Um estado paralelo ou quase isso em Mato Grosso. Essa é a sensação que fica diante de uma série de fatos tornados públicos em maio de 2017, pelo Fantástico, que revelou a existência do recorrente crime de gravações telefônicas clandestinas, do uso de barriga de aluguel e da utilização de parte da estrutura da Segurança Pública mais próxima do então governador Pedro Taques, para tanto. Esses fatos ganharam ainda maior amplitude nesta semana (dias 16 e 17) com o reinterrogatório de três dos réus na ação criminal que se tornou conhecida por Grampolândia Pantaneira – os três disseram ao juiz da 11ª Vara Criminal Especializada em Justiça Militar, Marcos Faleiros da Silva, que o Gaeco participou do crime, para obtenção ou tentativa de se obter provas contra investigados.
Grampolândia foi um perverso esquema de gravações telefônicas com a utilização da chamada barriga de aluguel , que começou no apagar das luzes do governo de Silval Barbosa, em 2014 e que avançou por parte do mandato de Pedro Taques. Esse termo, na linguagem policialesca é utilizado quando o policial ou promotor inclui numa lista de telefones para serem monitorados com autorização judicial, um número de alguém que não tenha absolutamente nada com o caso que se pretende investigar; esse artifício mantém o número telefônico, mas troca a identidade de seu dono, para driblar o magistrado a quem se pede autorização.
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Mauro Zaque e a denúncia
O promotor Mauro Zaque era secretário de Segurança Pública e em outubro de 2015 comunicou Taques em ofício protocolado a existência do crime recorrente. Pedro Taques não tomou providência com o vigor que se esperava para um caso de tamanha gravidade e em dezembro daquele ano Zaque deixou o governo. Em outubro o ex-secretário-adjunto de Zaque e promotor de Justiça em Minas Gerais, Fábio Galindo, confirmou o que disse Zaque e ainda acrescentou maiores detalhes sobre a informação que foi passada a Pedro Taques.
Taques tem memória privilegiada. Às vezes, ao microfone falando para multidão, em algum evento, vê alguém e se dirige a ele, “Fulano, você prometeu que traria doce de leite pra mim e não trouxe, rapaz!”. Porém, sobre o comunicado de Zaque sobre os grampos ele sofre amnésia e ainda desqualifica o fato.
A versão oficial do Palácio Paiaguás sobre o episódio era rocambolesca. Segundo ela, no protocolo a que se refere o ex-secretário de Segurança consta um pedido de vereadores por Juara, por obras rodoviárias naquele município.
Depois de muitas versões para o documento, finalmente o chefe da Casa Civil, José Arlindo passou a ser investigado por supostamente ter sido o autor da fraude no protocolo.
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Antes do reinterrogatório a culpa pelo crime aparentemente cairia nas cabeças dos policiais militares e do delegado Roger Jarbas – que foi secretário de Segurança Pública – , supostamente envolvidos com o caso. Pedro Taques estava bem blindados e paralelamente a isso, ele nega participação. Paulo Taques, primo de Pedro Taques, foi seu coordenador jurídico na campanha eleitoral em 2014 e em parte de seu governo chefiou a Casa Civil. As investigações também cortavam volta para não chegarem a Paulo Taques, muito embora o mesmo tivesse sido preso duas vezes por Grampolandia.
O caldo entornou com o reinterrogatório dos coronéis da PM Zaqueu Barbosa, ex-comandante da corporação. e Evandro Lesco, ex-chefe da Casa Militar; e do cabo da mesma corporação, Gérson Corrêa. Os três apontaram o dedo sobre o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) sobre transações de políticos. Com riqueza de detalhes narraram ao magistrado a mecânica do crime e citaram os nomes dos seguintes membros do MP, que estariam envolvidos com o mesmo: procurador Paulo Prado; e os promotores Marco Aurélio de Castro, Marcos Bulhões, Marcos Regenold, Samuel Frungillo, Célio Wilson e Arnaldo Justino.
