De Zé e Maria Mato Grosso

Em Cuiabá o palacianismo no TRT…
Até então Mato Grosso faz crônico e preocupante silêncio sepulcral sobre a ausência do Estado fora dos limites do aglomerado urbano da capital. Com a pandemia o cidadão que vive distante dessa área e desconhece  os meandros do poder será despertado; tomara que assuma sua cidadania e lute contra essa aberração. Quem mora em Cuiabá e Várzea Grande sabe sobre a realidade da Saúde Pública nos dois municípios, o que é motivo mais que suficiente para levá-lo a questionar o quê de tamanho descompromisso oficial com a Terra de Rondon; que levante a voz contra essa imoralidade, embora tal postura pareça impossível pelas regras vigentes do jogo.

Para mostrar o que acontece em Mato Grosso o site retroage a 1980, o ano do grande salto do agronegócio e o marco para o surgimento de municípios. Àquela época, recém-dividido territorialmente com a criação de Mato Grosso do Sul, o Estado tinha 1.138.691 habitantes e cultivava 12 mil hectares (ha) de soja – safra de 16.560 toneladas (t). Com a instalação das prefeituras de Sinop, Alta Floresta e Colíder, no ano anterior, tínhamos 40 municípios. Agora a população é de 3.484.466 habitantes em 141 municípios; o cultivo da leguminosa ocupa 9,78 milhões/ha e a safra alcança 32,45 milhões/t numa área que no mesmo ano produz outra lavoura em escala – a chamada safrinha -, com semeaduras em plantio direto registrando produtividades invejáveis mundo afora.

… Na Assembleia Legislativa e…

Em 40 anos saímos do quase vazio demográfico e da produção mínima, para uma região racionalmente ocupada com baixa densidade demográfica fora de Cuiabá e caracterizada pela absoluta ausência do Estado nos municípios, onde a falta de saneamento básico ganha contornos de irresponsabilidade, a Segurança Pública perde a guerra contra o crime organizado ou não, há superpopulação carcerária, o principal acesso de alguns municípios depende de balsa para cruzar rio e onde a Saúde Pública é verdadeiro atentado contra a vida do cidadão.

Chegamos a um Estado que é um dos alicerces da política de segurança alimentar mundial. Quem garante essa produção, da porteira pra dentro, é o mesmo cidadão que no melhor sentido da palavra usurpa funções do governo quando uma ponte quebra, um bueiro rompe, o teto de uma escola desaba, quando falta requisição para abastecer as viaturas policiais etc.

A pandemia do novo coronavírus provocou quatro mortes e infecta 134 em Mato Grosso. São números considerados baixos estatisticamente, mas, vistos pelo aspecto humano se revestem de dor, lágrimas e luto pelos que perderam a vida e os que enfrentam a doença. Nesse contexto não somos área de grande proliferação do vírus, ao contrário do que acontece com a hanseníase que nos faz hiperendêmicos – nos patamares indianos.

Pelo ponto de vista ideológico estampado em debates nas redes sociais, a pandemia é algo distante e abstrato, para os que defendem o presidente Jair Bolsonaro; e uma possível ameaça, para os críticos de Bolsonaro. Para a mídia, com uma exceção aqui, ali ou acolá, tudo não passa de mais uma oportunidade para bajular o governador democrata Mauro Mendes, que segundo páginas eletrônicas e impressas estaria se portando como grande herói e timoneiro na defesa da população mato-grossense.

… No Senar

Longe dos debates virtuais e da chapa branca jornalística, o cidadão que reside fora de Cuiabá, e que convive com a precariedade da Saúde Pública em seu município acende a luz da desconfiança. Acende por não ter UTI ou até mesmo um simples hospital para atendimento à média complexidade, enquanto na capital os poderosos fatiam o poder com empregos, constroem obras do palacianismo, desfrutam mordomias e recebem direitos adquiridos que chegam a somas astronômicas. Essa luz leva ao questionamento e clareia com o temor da pandemia que ronda maligna, impiedosa, sem distinção de classe ou faixa etária e mata indistintamente mundo afora. O cidadão, que até então não se atentava para a falta de Saúde Pública vê que está abandonado injustamente pra que sobre dinheiro aos donos do poder. Seu questionamento se ficar restrito ao seu núcleo, não provocará mudanças na conduta arraigada dos que mamam nas generosas tetas do Estado. Porém, se ele for às redes sociais elevando sua voz com justa indignação, contribuirá para a formação de uma bola de neve, que aumentará sempre e que mais dia menos dia, mudará o rumo dos três poderes em Mato Grosso.

