JARUDORE – Faltam cinco dias para o Brasil destruir uma comunidade de trabalhadores

Missa reúne moradores: Jarudore busca força em Deus

Cinco dias. Apenas cinco dias, a contar desta quinta-feira, 15. Esse é o prazo que falta para a mão pesada do Estado Brasileiro se abater sobre Jarudore em nome de uma desintrusão decretada pela Justiça Federal em Rondonópolis. O tempo corre contra a população do lugar. O afunilamento do calendário agrava o sofrimento coletivo, a dor íntima de cada um é estampada no rosto. Ninguém sabe mais o que fazer, onde buscar forças e encontrar amparo.  Em Brasília, pedidos de efeitos suspensivos aguardam decisão. Na vila e na zona rural os corações batem descompassado. O próximo dia 20 poderá se transformar no começo do fim de uma comunidade que há 74 trabalha no dia a dia para seu sustento. Pobre Jarudore!

Ontem, representantes de Jarudore percorreram os corredores da Assembleia Legislativa e fizeram romaria em gabinetes de deputados em busca de apoio. Aguinaldo Alves da Silva, o Batata (PSD), presidente da Câmara de Poxoréu, e Carlos Antônio do Carmo, o Mineiro, líder da resistência cívica em Jarudore, buscaram em desespero algo que nem mesmo o Legislativo de Mato Grosso pode lhes assegurar. Na capital mato-grossense, mas ligado em Brasília, Mineiro falava ao telefone com os advogados que defendem a causa do povo jarudorense, à espera da informação mais esperada: a concessão do efeito suspensivo – mas nada. Pobre Jarudore!

O tempo avança. Jarudore navega por águas turbulentas, praticamente abandonado por Mato Grosso. Não se vê na mídia uma vírgula sequer em defesa de sua gente. Não se ouvem pronunciamentos pedindo a reversão da situação que se avizinha. O silêncio em Cuiabá é o mesmo naquela vila, ao lado da qual as águas silenciosas do rio Vermelho passam ficando rumo ao Pantanal. Pobre Jarudore!

Orações em todos os credos. Joelhos dobrados. Olhos marejados. Corações partidos. Mães afagam os filhos que tanto quanto elas precisam de amparo nesse momento tão doloroso. O Brasil interior, de mãos calejadas, ordeiro, sangra em Jarudore. Pobre Jarudore!

Em Jarudore, distrito de Poxoréu, vive uma  população que há 74 anos forma um comunidade de sitiantes, pequenos fazendeiros, comerciantes, professores, mecânicos, peões, donas de casa, aposentados, estudantes, servidores públicos, motoristas, tratoristas. São 1.650 brasileiros, que vivem mansa e pacificamente numa área que foi habitada por seus ancestrais, como parte da política oficial de ocupação do vazio demográfico do Brasil interior.  Pobre Jarudore!

O CASO – Em 25 de junho o juiz da 1ª Vara Federal de Rondonópolis, Victor de Carvalho Barbosa Albuquerque,determinou a desintrusão de duas regiões do distrito de Jarudore. A decisão é algo semelhante ao fatiamento social do lugar. O primeiro, 45 dias após a publicação de sua decisão, e o segundo, 45 dias depois.

A primeira desintrusão será sobre uma área de 1.930 hectares. Um mês e meio depois – tendo o mesmo marco temporal – os que residem numa região com 1.730 hectares farão o mesmo. Cumpridas as duas desintrusões restarão 1.046 hectares que compreendem a vila de Jarudore e seu entorno. Esse fatiamento prepara o terceiro e último, sobre a região urbana. Assim, sem atingir todos de uma só vez, mas em operações com menos impacto perante a opinião pública, a população do lugar será jogada no olho da rua. Pobre Jarudore!

Desde a decisão da Justiça Federal em Rondonópolis, Jarudore tenta com um pedido de efeitos suspensivo (à decisão do juiz em Rondonópolis) junto ao desembargador  João Batista Moreira, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que a contagem regressiva cesse, mas Brasília faz silêncio sepulcral. No dia, 13, a esse pedido somou-se outro, com igual sentido, da Prefeitura de Poxoréu, que será apreciado pelo desembargador Jirair Aram Meguerian, da 6ª Turma do mesmo tribunal de João Batista Moreira. Ontem, em Cuiabá, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) informou a Mineiro e Batata que o Governo de Mato Grosso também ingressou com idêntica defesa, no mesmo foro. Pobre Jarudore!

O DIA 20 – Caso um efeito suspensivo não seja´concedido, no próximo dia 20 acontecerá a segunda diáspora em Mato Grosso no curto espaço de sete anos. A primeira diáspora massacrou a população de Estrela do Araguaia, mais conhecida como Posto da Mata (Leiam POSTO DA MATA)

POSTO DA MATA –  O que acontecerá com Jarudore não será algo inédito em Mato Grosso. Em 2012, na vila Estrela do Araguaia, que era mais conhecida como Posto da Mata, a população foi arrancada de suas casas, a comunidade foi demolida por tratores diante de olhares vigilantes de militares e policiais por sentença da Justiça Federal. Posto da Mata e a área rural da gleba Suiá-Missú (conhecida na região como fazenda do Papa), abrigava 6.500 brasileiros, que ali viviam mansa e pacificamente há mais de três décadas. A vila  surgiu de ambos os lado do limite dos municípios de Alto Boa Vista e São Félix do Araguaia, no cruzamento das rodovias federais 158 e 242.

