Expominério e o ouro nosso de cada dia

Eduardo Gomes

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EXPOMINÉRIO – Na feira mineral mais importante do Centro-Oeste surge uma governança para excluir o mercúrio do garimpo

A Expominério, mesmo com seus números superlativos, poderia ser apenas mais uma grande feira de negócios, debates, palestras e oportunidades, mas foi além e saiu do lugar comum de suas similares de outras cadeias econômicas. Um projeto piloto para sepultar a utilização do mercúrio no garimpo de ouro, e assim, abrir caminho para sua rastreabilidade a fez diferente. Não houve reinvenção da roda, mas seguramente a partir de agora sua movimentação aliviará o meio ambiente com a contaminação do metal pesado e cumulativo que bota em risco não somente os garimpeiros, mas, também, a população ribeirinha nas três bacias hidrográficas de Mato Grosso. A Expominério, que é considerada a maior do setor no Centro-Oeste, não poderia mesmo ter outro palco, senão Cuiabá, a única capital brasileira que surgiu do garimpo e para onde converge a maior economia agrícola nacional, arrancada no solo de um estado que é o quinto produtor mineral do país, mas que em breve ocupará lugar ainda mais alto no pódio da mineração. Durante três dias, de 26 a 28 de novembro, os olhos do empresariado do setor mineral, dos garimpeiros, geólogos, engenheiros de minas, pesquisadores, ambientalistas, juristas, economistas e das autoridades políticas estiveram voltados para o Centro de Eventos do Pantanal, onde a programação se desenrolou.

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A mineração e o garimpo de ouro são considerados vilões ambientais. Muito embora a extração do metal aconteça em superfícies pequenas se comparadas com a extensão das lavouras de rotação de cultura, os danos ambientais da segunda são maiores por conta da utilização do mercúrio. Estudos de diversas universidades feitos em décadas diferentes comprovam a contaminação de ribeirinhos pelo mercúrio, em razão do consumo de peixe. Se aos que consomem o pescado e aves aquáticas, imaginem as condições do garimpeiro que fica exposto àquele metal altamente tóxico.

Durante anos a utilização do mercúrio foi negada e em alguns casos quando havia constatação de seu emprego, a parte responsável por ele optava pelo silêncio. Porém, finalmente alguém botou o dedo nessa ferida. Na Expominério uma governança entre o Instituto Brasil de Gemas e Metais Preciosos (IBGM) e as mineradoras Moriá, Chimbuva, Santa Clar, Buriti, Avante e Chapéu do Sol, todas no Vale do Rio Cuiabá, com a bênção do governo estadual, aponta para o fim do mercúrio, o que se revestirá de ganho ambiental com reflexos positivos para a saúde humana e será a porta de entrada para a rastreabilidade no ouro no mercado internacional, a exemplo do que acontece com a carne e a soja.

Roberto Cavalcante, presidente da Comissão de Mineração do IBGM acredita que será possível eliminar o mercúrio num prazo relativamente curto. A eliminação não é bicho de sete cabeças e a prática resiste mais pela cultura arraigada da utilização do mercúrio do que por sua necessidade. Cavalcante observa que não é preciso uma máquina moderna para substituir o metal. Uma simples peneira que funcione em vai e vem suspensa e mantida sobre colunas nas pontas, no mesmo sistema operacional da máquina de arroz, que faz o grão do cereal girar como se dançasse, com o uso da água, consegue substituir o vilão mercúrio.

Gilson Camboim, que preside a Federação das Cooperativas de Mineração de Mato Grosso (Fecomin), engrossa a fila pelo fim do mercúrio e citou uma série de avanços tecnológicos que surgiram em centros de pesquisas e que podem substituir o metal. O emprego do extrato da folha do pau-de-balsa e o processo do bombeamento e filtragem de água foram lembrados por ele.

Camboim é o líder da maior cooperativa de garimpeiros de ouro no mundo, a Coogavepe, em Peixoto de Azevedo. Camboim destacou o papel do cooperativismo na luta por soluções que substituam o mercúrio.

