É tempo de Liberté, Egalité, Fraternité, paz e aprendizado

Liberté, Egalité, Fraternité. Esse o lema da Revolução Francesa. É bom ouvir quem prega esse princípio, ainda que incorreções no caminhar preocupem quem o ouve. Esse princípio é francês. Da França símbolo da democracia e ao mesmo tempo colonizadora, e do herói De Gaulle e do falastrão Emmanuel Macron.
Além de ouvir o princípio acima, é bom que tenhamos em conta a presença francesa entre nós, que malandramente aportuguesamos algumas de suas palavras adotadas no nosso cotidiano, e outras não, preservando grafia e pronúncia. Cabaré, maiô. bustiê, sutian, rendez-vouz, voyeur, lingerie, batom, pignoir, champanha, maquilagem, abajur, conhaque… isso pra ficar somente no âmbito das quatro paredes, onde também cabe menáge à trois.
Jânio Quadros

Pois bem. numa incorreção verbal Macron mostrou suas unhas ameaçadoras sobre a Amazônia. De imediato Jair Bolsonaro deu o troco, num nível tão baixo quanto o do  colega francês – e com a desvantagem de expor a senhora – madame no língua deles – Macron, Brigitte Marie-Claude.

Nem Macron nem Bolsonaro deveriam chafurdar. Chefe de Estado precisa postura, até mesmo em situações onde a diplomacia não mais funciona. Foi assim entre 1961 e 1963, quando Brasil e França se enfrentaram num estranho contencioso diferente dos demais mundo afora, e que recebeu o título de Guerra da Lagosta. Pescadores franceses invadiam nosso litoral atrás do famoso crustáceo. Brasília reagiu e Paris se fez de morto. O governo brasileiro deslocou a Marinha para a área em questão e estivemos a um passo do primeiro disparo.
Jacqueline Bisset

Indignado com o incidente, o presidente Jânio Quadros fez um planejamento militar para invadir a Guiana Francesa. Marinha, Aeronáutica e o Exército foram mobilizados, O principal avanço seria por terra, tendo à frente o futuro presidente marechal Castelo Branco, que comandava as forças terrestres em Recife. Militares entenderam o plano como insano e o abortaram. Há quem diga que a ordem do presidente também incluía invadir as guianas Inglesa e Holandesa. Logo após essa tentativa Jânio renunciou.

A Guerra da Lagosta acabou como começou: em paz. A insensatez de Macron sobre a Amazônia terá o mesmo desfecho, apesar do calo que ficará com o deboche de Bolsonaro sobre Brigitte – o que também fez o Posto Ipiranga num momento de extrema infelicidade e irresponsabilidade.
Barão de Melgaço

Vive le France! Viva a França do nosso herói Augusto Leverger, o Barão de Melgaço, o ex-mercenário, mulherengo, homem das letras e militar de primeira linha, que governou Mato Grosso várias vezes e impediu que Cuiabá fosse invadida quando da guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai.

Vive le France! Viva a França de Zidane, que nos faz freguês, nos bota em seu menu do futebol.
Vive le France! Viva a França da bela e sensual Jacqueline Bisset, que invadia a minha Rondonópolis ao volante de um Toyota Bandeirante pra comer pastel no Bar do Davi.
Vive le France! Viva a França da Belle de Jour Catherine Deneuve, que virou paródia musical de Alceu Valença:
Eu lembro da moça bonita
Da praia de Boa Viagem
E a moça no meio da tarde
De um Domingo azul
Azul era Belle de Jour
Era a bela da tarde
Seus olhos azuis como a tarde
Na tarde de um Domingo azul
La Belle de Jour!
O carrasco Zidane

Vive la France! Viva a França que em 2000 nos empurrou um porta-aviões banheira chamado São Paulo, pra massagear o ego do presidente FHC, paulista, que queria empatar com o mineiro JK, que por sua vez comprou o porta-aviões Minas Gerais.

Vive la France! Viva a França com seus jatos comerciais Airbus  que cruzam nossos céus, e seus Mirrage com o símbolo da FAB, que durante anos foram motivo de orgulho da avião militar brasileira.
Vive la France! Viva a França e que sejamos bons vizinhos ao Norte, onde seu território ultramarino recebe bem nossos garimpeiros, prostitutas, turistas e agricultores que ali cultivam o solo abençoado da América do Sul.
Vive la France! Viva a França da patriótica Marselhesa:

 

… Aux armes citoyens

Formez vos bataillons

Marchons! Marchons!

Qu’un sang impur

Abreuve nos sillons…

Brigitte Bardot

Oremos pelos missionários franceses que em solo mato-grossense avançam sobre as aldeias ensinando aos índios o que é pecado mortal e pecado venial, numa prática comum a religiosos do mundo inteiro sob inspiração da Santa Madre romana e de incontáveis denominações cristãs. Peçamos por eles, que indiferentes a Macron e Bolsonaro roubam a crença e os costumes de indígenas em nosso Mato Grosso.

 

Paz com a França. Ela territorialmente em seus domínios. Nós, soberanos sobre a Amazônia. Reverenciemos a terra amiga onde muitos de nossos corruptos de esquerda e direita costumam buscar imaginários abrigos, onde intelectuais encontram inspiração – entre um bom vinho e outro ou nos cafés parisienses – para suas composições contra a opressão capitalista. Viva Chico Buarque de Hollanda, que é a cara dessa gente.
O Paletó é francês

Paz com a França. Muita paz com a terra de Brigitte Bardot, que há algumas décadas foi a namoradinha do Brasil e símbolo da sensualidade, que virou tema de tantas músicas brasileiras que dá até um pot-pourri.

Muita paz com a França. É de seu linguajar e seu dicionário a palavrinha, que em Cuiabá é símbolo da corrupção: Paletot, que nós com o melhor da criatividade brasileira chamamos de Paletó.
Sempre paz com a França que cultivou em Itiquira o segundo maior seringal contínuo do mundo e ali instalou uma usina beneficiadora de látex da fabricante de pneus E. Michelin.
Neste 7 de Setembro, antes de nos preocuparmos com a França, de defendermos o ofelismo de Bolsonaro ou de crucifica-lo, voltemos o pensamento aos nossos problemas. E viva o alfaiate francês que inventou o Paletó, pra nos abrir os olhos sobre uma prática arraigada nesta Terra de Rondon.
Merci!
Eduardo Gomes é jornalista
eduardogomes.ega@gmail.com
FOTOS:
1 e 5 – Google
2 e 4 – Arquivo Nacional
3 e 6 Divulgação
7 – Sobre imagem da TV Globo
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