Fim do prazo. O que espera por Jarudore no raiar do dia?

Jarudore não dorme temendo o raiar do dia amanhã

Ninguém tem fome. Todos estão em desespero. O sono não chega e Jarudore entra em mais uma noite de agonia – essa, a mais dolorosa de todas, pois os raios do sol que aquece e que dá vida poderão trazer o oficial de justiça com forte aparato da Polícia Federal e da Polícia Militar para botar no olho da rua bisavós, bisnetos, grávidas, homens de mãos calejadas, meninas sonhadoras,  jovens em pleno vigor físico e os demais que bebem água. A escuridão desceu sobre a vila e a zona rural da comunidade que se formou há 74 anos no entorno de uma estação telegráfica construída pelo herói Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon à margem do rio Vermelho. A madrugada será de tristeza à espera da mão pesada do Estado Brasileiro, que poderá descer sobre as família jarudorenses com a alvorada da quinta-feira, 22.

O prazo fatal para a desintrusão terminou ontem, terça-feira, 20. Na véspera, advogados daquela comunidade protocolaram pedido junto ao juiz da 1ª Vara Federal de Rondonópolis, Victor de Carvalho Barbosa Albuquerque – que a determinou –  para que a mesma fosse prorrogada por 45 dias. O pedido leva em conta que o magistrado fatiou Jarudore em duas desintrusões com espaço de 45 dias entre elas.  A defesa pediu que haja somente uma – se não for possível reverte-la –  e que a mesma seja no prazo concedido para a segunda. A Justiça Federal não se pronunciou, mas os mesmos advogados informaram que o magistrado abriria prazo de 48 horas ao Ministério Público Federal para sua manifestação. Esse prazo terminou hoje, 21. A partir daí não há informação e restam somente dúvidas.

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ENTENDAM  – Em 25 de junho o juiz da 1ª Vara Federal de Rondonópolis, Victor de Carvalho Barbosa Albuquerque, determinou a desintrusão de duas regiões do distrito de Jarudore. A decisão é algo semelhante ao fatiamento social do lugar. O primeiro, 45 dias após a publicação de sua decisão, e o segundo, 45 dias depois.

A primeira desintrusão será sobre uma área de 1.930 hectares. Um mês e meio depois – tendo o mesmo marco temporal – os que residem numa região com 1.730 hectares farão o mesmo. Cumpridas as duas desintrusões restarão 1.046 hectares que compreendem a vila de Jarudore e seu entorno.

Esse fatiamento prepara o terceiro e último, sobre a região urbana. Assim, sem atingir todos de uma só vez, adotando a sutileza de operações menores, com menos impacto perante a opinião pública, a população do lugar será expulsa de suas casas, para bem longe de suas lavouras, suas hortas, suas vacas leiteiras. 

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O silêncio judicial sobre o caso não está restrito a Rondonópolis. Ele também acontece em Brasília, onde a comunidade de Jarudore tenta com um pedido de efeitos suspensivo (à decisão do juiz em Rondonópolis) junto ao desembargador  João Batista Moreira, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que a contagem regressiva cesse. No dia, 13, a esse pedido somou-se outro, com igual sentido, da Prefeitura de Poxoréu, para ser apreciado pelo desembargador Jirair Aram Meguerian, da 6ª Turma do mesmo tribunal de João Batista Moreira. No dia 15, o Governo de Mato Grosso, representado por Alexandre Apolonio Callejas, subprocurador-geral de Defesa do Patrimônio Público e Ações Estratégicas. também ingressou com idêntico pedido, que foi distribuído ao desembargador Daniel Paes Ribeiro, da 6ª Turma.

Sem nenhuma luz sobre decisão judicial em Rondonópolis e Brasília, Jarudore agoniza. A população treme quando escuta barulho de carro nas estradas de acesso a Rondonópolis e Poxoréu. Muitos pensam, “Meus Deus a polícia está chegando!’.