A governança pelo fim do mercúrio foi incentivada pelo empresário mato-grossense Valdinei Mauro de Souza, o Nei Garimpeiro, que é referência nacional entre o empresariado da mineração. A governança virou o xodó da Expominério e os detalhes sobre sua operacionalização constam da Carta de Cuiabá, firmada entre os participantes.

A governança será uma ilha de excelência ambiental, num universo ainda a ser adequado às exigências ambientais internacionais. Todos reconhecem essa realidade e que ela será abre-alas para o restante da mineração no Vale do Rio Cuiabá e nos demais polos garimpeiros em Peixoto de Azevedo – onde são extraídos 4% do ouro brasileiro – Alta Floresta, Paranaíta, Pontes e Lacerda, Nova Xavantina, Vila Bela da Santíssima Trindade, Matupá, Terra Nova do Norte, Nova Guarita, Guarantã do Norte e Novo Mundo.

A governança com as seis mineradoras criará identidade internacional para o ouro por elas extraído, pois a rastreabilidade provará que ele foi explotado sem utilização do mercúrio, em área sem pendência agrária e por empresa sem a pecha de utilizar mão de obra análoga a trabalho escravo.

Em efeito econômico cascata, o ouro também cria mercado para a economia circulante, com o aproveitamento de seu rejeito para a fabricação e vasos decorativos, e peças de mobiliário residencial e comercial.

SELOS – Como forma de reconhecer e de premiar as empresas que adotam práticas de responsabilidade social, gestão ambiental correta e tecnologia limpa, a Assembleia Legislativas lhes concederá os selos de “Mineração Social” e “Mineração Sustentável”. Essas premiações foram criadas pela Assembleia Legislativa ao aprovar um projeto do presidente Max Russi (PSB), sancionado pelo governador Mauro Mendes (União). Os dois selos foram lançados por Max na Expominério.

PROGRAMAÇÃO – O ambiente na Expominério era de negócios, de motivação e de informações sobre os elos da cadeia mineral por meio de palestras e cursos de curta duração. Em meio a isso, vídeos mostraram a realidade de Mato Grosso no setor.

O sonho na palma da mão

UNIVERSO – Mato Grosso é um universo mineral. Além do ouro, tem reservas de diamante em Poxoréu, Tesouro, Guiratinga, Paranatinga, Arenápolis, Nortelândia, Nova Marilândia, Alto Paraguai e Juína; de zinco, em Aripuanã; de calcário em Nobres, Cocalinho e Poxoréu; produção industrial de cimento em Nobres e Cuiabá; engarrafamento de água mineral em Dom Aquino, Rondonópolis, Chapada dos Guimarães e Cuiabá; de minério de ferro em Juína e Cocalinho; de argila para cerâmica, em vários municípios; e de outros minerais.

A diversificação mineral deixa 23% do território de 903 mil km² em processos minerais, mas somente 1% da área global está em processo extrativo. A movimentação desta cadeia, no entanto, registra números acanhados no recolhimento da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), que no ano passado, resultou num recolhimento de R$ 123 milhões.

Investimentos e movimentação financeira do setor mineral são mantidos a sete chaves, com algumas exceções, como é o caso da multinacional da mineração e metalurgia Nexa Resources, que substituiu a Votorantim, em Aripuanã. A Nexa investe US$ 354,3 milhões num projeto para a extração de zinco, chumbo, cobre e ouro, que direta e indiretamente responde pelo mercado de trabalho naquele município com 27 mil habitantes.

Mato Grosso nasce com o garimpo

O garimpo antecipou a ocupação de Mato Grosso. Em 1719, quando a região era um imenso vazio demográfico numa área onde Portugal não sabia onde terminava seu domínio e a Espanha desconhecia o ponto inicial de seu colonialismo, os garimpeiros brasileiros chegaram e expandiram a base territorial do país. Foi assim, naquele ano, que o bandeirante Pascoal Moreira Cabral fundou Cuiabá, onde a atividade econômica era a movimentação a extração de ouro por Miguel Sutil nas famosas Lavras do Sutil.

