A musa das quadras
Dona Tila fazia das tripas coração para manter a casa limpa, mas a poeira vermelha não dava trégua naquele vilarejo num canto perdido do município de Diamantino, à beira da quase deserta Rodovia Cuiabá-Santarém, onde a malária era companhia constante, em meados dos anos 1980.
O lugar onde dona Tila vivia não tinha nenhuma estrutura, mas seus moradores sonhavam com o amanhã coletivo melhor. Uns cultivavam, outros abriam estabelecimentos comerciais, outros prestavam serviço. Cada um se virava como podia. O tempo passou e a vila cedeu lugar a uma linda cidade sede de um dos principais municípios agrícolas do Brasil, Nova Mutum.
O sonho coletivo em Mutum não tinha espaço para o esporte, principalmente para o vôlei, que exige quadra, treinamento diferenciado e até mesmo altura compatível com os atletas. No entanto, foi na área esportiva que a antiga vila conseguiu seu maior feito.
Ana Tiemi Takagui é a cara de Nova Mutum. Nova, ousada, bonita, vencedora, respeitada e admirada. Sua mãe, Cleneci Onghero Takagui ou simplesmente dona Tila, é catarinense; o pai Toshio Takagui, é nissei paulistano. Em épocas diferentes trocaram seus estados de origem por Nobres, cidade no ponto equidistante de Cuiabá a Nova Mutum, e ali se casara.
Jogando pela Seleção de Vôlei de Nova Mutum, o talento de Ana Tiemi despertou o interesse do Colégio Afirmativo, em Cuiabá, que a levou para sua equipe. Daí, os passos seguintes foram em direção a uma certa camiseta amarela respeitada no mundo inteiro.
Pela Seleção Brasileira Infanto-Juvenil, na Venezuela, faturou duas importantes conquistas: o Sul-Americano e o título de melhor levantadora. Sua trajetória a levou à Seleção Juvenil e à medalha de ouro no Mundial da Turquia.
Incorrigível ganhadora de medalhas e títulos, Ana Tiemi botou na galeria de suas conquistas o Grand Prix, disputado no Japão, que deu ao Brasil seu octacampeonato nessa competição.
Nova Mutum. Cuiabá. Mato Grosso. Minas Tênis. Osasco/Nestlé. Brasil Turquia, França, Bauru, França novamente, Hungria, pelas quadras mundo afora. O planeta é pequeno para Ana Tiemi, a musa morena nipo-brasileira que é pedra angular na Seleção Brasileira de Vôlei.
Redação blogdoeduardogomes
FOTO: CBV
O mito Rogério Ceni
Sinop tem 32 mil habitantes. O ano é 1990. Até então, conquista do campeonato estadual é feito exclusivo dos times da região metropolitana de Cuiabá. Cáceres, 15 de abril daquele ano. O Sinop Futebol Clube enfrenta o time da casa e que leva o nome da cidade. O apito final se aproxima com o placar mostrando 1 a 0 para os visitantes. Um pênalti assusta os sinopenses. Jacildo Moraes é encarregado da cobrança. No gol um adolescente, terceiro goleiro da equipe e escalado por força das circunstâncias. O jogador chuta forte e o goleiro defende. Aquele lance abre as portas do mundo do futebol para Rogério Ceni – que conseguiu a proeza de defender a penalidade.
Rogério Mücke Ceni foi um garoto que a exemplo de tantos outros veio para Mato Grosso acompanhando os pais. Paranaense de Pato Branco, chegou a Sinop quando a cidade ainda era pequena. Na adolescência tentou dividir o tempo entre a escola e o emprego na agência pioneira do Banco do Brasil, mas nem uma coisa nem outra era o que queria.
Lateral, Rogério Ceni trocou de posição e se tornou o terceiro goleiro do Sinop. Seu batismo de fogo aconteceu em Cáceres, quando o titular e seu reserva imediato estavam contundidos. Escalado de última hora, brilhou. Seu time foi campeão e o São Paulo Futebol Clube o contratou.