Posto da Mata foi riscado do mapa. Suas escolas, posto de saúde, igrejas, casas, tudo, tudo mesmo, virou escombros. A gleba, com 155 mil hectares, está reservada para aldeamento dos índios xavantes. Virou terra indígena Marãiwatsédé nos municípios de Alto Boa Vista, São Félix do Araguaia e Bom Jesus do Araguaia, no Vale do Araguaia.

(Entendam o caso)

Cronologia de Jarudore

 

O rio Vermelho e o Morro do Coelho em Jarudore

1926 – O Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon constrói uma estação telegráfica à margem do rio Vermelho.

1945 – Mato Grosso cria a vila de Jarudore ao lado da estação telegráfica. Naquele mesmo ano, atendendo pedido do Marechal Rondon, o Estado destina aos bororos uma área de 4.791,33 hectares (corrigida para 4.706 hectares) desmembrada de outra, do Estado, pelo Decreto 664, de 18 de agosto, baixado pelo interventor federal Júlio Müller.

Rondon era estrategista e defendia os índios. Ao pedir a terra para eles, queria assegurar que os mesmos tivessem um ponto de apoio – ao lado do telégrafo – para sua viagens embarcadas pelo rio Vermelho (que eles chamam de Poguba) entre as suas reservas nas chamadas terras altas e suas aldeias no Pantanal.

1947 – Em 26 de junho, o governador Arnaldo Estevão de Figueiredo cria a Escola Estadual Franklin Cassiano da Silva, em Jarudore, como parte da política de instalação de escolas em pontos estratégicos na região de Rondonópolis, para assegurar educação aos filhos dos colonos pioneiros que ocupavam o vazio demográfico nas calhas dos rios São Lourenço e Vermelho. Essa escola é uma das referências do lugar.

1958 – Em 20 de agosto O Cartório do Registro de Imóveis da Comarca de Poxoréu averba a matrícula 3.547 da área de Jarudore para a Funai.

Em  25 de dezembro o governador João Ponce de Arruda sanciona a Lei 1.191 criando o Distrito de Paz de Jarudore no município de Poxoréu, com base num projeto de lei do deputado Mário Spinelli (PSP) aprovado pela Assembleia Legislativa.

1973 – Somente o capitão bororo Henriquea mulher dele, dona Ana, e a filha do casal e professora no distrito, Maria, residem em Jarudore. Os demais de sua etnia abandonaram Jarudore e mudaram para a reserva Sangradouro/Volta Grande. “Capitão” era designação de cacique.

1978 – Bororos levam o capitão Henrique e seus familiares para a reserva Sangradouro/Volta Grande. Com a saída da família, a área onde viviam é ocupada pelo capitão José Luiz Quearuvare – também grafado Kiaruvare.  Naquele ano o capitão José Luiz deixa Jarudore.

2006 – Em 22 de junho a cacique Maria Aparecida Tore Ekureudo, da reserva Sangradouro/Volta Grande chega a Jarudore à frente de um grupo de 32 bororos, ocupa um sítio distante 7 quilômetros da área urbana e cujo posseiro é estranho aos moradores, e fixa o cartaz: “Área Indígena Aldeia Nova Bororos”.

Jarudore

No dia 25 de junho o procurador da República em Mato Grosso, Mário Lúcio Avelar, e o procurador Federal Cezar Augusto Lima Nascimento, representando a Funai, ingressam com uma Ação Civil Pública com pedido de liminar de antecipação de tutela específica, ao juiz da 3ª Vara da Justiça Federal em Cuiabá, César Augusto Bearsi, pela reintegração da área de Jarudore aos bororos. Até então os bororos não habitavam aquela área. Posteriormente, com a criação da Justiça Federal em Rondonópolis, a ação passou a tramitar na 1ª Vara daquela cidade.

Quem descobriu o sítio desocupado temporariamente que em seguida seria ocupado pelos bororos foi João Osmar Lopes, o Gaúchogenro da cacique Maria Aparecida. Gaúcho trabalhava numa linha de leite e conhecia bem a região.

Desde a chegada dos bororos Jarudore passou a enfrentar problemas de diversas naturezas.

Solução

Jarudore é antropizada e ocupada mansa e pacificamente há 74 anos. Uma composição satisfatória para todos seria o Estado adquirir uma área igual ou maior ao distrito, e anexa a uma das reservas dos bororos, e lhes dar em compensação  por aquela onde efetivamente nunca foram aldeados. Para que isso aconteça seria necessário uma ampla costura política e amparo da União em seu sentido mais amplo.

Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes

FOTOS: blogdoeduardogomes

 

 

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