Distante do olhar da classe política, da comunidade acadêmica, dos formadores de opinião pública, Mato Grosso enfrenta mais um grave problema social, já delineado e a um passo de acontecer. Jarudore, um distrito de Poxoréu (distante 50 quilômetros daquela cidade) será literalmente riscado do mapa. Por força de uma desintrusão em primeira instância, seus 1.650 habitantes serão jogados ao léu à margem da rodovia. Mas, afinal, que enredo macabro é esse?
Há alguns anos escrevo sobre a situação de Jarudore. Infelizmente leitura saiu da ordem do dia. Com a proliferação das redes sociais e dos sites, houve esvaziamento de leitores em Mato Grosso. Esse fato é cristalino e nem mesmo assessorias de Imprensa, que por dever de ofício deveriam ler sobre questões mato-grossenses – para manterem seus assessorados informados – não o fazem.
Jarudore foi empurrado para o corredor da morte pelo obtuso alicerce legal brasileiro. Somem-se a isso o desconhecimento sobre sua realidade, por parte da classe política.
A questão é esclarecida em meu texto Jarudore, seu nome é Estrela do Araguaia ou Posto da Mata, postado em 8 deste julho neste site. Aqui, o reduzo ao seguinte:
A titulação da área de 4.706 hectares a entrega cartorialmente aos bororos. Trata-se de um documento para legalizar a presença indígena num ponto de apoio para a navegação entre suas terras altas no cerrado de Poxoréu, Novo São Joaquim e General Carneiro, e as áreas alagadas do Pantanal. Os índios aldeados nas primeiras desciam o curso do rio Vermelho (Poguba para eles) rumo os pesqueiros pantaneiros em suas aldeias naquela região. O vaivém era intenso, mas a modernidade mudou a matriz de transporte indígena aposentando as canoas de remo e substituindo-as por potentes picapes Mitsubishi, Toyota, Chevrolet, Ford, Volkswagen, Nissan.
Os índios desceram das canoas e assumiram o volante. Perfeitamente integrados e identificados com a sociedade envolvente os bororos descobriram o caminho das universidades. Infelizmente, alguns são vítimas do álcool. O caso mais conhecido de alcoolismo na região de Jarudore foi a morte por insolação do índio Malagueta – tipo popular em Rondonópolis. Malagueta morreu bêbado, à beira da estrada.
Jarudore é posse mansa e pacífica desde os anos 1940. Seu perfil agrário é de pequenas propriedades; a vila é a típica comunidade interiorana. Sua topografia acidentada não permite a mecanização e suas propriedades são destinadas à pecuária leiteira, roças brancas de subsistência, pomares, criação de pequenos animais e produção de farinha de mandioca. Toda sua extensão é antropizada.
Se a classe política conhecesse a realidade sobre Jarudore e tivesse se manifestado antes, seria possível reverter a situação, apesar da birra da Funai e do Ministério Público Federal. Bastava sensibilizar Brasília e a opinião pública mato-grossense (principalmente ela) e a nacional. A argumentação? Não faz sentido aldear indígenas numa área diminuta, com 4.706 hectares, cercada por propriedades produtivas, desprovida de caça e pesca. Por mais obtusa que seja a lei, a argumentação seria forte, principalmente se a ela o indiferente governo mato-grossense de Mauro Mendes juntasse um compromisso de comprar e anexar uma área – que poderia ser até o dobro de Jarudore – a outra terra indígena daquela etnia – tudo devidamente aprovado pela Assembleia e com anuência federal.
Fede a nazismo, ganha contornos de moderno Auschwitz jogar 1.650 brasileiros ao léu e entregar a terra onde arrancam o sustento, para a tutela da Funai. Jarudore, meu Deus, não é território sagrado indígena. Nenhum bororo com 50 anos ou menos tem registro na memória sobre aquela área. Os bororos ficaram distantes dali por mais de 30 anos. Mais recentemente um pequeno grupo, que ali nunca foi aldeado ou residente, para lá se dirigiu: começava a contenda que desemboca na desintrusão.
Avalio que já escrevi tudo que deveria sobre Jarudore, mas ao término deste texto acrescento que hoje, 9 deste julho, o principal assessor de um deputado federal conversou comigo por telefone. Queria (e lhe forneci) informações sobre Jarudore, pra que o parlamentar pudesse abordar o assunto (da desintrusão) num programa nacional de televisão.
O assessor tomou conhecimento superficial do caso, ontem, quando o contatei pedindo que acionasse o deputado – pelo perfil do parlamentar – em defesa de Jarudore. Nossa conversa evoluiu para hoje, quando observei que o gigantismo do gabinete de um deputado federal por Mato Grosso sabe tanto sobre o impasse em Jarudore quanto chinês entende de samba.
Hoje vejo nos sites que os deputados estaduais Thiago Silva (MDB) e Delegado Claudinei (PSL) querem debater Jarudore na Assembleia. Que absurdo! Deputados estaduais, governador e congressistas estavam de braços cruzados até ontem (alguns permanecem com a mesma pose), indiferentes a Jarudore. Agora, a um passo da tragédia social, começa a busca desenfreada por holofotes, mas todos, indistintamente, medindo palavras para não trombarem com o politicamente correto representado pelo Ministério Público Federal e a Funai. Mais: com um inflamado deputado federal que começará a bradar que é Jarudore desde criancinha.
Arremato explicando que não é de meu feitio omitir nome de autoridades ou personalidades que critico. No entanto, para preservar o assessor, em Brasília, vejo-me na obrigação do silêncio.
Acho que silêncio também deve ser minha conduta sobre Jarudore, a partir de agora, nessa terra dominada por parlamentares estaduais e federais, pelo governador Mauro Mendes, por poderosos assessores e outras figuras, que a exemplo deles nos empurram para o brejo, ao lado da vaca. Regras do jogo.
Eduardo Gomes de Andrade – Editor de blogdoeduardogomes
FOTOS:
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