A turbulência não durou muito e o bimotor ganhou um céu de brigadeiro. Das janelas descortinava-se Mato Grosso plural com suas pastagens, áreas mecanizadas para agricultura, rios e matas. Refeito do susto, um dos jornalistas passou a exibir conhecimento da rota que nos guiava à fazenda Saudade, da Rede Globo, em Cocalinho, onde o governador Dante de Oliveira, o vice-governador de Goiás, Naftali de Souza e o herdeiro de Roberto Marinho e vice-presidente das Organizações Globo, José Roberto Marinho, participariam do lançamento de uma campanha de vacinação de bovinos e bubalinos contra a febre aftosa.
Quando o bimotor cruzou a BR-158, o jornalista conhecedor da região disse que a rodovia ligava Barra do Garças a Vila Rica, e que por uma bifurcação via São José do Xingu, poderia se chegar a Matupá. Não satisfeito com a descrição, acrescentou que a palavra Matupá é a junção com pequenas alterações das siglas Mato Grosso, Tocantins e Pará, e que a cidade foi construída para ser capital do futuro Estado de Mato Grosso do Norte.
O senhor de postura nobre falou pela segunda vez no voo – no embarque ele cumprimentou os companheiros de viagem. Disse que não poderia se calar em relação a Matupá. Contou que foi o engenheiro autor do projeto urbanístico daquela cidade e revelou a origem de seu nome.
Matupá, segundo ele, é o nome que os índios dão às ilhotas que se formam com o desmoronamento das margens dos rios, e que flutuam às vezes por quilômetros, até serem tragadas pelas águas. “Estava no barranco do rio Peixoto de Azevedo (que banha Matupá) e um pedaço de terra se desagarrou da margem. Lembrei-me que um índio que trabalhou comigo na abertura da BR-158 havia me dito que aquilo era um Matupá. Daí, dei esse nome àquele núcleo urbano que construía para o Grupo Ometto”, explicou.
Um silêncio de respeito e admiração tomou conta do bimotor. E, após a correção, ele se calou e aderiu ao silencioso coro dos demais passageiros.
Eu era o único no bimotor que conhecia o engenheiro que implantou a BR-158 de Barra do Garças a Alto Boa Vista, rodovia que era chamada de Estrada da Suiá-Missú; e que planejou Matupá. Revelei aos colegas que de sua prancheta também nasceram Juruena e Cotriguaçu, além de Caracaraí, em Roraima. Disse que ele tinha um currículo fabuloso e que presidia o Conselho Nacional de Pecuária de Corte (CNPC). Aquele senhor de postura nobre que voou conosco para Cocalinho é João Carlos de Souza Meirelles, secretário de Estado de Energia em São Paulo, amigo do governador Geraldo Alckmin, presidiu a Câmara Municipal de São Paulo e foi colega de vereança paulistana de Mário Covas. É o Meirelles.
EDUARDO GOMES DE ANDRADE – Extraído do livro ‘DOIS DEDOS DE PROSA EM SILÊNCIO – PRA RIR, REFLETIR E ARGUIR“, de sua autoria, publicado em 2015, sem apoio das leis de incentivos culturais.
Ilustração: GENERINO
Capa do livro: ÉDSON XAVIER