O cabo Gérson Corrêa disse ainda no depoimento que os primos Paulo e Pedro Taques sabiam e seriam os verdadeiros chefes de Grampolândia sobre gravações criminosas. Citou também que o Gaeco teria gravado as conversas dos telefones do governador Silval Barbosa, que antecedeu Pedro Taques, e de seus familiares, utilizando o artifício barriga de aluguel. Uma das conversas foi entre Silval e o desembargador do Tribunal de Justiça (TJ), Marcos Machado, que depois foi editada, tirada do contexto e vazada para a TV Centro América. A intenção era desqualificar o magistrado e, com isso, descartar a possibilidade de que ele julgasse fatos relacionados ao crime Grampolândia. Vale observar que Marcos Machado foi promotor de Justiça e chegou ao TJ pelo quinto constitucional.
Ensandecida, na avaliação do cabo Gérson Corrêa, Grampolândia atendia a Deus e o diabo. gravando jornalistas, advogados de ex-adversários de Pedro Taques, médicos, o gabinete do então vice-governador Carlos Fávaro, a deputada estadual Janaína Riva (PSD) e tanta gente mais que até Deus duvida.
A quebra do sigilo telefônico era obtida junto ao juiz Alexandre Martins Ferreira, da Comarca de Cáceres, na fronteira. O cabo Gérson Corrêa requeria a quebra, sob o argumento de que o Serviço Reservado da PM estaria investigando criminosos transnacionais e, que os telefones relacionados seriam de figuras ligadas aos tais bandidos.
Em fevereiro deste ano, por unanimidade, acolhendo parecer pelo arquivamento da ação, proposto pelo MP, o Pleno do TJ absolveu Martins Ferreira de suposta participação no esquema Grampolândia.
FILHO FEIO – Os primos Taques negam participação nesse crime que teve o envolvimento da cúpula da Segurança Pública mais próxima ao governador e que atingiu desafetos políticos de Pedro Taques.
Dos sete membros do MP denunciados no reinterrogatório, cinco pediram hoje, 18, ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNPM) que os investiguem. Somente os promotores Célio Wilson e Arnaldo Justino não assinaram a nota conjunta distribuída à Imprensa revelando a decisão dos cinco em serem investigados. Independentemente da nota o CNPM certamente os investigaria dado a robustez da acusação.
Os três reinterrogados tentaram delação premiada, mas o MP lhes bateu com a porta na cara. Em 11 deste julho o procurador Domingos Sávio, que coordena o Núcleo de Ações de Competência Ordinária (Naco), afirmou que o MP não aceitou os pedidos de delação premiada porque eles estariam com a corda no pescoço – e os desqualificou. O posicionamento de Sávio não agradou a OAB de Mato Grosso, e seu presidente, Leonardo Campos, o questionou.
O filho feio não é uma individualidade: é um gigantesco coletivo. Segundo o desembargador do TJ, Orlando Perri, Grampolândia fez mais de 70 mil gravações.
Na prática
Algo de muito grave está por trás do escândalo Grampolândia. Senão vejamos:
A Polícia Militar tem Serviço Reservado. Em caso de investigação de criminoso ligado a policial. em tese, preferencialmente quem tem que pedir quebra de sigilo telefônico é o comandante do Serviço Reservado. No entanto, quem obtinha as autorizações judiciais era o cabo Gerson Corrêa, que estava a serviço do Gaeco. Com o devido respeito que se deve ao posto de cabo, mas um assunto assim tem que ser conduzido por oficial. Interessante é que o magistrado não se atentou para essa situação, e aparentemente nunca lhe foram apresentados relatórios sobre a movimentação das gravações.
