Há fatores históricos e culturais que sempre mantiveram a mulher longe da política e dos cargos de poder. Mulheres que protagonizam a própria história, que tomam as próprias decisões e que estão preparadas para estar à frente como representantes de seus lares, empresas, cidades, estados ou país, enfrentam uma sociedade machista, preconceituosa e que as subestimam o tempo todo. Os espaços de poder e de decisão ainda são ocupados, em sua grande maioria, por homens, mas há uma geração de mulheres dispostas a enfrentar a tudo e a todos para mostrar que o sexo não define a capacidade de ninguém. Gisela Simona é uma delas. Campeã de votos em Cuiabá para deputada federal, Gisela é suplente numa coligação em que um dos eleitos enfrenta pedido de cassação feito pelo Ministério Público Federal (MPF), o que se confirmar a transformará em deputada. Além disso, nas redes sociais há um movimento em defesa de seu nome para prefeita de Cuiabá. No universo machista da política mato-grossense surge um nome feminino de uma negra cuiabana que começa a romper barreiras, e que a cada dia mais e mais se fortalece. Entre caciques políticos ela é citada enquanto emergente capaz de embaralhar a disputa pelo Palácio Alencastro – sede da prefeitura de Cuiabá, a cidade a um passo dos 300 anos.
Casada, advogada, servidora pública estadual, ex-superintendente do Procon, conciliadora de defesa do consumidor junto ao Procon, Gisela sempre lutou para alcançar os seus objetivos, o respeito e o direito de poder exercer suas funções sem sofrer nenhum tipo de desigualdade. “Precisamos conquistar a igualdade em todos os níveis, seja no mundo externo, seja no âmbito doméstico. Nossos pais, irmãos, maridos e filhos precisam compreender a nossa igualdade para que os espaços de poder também tenham nossa presença e nossa voz”, observa.
Figura pública respeitada pela serenidade e seriedade que marcaram seu período à frente do Procon, Gisela disputou a eleição em 2018 estreando na política partidária. Com uma campanha samaritana alcançou uma votação expressiva enquanto candidata a deputada federal pelo PROS. Recebeu 50.682 votos, dos quais, 33.762 em sua cidade, Cuiabá. Na capital Gisela foi o nome mais votado para a Câmara entre todos os candidatos dos diversos partidos.
Gisela conversou com a jornalista Vanessa Moreno sobre o ontem, hoje e o amanhã,
blogdoeduardogomes – Como você vê a participação das mulheres nos espaços de poder e decisão?
GISELA SIMONA – Pequeno, embora demonstre sinais que pode aumentar. Infelizmente ainda é mais comum vê-las em posição de assessoria das grandes lideranças do que na linha de frente. Poucos são os homens que ainda nos consegue ver como protagonista de grandes decisões, então quando fazemos e dá certo agem com surpresa como se fosse algo extraordinário. Subestimam nossa capacidade de resultados. É preciso ampliar esses espaços para termos voz.
blogdoeduardogomes – Qual seria uma maneira de aumentar a participação das mulheres na política?
GISELA – Dar paridade de forças. Senti na pele que essa questão de cota está sendo burlada pelos partidos, eles criaram alternativas para dizer que 30% é para o país e não localmente, que pode investir em uma só ao invés de todas, encontram mulheres que aceitam ser laranja dentre outros, ou seja, criam barreiras intransponíveis do ponto de vista burocrático que desanimam a grande maioria.
blogdoeduardogomes – Como você avalia a atuação do movimento feminista?
GISELA – Eu, Gisela Simona, nunca fui uma pessoa radical, com atitudes extremas e então algumas posições nesse sentido fico um pouco de pé atrás. Por exemplo, a liberação do aborto porque a mulher é dona do seu corpo. Não concordo! A minha liberdade existe até não interferir no direito do outro. Tenho alternativas para não confrontar com o direito do outro e isso faz parte da minha responsabilidade como pessoa. Por outro lado, concordo que mulher tem que estar onde ela quiser estar.
blogdoeduardogomes – A presença das mulheres melhora a política?