NÃO! – Nenhum morador aceita a ideia de ser retirado de sua casa, de suas lavouras e animais. Insensível o Estado Brasileiro teima em lançar a população no olho da rua. Não há sensibilidade social por parte da Justiça nesse caso. Quanto ao Estado tanto Federal quanto Mato Grosso, a insensibilidade não é menor. Além da tragédia social, por falta de área para receber os que forem enxotados, não há sequer pastagem para receber seus rebanhos. Agosto é mês de invernada comprometida. Onde um sitiante conseguirá pasto para suas vacas em plena seca? O que esse Estado Brasileiro da Odebrecht, da OAS, J&F, Pasadena, Rocha Loures, Aécio, da compra de cadeira no Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE), do escândalo do Paletó envolvendo o prefeito Emanuel Pinheiro (de Cuiabá), e de incontáveis escândalos de corrupção na Assembleia Legislativa, Detran, Secretaria de Estado de Educação (Seduc)  e no governo tem em mente?

Jarudore não dorme, mas o Brasil ronca em berço esplêndido. Pobre país que emprega policiais contra trabalhadores honrados e pacíficos. Pobre nação que não respeita sua população mais carente. Pobre Estado que ao invés de solucionar problemas sociais os cria. 

JARUDORE – Distrito de Poxoréu, Jarudore é formado há 74 anos por uma  população de sitiantes, pequenos fazendeiros, comerciantes, professores, mecânicos, peões, donas de casa, aposentados, estudantes, servidores públicos, motoristas, tratoristas São 1.650 brasileiros, que vivem mansa e pacificamente numa área que foi habitada por seus ancestrais, como parte da política oficial de ocupação do vazio demográfico do Brasil interior. A Funai e o Ministério Público Federal querem que aquela área seja transformada em aldeamento dos índios bororos e, consequentemente, em reserva indígena.  

POSTO DA MATA –  O que acontecerá com Jarudore não será algo inédito em Mato Grosso. Em 2012, na vila Estrela do Araguaia, que era mais conhecida como Posto da Mata, a população foi arrancada de suas casas, a comunidade foi demolida por tratores diante de olhares vigilantes de militares e policiais por sentença da Justiça Federal. Posto da Mata e a área rural da gleba Suiá-Missú (conhecida na região como fazenda do Papa), abrigava 6.500 brasileiros, que ali viviam mansa e pacificamente há mais de três décadas. A vila  surgiu de ambos os lado do limite dos municípios de Alto Boa Vista e São Félix do Araguaia, no cruzamento das rodovias federais 158 e 242.

Posto da Mata foi riscado do mapa. Suas escolas, posto de saúde, igrejas, casas, tudo, tudo mesmo, virou escombros. A gleba, com 155 mil hectares, está reservada para aldeamento dos índios xavantes. Virou terra indígena Marãiwatsédé nos municípios de Alto Boa Vista, São Félix do Araguaia e Bom Jesus do Araguaia, no Vale do Araguaia.

Cronologia de Jarudore

 

O rio Vermelho e o Morro do Coelho em Jarudore

1926 – O Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon constrói uma estação telegráfica à margem do rio Vermelho.

1945 – Mato Grosso cria a vila de Jarudore ao lado da estação telegráfica. Naquele mesmo ano, atendendo pedido do Marechal Rondon, o Estado destina aos bororos uma área de 4.791,33 hectares (corrigida para 4.706 hectares) desmembrada de outra, do Estado, pelo Decreto 664, de 18 de agosto, baixado pelo interventor federal Júlio Müller.

Rondon era estrategista e defendia os índios. Ao pedir a terra para eles, queria assegurar que os mesmos tivessem um ponto de apoio – ao lado do telégrafo – para sua viagens embarcadas pelo rio Vermelho (que eles chamam de Poguba) entre as suas reservas nas chamadas terras altas e suas aldeias no Pantanal.

