômetro quadrado. A razão para o bom desempenho no indicador renda per capita é visível: por onde se olha se vê lavouras de soja, milho safrinha e algodão.

Parte da cidade é pavimentada, a prefeitura recolhe o lixo, mas não o trata. A água é de poço artesiano e universalizada nas residências, mas não há tratamento de esgoto. Um pequeno hospital atende à população, mas a referência em saúde é o Hospital Regional de Sorriso, distante 280 quilômetros por rodovia. Alunos matriculados em cursos superiores viajam 220 quilômetros todos os dias, nos dois sentidos, até a faculdade em Nova Mutum. O município tem a vila de Pacoval, distante 30 quilômetros de sua sede.

Distante 33 quilômetros da cidade, o Salto Magessi, no rio Teles Pires, é o principal atrativo turístico da região. Naquele local o Teles Pires é o limite com Sorriso. A Área de Proteção Ambiental (APA) Estadual do Salto Magessi, com 7.846,2420 hectares se estende pelos dois municípios. Essa APA nasceu de uma lei de autoria do deputado Humberto Bosaipo sancionada em 20 de dezembro de 2002 pelo governador Rogério Salles.

Mãos estendidas

 

Henrique e a Igreja de Santa Rita

Sol de 41º em Cuiabá. As ruas tomadas pelo povo. Todos os olhares voltados para o trajeto por onde passaria o Papamóvel. Espremido na multidão, Henrique Oleinik está ali por duas razões, ambas com o mesmo sentido: ver o papa e lhe perguntar em polonês sobre seus vínculos familiares com Alfreda Oleinik Wojtyla. Alfreda era filha de pais nascidos em Wadowice, no Sul da Polônia, berço natal de Sua Santidade.

Henrique viu o papa e se emocionou. Na hora em que a comitiva papal passou perto dele, sequer pensou em algo. Mal conseguia enxergar, pois os olhos estavam marejados. Somente algum tempo depois se deu conta de que seu desejo de questionar o líder católico não seria realizado. Um rígido esquema de segurança o mantinha longe do altar onde o papa João Paulo II celebrava a santa missa.

Em 17 de novembro de 1991, um dia depois da visita do papa a Cuiabá, Henrique voltou para Santa Rita do Trivelato carregando consigo um vazio no peito, pois tudo que ele gostaria era a confirmação que nas veias de Alfreda corria o mesmo sangue do Pontífice. Se havia parentesco entre ela e ele ,consequentemente, ele seria um Wojtya tanto quanto a figura central da Santa Sé.

Gaúcho de Guarani das Missões, Henrique morou 15 anos em Cascavel, no Paraná, mas teve que deixar aquela cidade depois que se meteu em uma enrascada com gente perigosa. Para ficar longe de seus problemas ele decidiu deixar seu estado. Tentou encontrar um lugar tranquilo no Paraguai, e nada; em Rondônia, também não. Até que um corretor lhe falou sobre Santa Rita, que estava nascendo.

Com o nome Santa Rita na cabeça, sem pensar duas vezes pegou o bimotor EMB 820 Navajo que traria compradores de terras a Mato Grosso. Uma rápida escala para abastecimento num lugar que ele não recorda. A retomada do voo e em pouco tempo seus olhos se deparam com o verde sem fim da mata na calha do Teles Pires. O avião pousou na picada aberta para a vila, numa pista não que não mais existe. Quatro casas de madeira. Apenas quatro, marcavam a presença humana no vazio naquele canto da Amazônia Mato-grossense.

Com os ouvidos zunindo pelo voo Henrique desceu do avião. Era a terça-feira, 28 de novembro de 1978. Botou os pés no chão. Olhou para todos os lados. Só enxergou paz e liberdade. “É aqui; pra sempre” pensou. Nunca mais saiu de lá, salvo para buscar a mulher Wanda e a filharada. Desde então mora na Rua da Arara – que à época ainda não tinha esse nome – 2.221.

No portal, o peixe que é um dos símbolos do lugar

Agradável, sorridente e falante Henrique se deixou arrastar pela política. Em 2000 foi eleito vereador na primeira legislatura do município, pelo PMDB. “Foi para ajudar a formar nossa cidade”. Com a facilidade que entrou, saiu dos meios políticos, mas uma coisa ele não consegue abandonar, “gosto muito do MDB; sempre gostei muito”, revelou numa entrevista que me concedeu em 2016, mas com a ressalva que sua grande paixão é a família: Wanda, os sete filhos e a escadinha de netos. Em 2016, aos 72 anos, esbanjando saúde, Henrique cuidava de seu estabelecimento comercial e ficava de olho nos outros negócios que tocava com a filharada.

SANTA RITA – A cidade é pequena. Tem energia elétrica, água encanada e seu acesso à Rodovia BR-163 em Nova Mutum distante 115 quilômetros, é pavimentado e pedagiado. O principal evento integra o calendário nacional da pesca, é a Festa da Matrinchã, que se realiza anualmente com pescaria no Salto Magessi, no porto Roncador, no rio Teles Pires (33 quilômetros de Santa Rita), numa data móvel que antecede o período da Piracema – que se inicia em novembro -; o festival tem desdobramento na cidade, onde no Clube Salto Magessi é oferecido almoço aos participantes, moradores e visitantes com um variado cardápio que tem o peixe matrinchã por componente principal. Santa Rita celebra, ainda, em 22 de maio, o dia consagrado à padroeira local, Santa Rita de Cássia.

Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes

FOTOS:

1  – Iustrativa

Demais: blogdoeduardogomes

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