Faltam 12 dias para os brasileiros de Jarudore serem arrancados de suas casas

O fatiamento de Jarudore

Um, dois, três, quatro… doze. Faltam 12 dias para os oficiais de justiça com proteção policial expulsarem de suas casas os moradores do primeiro fatiamento do distrito de Jarudore para efeito da desintrusão que objetiva entregar aquela área aos índios bororos. Após o pontapé do Estado Brasileiro, a comunidade atingida irá para a beira da estrada, sem rumo, sem léu. Assim será a previsível segunda diáspora em Mato Grosso no curto espaço de sete anos. Jarudore agoniza com os olhos marejados, o coração apertado e as mãos levantadas aos céus à espera de um milagre que neutralize a decisão  do juiz da 1ª Vara Federal de Rondonópolis, Victor de Carvalho Barbosa Albuquerque, que em 25 de junho determinou a expropiação, conforme publicação oficial em 5 de julho.

O prazo de 45 dias para o primeiro fatiamento chega ao fim. O segundo fatiamento foi estipulado para 45 dias depois. Daqui a 12 dias os moradores numa área de 1.930 hectares terão que pegar suas tralhas e saírem para o olho da rua. Um mês e meio depois – tendo o mesmo marco temporal – os que residem numa região com 1.730 hectares farão o mesmo. Cumpridas as duas desintrusões restarão 1.046 hectares que compreendem a vila de Jarudore e seu entorno.

A mão do Estado Brasileiro desce pesado sobre uma população que há 74 anos forma um comunidade de sitiantes, pequenos fazendeiros, comerciantes, professores, mecânicos, peões, donas de casa, aposentados, estudantes, servidores públicos, motoristas, tratoristas. Jarudore é a cara, o coração e a alma do Brasil interior.

O que acontecerá com Jarudore não será algo inédito em Mato Grosso. Em 2012, na vila Estrela do Araguaia, que era mais conhecida como Posto da Mata, a população foi arrancada de suas casas, a comunidade foi demolida por tratores diante de olhares vigilantes de militares e policiais por sentença da Justiça Federal. Posto da Mata e a área rural da gleba Suiá-Missú (conhecida na região como fazenda do Papa), abrigava 6.500 brasileiros, que ali viviam mansa e pacificamente há mais de três décadas. A vila  surgiu de ambos os lado do limite dos municípios de Alto Boa Vista e São Félix do Araguaia, no cruzamento das rodovias federais 158 e 242.

Posto da Mata foi riscado do mapa. Suas escolas, posto de saúde, igrejas, casas, tudo, tudo mesmo, virou escombros. A gleba, com 155 mil hectares, está reservada para aldeamento dos índios xavantes. Virou terra indígena Marãiwatsédé nos municípios de Alto Boa Vista, São Félix do Araguaia e Bom Jesus do Araguaia, no Vale do Araguaia.

Jarudore ainda que fosse somente uma fazenda seria minifúndio para os padrões agrários mato-grossenses, mas aquela comunidade abriga 1.650 brasileiros que cultivam pequenas áreas e os que residem na sede do distrito, pertencente a Poxoréu, no polo de Rondonópolis.

 Jarudore tenta com um pedido de efeitos suspensivo (à decisão do juiz em Rondonópolis) junto ao desembargador  João Batista Moreira, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que a contagem regressiva cesse, mas Brasília faz silêncio sepulcral.

Na próxima segunda-feira um grupo de representantes do distrito, liderado pelo pequeno produtor rural, comerciante em Jarudore e ex-presidente da Câmara de Poxoréu, Carlos Antônio do Carmo, o Mineiro, vai  a Brasília, em desespero. O caso está nas mãos do desembargador João Batista Moreira, com o qual os moradores do distrito ameaçado não terão contato.

Talvez os representantes de Jarudore viajem para que Brasília, o centro do poder, a cidade impessoal onde tudo se resolve, veja suas lágrimas, sinta o palpitar disparado de seus corações, o arfar de seus peitos. Talvez sonhem com um milagre. Talvez, porque em Mato Grosso, aparentemente, todas as portas se fecharam para eles:

A classe política, mesmo com vários de seus integrantes jurando fidelidade a Jarudore, está calada.

A Imprensa está calada. Quase não fala. Quando aborda o assunto, invariavelmente oferece o sabre para a decapitação de seus moradores.

Que Brasília ouça o choro de Jarudore. Que a classe política mato-grossense assuma seu papel sem temor que esse posicionamento contrarie o Ministério Público Federal – que investiga tantas cabeças coroadas do poder por aqui. Que a Imprensa reflita sobre seu papel, que também foi negativo no triste episódio de Posto da Mata.

Faltando 12 dias e com o primeiro deles a poucas horas de seu fim, o relógio corre contra Jarudore. Uma comunidade que tem o perfil das mãos calejadas está acuada num corredor da morte moral, social, econômica e pátria.

Que Brasil é esse, que marcou o começo do fim de Jarudore para 19 de agosto, daqui a 12 dias?