No clube do Morumbi Rogério Ceni iniciou na reserva e somente em 1997 ganhou a camisa 1, que vestiu até 2015, quando se aposentou após defender o Tricolor por 25 anos. Acumulou recordes. Com 132 gols é o maior goleiro-artilheiro mundial. Atuou em 1.237 partidas sendo que em 982 foi capitão. Em 17 jogos integrou a Seleção Brasileira.
Títulos? Muitos. Campeão Mato-grossense, Paulista, Brasileiro, da Libertadores e Mundial. Tantos outros também conquistou. Para a torcida Rogério Ceni virou Mito e assim passou a ser chamado.
Em 2017, por seis meses, Rogério Ceni dirigiu o São Pualo em 37 jogos. Venceu 14, empatou 13, perdeu 10 e foi desligado com sutileza em respeito ao seu histórico enquanto jogador.
Sua ligação com o Nortão permanece. Sua família mora em Sinop. Seu pai, Eurides Ceni, e seus irmãos cultivam soja e lavouras de rotação em uma fazenda no município de Santa Carmem, vizinho a Sinop.
FOTOS:
1 – Léo Pinheiro – Portal Terra
1 – São Paulo F.C.
3 – Marcos Negrini – Site público do Governo de Mato Grosso
Loucura sobre duas rodas, no ar
Franzino e baixinho, trabalhando em Sinop na oficina de motos do Besouro, aquele mecânico de mão cheia e piloto de cair o queixo não poderia mesmo ser reconhecido pelo nome civil de Gilmar Pereira Flores. A irreverência popular lhe deu o apelido de Joaninha. Também não sai da fábrica apenas para o trabalho e lazer, reforçava o pensamento. Além disso, ela é talhada para competição, para prova onde a adrenalina e a coragem se unem numa cumplicidade sem igual, acreditava – e continua com esse entendimento.
Com esse entendimento, em 2003, Joaninha trocou as ferramentas e o macacão sujo de graxa pelas provas de motocross. Sinop perdeu um mecânico de motos. O motocross mundial ganhou um ás. Virou ídolo, ás do freestyle.
A genialidade de Joaninha queria espaço, romper barreiras, superar desafios, literalmente voar, decolando sobre duas rodas. Sinop era apenas o ponto de partida e Mato Grosso a primeira etapa do horizonte. Ganhou o Brasil, arrebanhou provas, conquistou o reconhecimento nacional, extrapolou as fronteiras, saiu pelo mundo e agora é nome internacional. Se tornou incorrigível ganhador de títulos sobre duas rodas.
Gilmar Flores nasceu em Iguatemi, em Mato Grosso do Sul, no dia 14 de setembro de 1980, exatamente seis anos após a fundação de Sinop em 14 de setembro de 1974 pelo colonizador Ênio Pipino.
Dezessete anos depois de seu primeiro choro, desembarcava em Sinop. Ídolo da população sinopense, Joaninha divide esse privilégio com o seu concidadão Rogério Ceni, treinador campeão na Série B de 2018 com o Fortaleza, e que foi goleiro e artilheiro do São Paulo. A exemplo de Joaninha, Rogério também é incorrigível colecionador de títulos, só que no futebol.
Nas provas oficiais e nas apresentações em festividades Joaninha é embaixador mato-grossense itinerante. Fora do mundo sobre duas rodas o grande campeão de freestyle se transforma em Sua Excelência, o vereador por Sinop Gilmar Pereira Flores (MDB) eleito em 2016 com 1.625 votos.
A conduta no mundo da política é diferente do universo esportivo. Joaninha tinha sinal verde de seu partido para preparar sua candidatura a deputado estadual em 2018, mas sofreu um rasteira partidária e não teve legenda para concorrer.
O golpe sofrido mostrou a Joaninha que o mundo tanto pode ser visto de cabeça para baixo numa competição de motocross quanto na disputa política.
FOTOS
! – Divulgação
2 – Câmara Municipal de Sinop