GISELA – Com certeza. A mulher planeja mais antes de agir, sabe o plano A, B e C. Consegue fazer mais. Isso nos traz uma rotina de trabalho mais eficiente que o Brasil precisa. O fator emocional na mulher dá uma tendência maior em pensar no próximo, no ser humano.
blogdoeduardogomes – Em algum momento você enfrentou algum obstáculo por ser mulher?
GISELA – Eu além de mulher sou negra e aparentemente nova. Atributos que tenho muito orgulho, mas num espaço onde as pessoas ainda não me conhecem, são obstáculos iniciais para acreditarem no meu potencial. Quando fui Superintendente do Procon agendava-se reunião com várias empresas e os executivos – “na grande maioria homens” e quando eu entrava na sala de reunião em algumas situações, os mais desavisados, até para mim perguntavam “cadê o superintendente? ” sem esconder a decepção ao dizer: SOU EU. Só depois de demonstrar meu conhecimento na matéria é que me levavam a sério.
blogdoeduardogomes – No seu ponto de vista, quais são as barreiras para as mulheres na política?
GISELA – O primeiro é pessoal e cultural. Há uma subordinação histórica de desigualdades vivida pela mulher que não é fácil de romper. A mulher tem uma resistência para entrar em espaços com conceitos negativos e polêmicos, porém, quando entra não consegue ser figurante, quer resolver, cobrar soluções, para muitos isso significa incômodo. Segundo, o machismo existe, não acreditam no nosso potencial. Eu particularmente, não era a candidata a deputada federal com maior expectativa de votos no meu partido. Era um dos homens e mesmo com o desenrolar da campanha e pesquisa essa visão não mudou.
blogdoeduardogomes – Há também uma certa dificuldade em encontrar mulheres dispostas a se inserir na política. Qual a razão para isso?
GISELA – Resposta parecida com a do item anterior: A mulher, por si só, precisa captar que a nossa reivindicação é obter a igualdade em todos os níveis, seja no mundo externo, seja no âmbito doméstico. Como se não bastasse, a autoestima deve estar sempre trabalhada por que difícil será ter incentivos para essa participação e como dito acima entrar na política ainda não é uma prioridade porque a mulher tem uma resistência natural para entrar em espaços com conceitos negativos (visão generalizada que na política só tem gente fazendo coisa errada) e polêmicos, porém, quando entra não consegue ser figurante, quer resolver, cobrar soluções, para muitos isso significa incômodo. Machismo existe, não acreditam no nosso potencial. E, as dificuldades internas colocadas pelos partidos – não tem ajuda financeira para as campanhas e nem técnica para as regras eleitorais, parece que a cota de 30% é um limite máximo e por isso não há um trabalho permanente que desperte a mulher para se envolver na política. A ideia não é convidar a mulher para disputar e ganhar, mas para cumprir a cota, o que é lamentável. Tudo isso precisa ser vencido.
blogdoeduardogomes – Na sua opinião, o que poderia impulsionar a participação das mulheres na política?
GISELA – Um trabalho permanente dos partidos em que envolva a mulher na política. Poucos partidos desenvolvem ações com as mulheres de forma permanente, não obstante nos estatutos ter previsão de segmentos como Mulher, Juventude, Idosos e outros. Só nas vésperas de eleições alguns partidos despertam para essa necessidade. A luta tem que ser por igualdade e as punições para quem desrespeita devem ser executadas para que sirva de exemplo.
blogdoeduardogomes – Durante a sua experiência no Procon, você enfrentou alguma dificuldade por ser mulher?
GISELA – No início da gestão e com fornecedores de fora de Mato Grosso tive dificuldades por uma resistência machista natural de que as mulheres têm limites de atuação. O tempo demonstrou que não existe limite por ser mulher.
blogdoeduardogomes – Pretende continuar disputando nas próximas eleições?GISELA – Existe um chamado das redes sociais – Gisela prefeita de Cuiabá. Isso não está descartado nem confirmado. Ser a candidata com maior número de votos na Capital, mais de 33 mil votos em Cuiabá (12% dos votos válidos) nos credencia a pensar no assunto. Mas, no momento minha expectativa ainda é de poder assumir o mandato de Deputada Federal, afinal, um dos candidatos da minha coligação (deputado eleito Neri Geller) teve pedido de cassação de mandato pelo MPF por abuso do poder econômico.
Com fotos cedidas por Gisela Simona