Nos primórdios da colonização o ouro e o diamante levaram à fundação de Cuiabá, Diamantino, Rosário Oeste, Nossa Senhora do Livramento e Poconé. Mais tarde a corrida pelos garimpos fez brotar Alto Araguaia, Alto Garças, Araguainha, Ponte Branca, Torixoréu, Barra do Garças, Poxoréu, Guiratinga, Tesouro, Itiquira, Paranatinga, Nova Marilândia, Alto Paraguai, Nortelândia e Arenápolis, e assegurou a continuidade da ocupação urbana das embrionárias Aripuanã, Peixoto de Azevedo, Alta Floresta, Paranaíta, Apiacás, Novo Mundo, Guarantã do Norte, Matupá, Terra Nova do Norte, Nova Canaã do Norte e Carlinda.

Além da criação de dezenas de cidades, o garimpo permitiu que surgissem ou se fortalecessem outras, em seu entorno, como é o caso de Rondonópolis, que nos anos 1940 recebeu fluxos migratórios de famílias nordestinas que por ali passavam rumo aos garimpos de Poxoréu e do rio Garças.

Calcário em Nobres

As jazidas de calcário contribuíram para a expansão agrícola mato-grossense. Insumo imprescindível no cultivo em áreas de cerrado, para correção do solo, o calcário em Nobres abriu portas para o maior polo agrícola do mundo, formado por Sorriso, Lucas do Rio Verde, Nova Mutum, Tangará da Serra, Diamantino, Vera, Santa Carmem, Cláudia, Nova Ubiratã, Santa Rita do Trivelato, Boa Esperança do Norte, Marcelândia, Ipiranga do Norte, Itanhangá, Tapurah, Tabaporã, Juara, Novo Horizonte do Norte, Nova Canaã do Norte, ´Feliz Natal, São José do Rio Claro, Nova Maringá, Campo Novo do Parecis, Sapezal, Campos de Júlio e Comodoro.

Insumo de baixo custo, o calcário quanto mais próximo da lavoura estiver, mais lucrativo será para o produtor rural, em razão do frete. Nos anos 1950, o empresário japonês Yasutaro Matsubara recebeu do presidente Getúlio Vargas uma gleba de 250 mil hectares no rio Ferro, então município de Chapada dos Guimarães. Paulo Japonês, filho de Matsubara, dirigia o projeto e tentou levá-lo adiante, mas a acidez do solo inviabilizou a produção e o projeto foi por águas abaixo. À época o calcário era estranho e os poucos que o conheciam não sabiam que em Nobres, distante 300 km da gleba havia uma jazida de calcário. Hoje, a região pertence aos municípios de Feliz Natal e Nova Ubiratã, ambos grandes produtores agrícolas.

 

IDENTIDADE – Mato Grosso tem arraigada identidade com o garimpo. Diamantino recebeu este nome por ser uma das referências na extração do diamante.

O lendário garimpeiro e político João José de Moraes, o Cajango, pioneiro no rio Garças, denominou de Tesouro um currutela que surgia, por acreditar que seu subsolo guardava imensa riqueza diamantífera – e ele não estava errado.

NORTÃO – Nos anos 1970 a descoberta do ouro na calha do rio Teles Pires, no Nortão, mudou o foco econômico daquela região, que era colonizada por grandes grupos empresariais que planejavam vender áreas para a pecuária e a agricultura. Atraídos pela aventura do garimpo, milhares de nortistas e nordestinos chegaram a Alta Floresta, Peixoto de Azevedo e a outras localidades. Os salários da agropecuária não tinham condições de concorrer com o garimpo, o que ocasionou o esvaziamento do campo. Findo o ciclo do ouro na década de 1990, houve o reordenamento econômico e social.

