Feira do CPA II ameaçada de mudança pela prefeitura

A feira ameaçada de mudança

“A vontade é unânime, nós não aceitamos a mudança!”. Essa declaração revela o clima de descontentamento que paira sobre a maior e mais tradicional feira de Cuiabá. A feira do CPA II. Quem afirma é o presidente do Sindicato dos Feirantes e da Associação dos Feirantes, Mario Carreiro dos Santos, que compartilha do mesmo sentimento que a maioria dos comerciantes da feira: insatisfação!

Há mais de 35 anos, feirantes de diversos segmentos saem de suas casas ainda pela madrugada e por volta das 4 horas da manhã a rua Bahia e a Avenida Brasil estão repletas de barracas, prontas para receber seus clientes e garantir o sustento familiar. No entanto, esses comerciantes, que há anos encaram essa rotina matinal de domingo, estão prestes a encarar uma possível mudança que parece não agradar a maioria. Essa mudança faz parte do Decreto 6.532 de 2018, fruto de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre a Prefeitura de Cuiabá e o Ministério Público do Estado (MPE), que prevê a realocação da Feira do CPA II para a Praça Cultural do bairro, a padronização de barracas, uniformização, separação por setores e organização da fiação elétrica.

Feirantes atendem clientes na Feira do CPA II

A feira já faz parte da história do CPA. Moradores da região têm a certeza de que alimentos frescos, produtos locais e demais utilidades poderão ser encontrados ali, religiosamente, aos domingos. “Eu sou moradora do CPA e frequento a feira desde o início. Eu gosto muito de vir, é uma tradição nossa essa feira”, declara Maria Aparecida, de 59 anos, que ao sair da missa na Igreja Divino Espírito Santo, passa por lá para garantir o alimento da semana.

Não é de hoje que a prefeitura tem tentado impor essas mudanças aos feirantes do CPA II. O projeto já vem sendo estudado desde o ano passado e deve atingir todas as outras 47 feiras espalhadas pela capital. O objetivo é proporcionar maior qualidade e segurança a comerciantes e frequentadores, mas classe se opõe e resiste apenas por conta da realocação. “A categoria está lutando para que fique na rua, porque na praça o espaço não vai dar”, afirma Mario Carreiro.

O decreto determina que as barracas possuam a medida de 2 x 3 metros, tamanho abaixo do espaço que as barracas ocupam atualmente. Outra questão é quanto a quantidade de barracas. De acordo com a prefeitura, há 220 feirantes cadastrados, por isso a praça foi adequada para o mesmo número de barracas. Os espaços que devem ser ocupados já estão demarcados de tinta amarela no chão. No entanto, segundo afirmação do presidente do Sindicato e da Associação, um feirante cadastrado possui de três a cinco barracas do mesmo segmento espalhadas ao longo de toda a feira. “A prefeitura quer também dar uma controlada no número de feirantes, mas nós queremos criar uma parceria, ela precisa trabalhar em conjunto com os representantes, pois nós temos conhecimento da situação”, completa. De acordo com Mário, a Prefeitura tem falhado no entendimento com a categoria, que ofereceu outras opções para a mudança, mas ainda não foram aceitas. Mário também é feirante e possui uma barraca de pastel na qual trabalha toda terça, quarta, quinta e sexta-feira em outras feiras da cidade.

Quem está à frente desta ação é a Secretaria Municipal de Agricultura, Trabalho e Desenvolvimento Econômico, comandada pelo secretário, Gilberto Gonçalo Gomes. Todas as orientações em relação à mudança têm sido repassadas em reuniões realizadas com os feirantes desde o início de 2018, quando a pasta era conduzida pelo ex-secretário Vinicius Hugueney. A previsão era que a realocação ocorresse no dia 23 de dezembro do último ano, mas a classe sempre esteve resistente. A próxima data estabelecida pela Prefeitura é na segunda quinzena de fevereiro.

“Eu não concordo com a mudança, eu estou aqui há 20 e poucos anos e tenho três pontos na feira, onde trabalham eu e minha família. O espaço na praça é pequeno, eu prefiro aqui”, comenta Antônio José de Paula, de 63 anos, que vende frango caipira, na rua Bahia. Sua barraca é muito maior do que o tamanho que lhe será disponibilizado na praça.

De acordo com Gilberto Gomes, o trabalho está dentro do programa de desenvolvimento institucional da gestão e inclui o recadastramento dos autônomos, realizado pelos servidores da Secretaria desde o mês de novembro. Até o momento duas audiências já foram realizadas com a categoria, informando sobre as mudanças e orientado os feirantes sobre como se dará todo o processo. “Para além do cumprimento de um acordo, tudo foi feito de maneira organizada, priorizando o setor. Isso faz parte da proposta de humanização do prefeito Emanuel Pinheiro”, explica o secretário.

Marcilene dos Santos Carvalho, também feirante, desde 1997 vende bijuterias e acessórios ao lado do seu marido. A mudança também lhe preocupa e a sua principal preocupação é quanto aos eventos realizados na praça. Ela acredita também que o espaço deve ser utilizado pela comunidade e não pelos comerciantes. “Eu não concordo! Primeiro porque o espaço ali vai ficar muito apertado, segundo porque a praça não é local para colocar a gente para trabalhar. Quando tiver um evento como que vai disponibilizar a praça? A praça é para a comunidade”, pontua a feirante.

Segundo Marcilene, em relação aos eventos, a secretaria garantiu que, quando tiver, eles serão encerrados à meia noite, mas ela ainda questiona “tudo bem, meia noite acaba a festa, mas e a estrutura que estará montada, eles vão tirar tudo em poucas horas? ”. “Eu chego por volta das 4:30, mas têm feirantes que trabalham com produtos pesados que chegam mais cedo, porque têm muita coisa para arrumar”, completa. Trabalhar na feira é o único sustento da família de Marcilene. Ela tem um ponto em cada feira nas terças, quartas, sextas e sábados, além de domingo, ali no CPA.

De acordo com a estimativa de Mario Carreiro, a feira atualmente possui cerca de 600 pontos e a desvantagem será muito grande caso a mudança seja concretizada, tanto para os feirantes quanto para os clientes, que terão um espaço muito reduzido para circulação. “Nós representantes vamos lutar por um diálogo com a prefeitura para alcançarmos o entendimento entre as duas partes. O decreto prevê algumas vantagens, mas a realocação pode prejudicar os comerciantes”, garante.

FOTOS: Vanessa Moreno

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