1947 – Em 26 de junho, o governador Arnaldo Estevão de Figueiredo cria a Escola Estadual Franklin Cassiano da Silva, em Jarudore, como parte da política de instalação de escolas em pontos estratégicos na região de Rondonópolis, para assegurar educação aos filhos dos colonos pioneiros que ocupavam o vazio demográfico nas calhas dos rios São Lourenço e Vermelho. Essa escola é uma das referências do lugar.

1958 – Em 20 de agosto O Cartório do Registro de Imóveis da Comarca de Poxoréu averba a matrícula 3.547 da área de Jarudore para a Funai.

Em  25 de dezembro o governador João Ponce de Arruda sanciona a Lei 1.191 criando o Distrito de Paz de Jarudore no município de Poxoréu, com base num projeto de lei do deputado Mário Spinelli (PSP) aprovado pela Assembleia Legislativa.

1973 – Somente o capitão bororo Henriquea mulher dele, dona Ana, e a filha do casal e professora no distrito, Maria, residem em Jarudore. Os demais de sua etnia abandonaram Jarudore e mudaram para a reserva Sangradouro/Volta Grande. “Capitão” era designação de cacique.

1978 – Bororos levam o capitão Henrique e seus familiares para a reserva Sangradouro/Volta Grande. Com a saída da família, a área onde viviam é ocupada pelo capitão José Luiz Quearuvare – também grafado Kiaruvare.  Naquele ano o capitão José Luiz deixa Jarudore.

2006 – Em 22 de junho a cacique Maria Aparecida Tore Ekureudo, da reserva Sangradouro/Volta Grande chega a Jarudore à frente de um grupo de 32 bororos, ocupa um sítio distante 7 quilômetros da área urbana e cujo posseiro é estranho aos moradores, e fixa o cartaz: “Área Indígena Aldeia Nova Bororos”.

Jarudore

No dia 25 de junho o procurador da República em Mato Grosso, Mário Lúcio Avelar, e o procurador Federal Cezar Augusto Lima Nascimento, representando a Funai, ingressam com uma Ação Civil Pública com pedido de liminar de antecipação de tutela específica, ao juiz da 3ª Vara da Justiça Federal em Cuiabá, César Augusto Bearsi, pela reintegração da área de Jarudore aos bororos. Até então os bororos não habitavam aquela área. Posteriormente, com a criação da Justiça Federal em Rondonópolis, a ação passou a tramitar na 1ª Vara daquela cidade.

Quem descobriu o sítio desocupado temporariamente que em seguida seria ocupado pelos bororos foi João Osmar Lopes, o Gaúchogenro da cacique Maria Aparecida. Gaúcho trabalhava numa linha de leite e conhecia bem a região.

Desde a chegada dos bororos Jarudore passou a enfrentar problemas de diversas naturezas.

Solução

Jarudore é antropizada e ocupada mansa e pacificamente há 74 anos. Uma composição satisfatória para todos seria o Estado adquirir uma área igual ou maior ao distrito, e anexa a uma das reservas dos bororos, e lhes dar em compensação  por aquela onde efetivamente nunca foram aldeados. Para que isso aconteça seria necessário uma costura política e amparo da União em seu sentido mais amplo.

Se a desintrusão for mantida será o caos social. A mão pesada do Estado Brasileiro que manda varrer Jarudore do mapa é a única presença do Estado nesse episódio. Não há nenhuma política agrária do Incranem do Instituto de Terras do Estado de Mato Grosso (Intermat) para contemplar as vítimas da desintrusão com lotes da reforma agrária. Não há nenhuma preocupação com o aspecto social da questão, que afastará do convívio fraterno uma comunidade que atravessa gerações unida por muitos laços, principalmente o da vizinhança. Pobre Brasil velhaco, covarde, que sabe muito bem distribuir benesses aos poderosos e penalizar os trabalhadores pobres.

Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes

FOTOS: blogdoeduardogomes

 

 

 

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