No auge do garimpo no Teles Pires, as cidades chegavam antes do Estado, que praticamente era ausente na região. Por sorte a iniciativa privada e ações humanitárias se faziam presentes. Em Matupá a freira Irmã Adelis, do Hospital da Malária, era referência em saúde num raio de 300 km que incluía o Sul do Pará.

A malária era a principal causa de morte no Nortão, seguida pelos assassinatos. Sem saúde pública, todos recorriam à Irmã Adelis, que liderava o funcionamento do Hospital da Malária, onde leitos em camas desmontáveis e improvisados em esteiras, no chão, nem sempre eram suficientes para atender à demanda.

Mesmo após o ciclo, o metal permanece sendo explotado por cooperativas e empresas de mineração, mas a aventura garimpeira é coisa do passado.  

DANOS – A fiscalização do garimpo e da mineração é dificultada pela falta de estrutura dos órgãos responsáveis. Um dos exemplos da agressão ambiental garimpeira, por falta de controle pelos governos federal e estadual é o rio Bento Gomes, que responde pela água distribuída em Poconé. Em 2021 o Bento Gomes secou; foi um período crítico de seca no Pantanal – a região de Poconé – mas, segundo ambientalistas, o rio sentiu o efeito da mineração desenfreada a montante da cidade.

Agricultura mecanizada, desmatamento e garimpo são apontados como os principais vilões ambientais em Mato Grosso, com forte impacto sobre as populações indígenas. As lavouras são cultivadas fora das terras sob a tutela da Funai e os vizinhos mantêm uma área de amortecimento. O desmatamento tem sido vigiado por satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) em tempo real e nas rodovias fiscais e policiais rodoviários federais controlam o trânsito de veículos transportadores de toras e madeira beneficiada. No entanto, o garimpo do ouro e diamante é mantido em algumas áreas.

O cultivo agrícola não avança sobre as terras dos índios e algumas etnias passaram a produzir soja e milho. Em Tangará da Serra, no Chapadão do Parecis, as etnias Pareci, Nambikwara e Manoki cultivam cerca de 20 mil hectares de soja e milho; a produção é administrada pela Cooperativa Agropecuária do Povo Indígena Haliti-Pareci, administrada por indivíduos da etnia, com formação universitária e plenamente integrados ao processo econômico, sem se distanciar de seus costumes, como é o caso da veterinária Francisneide Avelino Kanezaquenazokaero.

Os indígenas que entraram no processo produtivo alcançaram independência financeira, melhoraram o padrão de vida e tornaram-se menos dependentes do governo federal. Resta avaliar um processo análogo a esse na área da mineração, uma vez que o desmatamento é algo inconcebível quando se trata de preservação ambiental territorial.

A Terra Indígena Sararé, dos nambikwaras, com 67 mil hectares em Conquista D’Oeste, Nova Lacerda e Vila Bela da Santíssima Trindade é rica em ouro e há mais de 40 anos é invadida por garimpeiros, apesar de sucessivas operações da Polícia Federal e da Força Nacional para retirá-los.

O ouro em Sararé é encontrado à margem do rio que dá nome à terra indígena. Uma corrente defende que o governo deveria flexibilizar a exploração mineral controlada em territórios indígena, com acompanhamento pelos órgãos fiscalizadores e proteção policial. Se esse entendimento prevalecer, ficará mais fácil fiscalizar e controlar a presença de garimpeiros.

A presença dos garimpeiros é um tema polêmico, pois a mesma somente acontece com o consentimento dos caciques e outros líderes nambikwaras, que levam vantagem financeira. Se houver a regulamentação, tanto a extração como o comércio estarão sob controle do governo, e o resultado obtido com a venda para as Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) poderia ser dividido entre os indivíduos aldeados, com parte sendo destinada para recomposição ambiental.

 

 

Fotos:

1 – Internet

2 e 6 – Divulgação

3 e 7 – Eduardo Gomes

8 – Prefeitura Diamantino 

9 – Funai

 

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