Dom Quixote e as causas perdidas

Aproveitando a deixa do professor Sérgio Cintra que se caracterizou de Dom Quixote e assim conduziu sua participação no chamado Aulão do Enem do Colégio Fato no domingo 21, no Centro de Eventos do Pantanal, em Cuiabá, falo aqui um pouco dessa paixão universal.

De acordo com dados confiáveis, ‘Dom Quixote de La Mancha’, de Miguel de Cervantes, é o segundo livro mais lido no mundo em todos os tempos, só perdendo para a Bíblia. E que, ao longo do tempo, tem arrancado declarações de amor de gente de todas as raças, incluindo aí alguns gênios a exemplo de William Faulkner: “Leio o ‘Quixote’ todos os anos como outros leem a Bíblia”; e Fiódor Dostoiévski: “Nada existe de mais profundo e poderoso no mundo do que essa peça de ficção. É a última e máxima palavra do pensamento humano”.

Também para mim, entre todas as leituras, nenhuma se compara ao monumental romance do espanhol da Mancha em deleite e vontade de sempre ler, e reler, e ‘treler’.

No seio da narrativa, penso que nada também se compara à amizade do protagonista com o escudeiro Sancho Pança, e as conversas riquíssimas em graça e sabedoria que brotam da convivência dos dois em suas jornadas de sonho, loucura mansa e magia, pelas estradas. Tão amigos que um até se rejubila por se sentir ainda mais louco que o outro, como na reflexão a seguir, de Sancho: “Esse meu mestre, por mil sinais, foi visto como um lunático, e também eu não fiquei para trás, pois sou mais pateta que ele, já que o sigo e o sirvo, se é verdadeiro o refrão que diz: ‘diga-me com quem anda e te direi quem és’ e o outro de ‘não com quem nasce, mas com quem passa’”.

Dentre os símbolos que destaca no livro, Sérgio lembra os moinhos de vento e a devoção às causas perdidas, dentre outros.

O argentino Jorge Luis Borges, num dos diversos textos que escreveu sobre o ‘Quixote’, nos adverte que “a um cavalheiro só interessam as causas perdidas”.

Por falar em causas plausíveis e implausíveis, que o mundo ainda possa continuar oferecendo abrigo a esses idealistas que mais se importam com o ideal que se abraça do que com as chances de vitória.

Num tempo como este que tristemente vivemos no Brasil, na encruzilhada de ter de optar por um candidato que nem é o do nosso coração para tentar fugir de outro ainda menos desejável, a lembrança do Quixote e de seu ideal inquebrantável não deixa de ser um bálsamo.

E que bálsamo!

MARINALDO CUSTÓDIO, escritor, é mestre em Literatura Brasileira pela UFF
mcmarinaldo@hotmail.com

 

Publicado no Jornal Diário de Cuiabá edição 24 outubro 2018 Pág. A2 e também na versão eletrônica daquele matutino em www.diariodecuiaba.com.br