O teor do depoimento do cabo Gerson Corrêa deixa o Gaeco e consequentemente o MP sob desconfiança popular. No primeiro momento, quando pipocaram operações policiais que resultaram nas prisões de integrantes da cúpula do governo Silval Barbosa e dele próprio, houve comemoração e o MP foi bastante aplaudido. Na prisão de Silval Barbosa teve queima de fogos em Cuiabá. Com o reinterrogatório criou-se dúvida quanto a lisura das investigações. Instituição que goza de credibilidade e figura entre as mais respeitadas, o MP precisa dar uma resposta convincente a Mato Grosso.
Na quinta-feira, 18, o procurador-geral de Justiça, José Antônio Borges Pereira, distribui nota à Imprensa citando que determinou a instauração de procedimento administrativo para averiguar se há procedência nas afirmações de um dos réus do referido processo de que teria havido desvio de finalidade na utilização de “verbas secretas” utilizadas pelo Gaeco em suas operações sigilosas de investigação contra o crime organizado.
A Polícia Militar está em silêncio e a Polícia Civil, também.
A Assembleia Legislativa não admite a criação de uma CPI para investigar o Gaeco. Seu presidente, Eduardo Botelho (DEM), aguarda a poeira baixar pra ver o que acontece. Boa parte dos deputados ou tem condenação em primeira instância, ou bens bloqueados, ou é investigada, ou delatada. Um cenário assim não confere credibilidade nem independência para se apurar Grampolândia.
TOGA – O juiz Marcos Faleiros da Silva definiu que em novembro dará a sentença sobre Grampolândia. o coronel Zaqueu é réu por falsificação ideológica de documento público, falsidade ideológica e realização de operação militar sem ordem superior. O coronel Lesco, por operação militar sem autorização de ordem superior. O cabo Gérson Corrêa por falsificação de documento público e falsidade ideológica.
Prisões no atacado
Foram presos por suspeita de participação em Grampolândia:
Secretário de Segurança Pública, delegado Rogers Jarbas.
Chefe da Casa Civil, Paulo Taques (duas prisões).
Chefe da Casa Militar, coronel PM Evandro Lesco.
Secretário-adjunto da Casa Militar, coronel PM Ronelson Barros.
Secretário de Justiça e Direitos Humanos, coronel PM Airton Siqueira.
Constatação
Grampolândia existiu conforme atestam autorizações judiciais para quebra de sigilos telefônicos e a mea culpa dos coronéis Zaqueu e Lesco, e do cabo Gerson Corrêa. Para reforçar sua existência, operações pirotécnicas que seriam desdobramentos de escutas criminosas ganharam manchetes e botaram figurões atrás das grades.
Esse caso ganha proporções assustadoras e não pode ser abafado nem desqualificado. Mato Grosso precisa de resposta, de paternidade. Trata-se de um grave crime contra a cidadania e, se tudo isso não bastasse o reiterrogatório dos três policiais militares sugere uma promiscuidade muito grande entre Gaeco, Judiciário, Polícia Civil, ex-governador Pedro Taques e Paulo Taques.
Em novembro serão julgados os policiais réus na ação. Quanto a eles a situação está pacificada. Resta aogra voltar as investigações sobre o Gaeco, o juiz ou juízes que autorizaram a quebra de sigilos telefônicos, Roger Jarbas, Pedro Taques e Paulo Taques. A todos tem que ser dada a presunção da inocência, mas nem por isso podem passar ao larga das investigações.
Sem utilização de métodos não republicanos a exemplo do que foi Grampolândia, é preciso que se chegue ao cerne da questão o quanto antes ou a impunidade ratificará o estado paralelo que tantos males causou a Mato Grosso.
Cobrir jornalísticamente esse caso é complicado. Uma mistura de segredo de justiça com a presença de jornalistas em reinterrogatórios. O silêncio estratégico de acusados pelos policiais militares e a cautela que se faz necessária para não macular instituições. A soma disso tudo cria um nó na informação, que precisa contar com a compreensão do leitor.
Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes
FOTOS:
1, 2 e 6 – Governo de Mato Grosso – Divulgação
3 – site paginadoe.com.br
4 – Josi Pettengill
5 – Assembleia Legislativa – Divulgação