(Entendam o caso)

Cronologia de Jarudore

 

O rio Vermelho e o Morro do Coelho em Jarudore

1926 – O Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon constrói uma estação telegráfica à margem do rio Vermelho.

1945 – Mato Grosso cria a vila de Jarudore ao lado da estação telegráfica. Naquele mesmo ano, atendendo pedido do Marechal Rondon, o Estado destina aos bororos uma área de 4.791,33 hectares (corrigida para 4.706 hectares) desmembrada de outra, do Estado, pelo Decreto 664, de 18 de agosto, baixado pelo interventor federal Júlio Müller.

Rondon era estrategista e defendia os índios. Ao pedir a terra para eles, queria assegurar que os mesmos tivessem um ponto de apoio – ao lado do telégrafo – para sua viagens embarcadas pelo rio Vermelho (que eles chamam de Poguba) entre as suas reservas nas chamadas terras altas e suas aldeias no Pantanal.

1947 – Em 26 de junho, o governador Arnaldo Estevão de Figueiredo cria a Escola Estadual Franklin Cassiano da Silva, em Jarudore, como parte da política de instalação de escolas em pontos estratégicos na região de Rondonópolis, para assegurar educação aos filhos dos colonos pioneiros que ocupavam o vazio demográfico nas calhas dos rios São Lourenço e Vermelho. Essa escola é uma das referências do lugar.

1958 – Em 20 de agosto O Cartório do Registro de Imóveis da Comarca de Poxoréu averba a matrícula 3.547 da área de Jarudore para a Funai.

Em  25 de dezembro o governador João Ponce de Arruda sanciona a Lei 1.191 criando o Distrito de Paz de Jarudore no município de Poxoréu, com base num projeto de lei do deputado Mário Spinelli (PSP) aprovado pela Assembleia Legislativa.

1973 – Somente o capitão bororo Henriquea mulher dele, dona Ana, e a filha do casal e professora no distrito, Maria, residem em Jarudore. Os demais de sua etnia abandonaram Jarudore e mudaram para a reserva Sangradouro/Volta Grande. “Capitão” era designação de cacique.

1978 – Bororos levam o capitão Henrique e seus familiares para a reserva Sangradouro/Volta Grande. Com a saída da família, a área onde viviam é ocupada pelo capitão José Luiz Quearuvare – também grafado Kiaruvare.  Naquele ano o capitão José Luiz deixa Jarudore.

2006 – Em 22 de junho a cacique Maria Aparecida Tore Ekureudo, da reserva Sangradouro/Volta Grande chega a Jarudore à frente de um grupo de 32 bororos, ocupa um sítio distante 7 quilômetros da área urbana e cujo posseiro é estranho aos moradores, e fixa o cartaz: “Área Indígena Aldeia Nova Bororos”.

Jarudore

No dia 25 de junho o procurador da República em Mato Grosso, Mário Lúcio Avelar, e o procurador Federal Cezar Augusto Lima Nascimento, representando a Funai, ingressam com uma Ação Civil Pública com pedido de liminar de antecipação de tutela específica, ao juiz da 3ª Vara da Justiça Federal em Cuiabá, César Augusto Bearsi, pela reintegração da área de Jarudore aos bororos. Até então os bororos não habitavam aquela área. Posteriormente, com a criação da Justiça Federal em Rondonópolis, a ação passou a tramitar na 1ª Vara daquela cidade.

Quem descobriu o sítio desocupado temporariamente que em seguida seria ocupado pelos bororos foi João Osmar Lopes, o Gaúchogenro da cacique Maria Aparecida. Gaúcho trabalhava numa linha de leite e conhecia bem a região.

Desde a chegada dos bororos Jarudore passou a enfrentar problemas de diversas naturezas.

Solução

Jarudore é antropizada e ocupada mansa e pacificamente há 74 anos. Uma composição satisfatória para todos seria o Estado adquirir uma área igual ou maior ao distrito, e anexa a uma das reservas dos bororos, e lhes dar em compensação  por aquela onde efetivamente nunca foram aldeados. Para que isso aconteça seria necessário uma ampla costura política e amparo da União em seu sentido mais amplo.

 

Eduardo Gomes de Andrade – blogdoeduardogomes

FOTOS: Arquivo

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Comentários (5)
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  • Maria Eunice

    Um crime contra o Brasil

    Maria Eunice – Poxoréu – via Facebook

  • Rosângela Costa

    A ultima palavra é do senhor! e ele ja decretou nossa Vitória…
    Rosângela Costa – Jarudore – via Facebook

  • Carlos Júnior

    É inacreditável o que estão fazendo com o povo de Jarudore.
    Carlos Júnior – via Facebook

  • Rosimary Rosa

    Jarudore sofre! Muito triste por essas famílias. Quando a dor do outro te atinge é porque vc ainda tem Deus no coração.
    Rosimary Rosa – via Facebook

  • Marilu Rodrigues

    Que justiça é essa… que leva injustiça e sofrimento a muitos
    Marilu Rodrigues – via Facebook