Se o cidadão que mora num município sem hospital observar que enquanto sua família está desprotegida a Casa Civil de Mauro Mendes e chefiada por Mauro Carvalho tem cerca de 300 barnabés e cinco secretários-adjuntos: Antônio Marcos Rachid Jaudy, Adjaime Ramos de Souza, Wanderson de Jesus Nogueira, Cesar Claudiomiro Viana de Brum, Laice Souza e Carlos Brito, que foi uma das figuras mais ligadas a José Riva e Silval Barbosa. Se ele se atentar que seu município não tem ponte no seu principal acesso e que o deputado estadual tucano Wilson Santos ao bandear para a base de sustentação de Mauro Mendes recebeu uma fatia do governo, o que entre outros mimos resultou na nomeação de seu escudeiro Reginaldo Amorim, para o aspônico cargo de assessor especial da Metamat. Caso se atente para isso e erga a voz em coro com seus vizinhos – e esse grito se espalhando pelos municípios – esse compadrio será desmascarado.

Em muitos municípios o único leito é o do Dr. Ambulância, que transporta para Cuiabá

Se o cidadão sem UTI, hospital e médico em seu município exigir que ao invés do empreguismo na Assembleia, governo e Tribunal de Contas do Estado (TCE), a dinheirama que mensalmente faz a festa dos apaniguados seja destinada à Saúde Pública, sua voz somada à de milhares de outros abalará essa prática, que somente pode ser enfrentada com a soma do grito das ruas e a manifestação do voto.

Não há Saúde Pública em Mato Grosso. Pelo menos em qualidade mínima e capacidade de atendimento. Mas sobram recursos para pagamento de imorais aposentadorias a Carlos Bezerra, Oscar Ribeiro, Roberto Nunes, Osvaldo Sobrinho, Júlio Campos, Emanuel Pinheiro, Ubiratan Spinelli, Ricardo Corrêa, Luiz Soares, Antônio Schommer, Joaquim Sucena, Jalves de Laet, Romoaldo Júnior, Gilmar Fabris, José Lacerda, Thelma de Oliveira e Sinéia Abreu (ambas por pensão), Pedro Satélite, Dilceu Dal’Bosco, Dito Pinto, Rodrigues Palma, Humberto Bosaipo, Antônio Ferreira Neto, Thaís Barbosa, Roberto França, Isaias Rezende e dezenas de outros.

Mato Grosso criou a cultura do apadrinhado pelos cofres públicos. O ex-governador Frederico Campos lamenta em entrevista recente que se sente perseguido por conta da aposentaria de governador que deixou de receber por força legal. Frederico é engenheiro civil, e em março de 1983, aos 55 anos, após deixar o governo, gozando de saúde plena, ao invés de trabalhar em sua profissão preferiu vestir pijama e permanecer em casa recebendo a polpuda aposentaria com salário integral de governador. Em 1989 Frederico assumiu a Prefeitura de Cuiabá e administrou até janeiro de 1993, acumulando o salário de prefeito com a aposentadoria. Há 27 anos sem mandato e inativo profissionalmente, recebia seu mimo mensal até recentemente. Agora, se sente injustiçado. Esse tipo de apadrinhamento que passa pela nomeação e aposentadoria ou pensão leva Mato Grosso a abandonar os municípios e investir sua receita nos protegidos do rei.

Caso a pandemia atinja Mato Grosso com índices de infectados iguais aos de Nova York, Itália, França ou Espanha, a população será impiedosamente morta e, quando os ventos da vida soprarem o vírus para longe, os sobreviventes serão meros farrapos humanos. Não haverá muito a ser feito. Porém, independentemente de novo coronavírus ou não – mil vezes sem ele – que a luz de alerta acessa nos motive, nos dê coragem e independência para pedirmos mudança de rumo. Chega de ostentação na sede das Promotorias de Cuiabá, Senar, Aprosoja, TCE, Assembleia. Chega de empreguismo desenfreado. Chega de mordomia. Chega de verbas indenizatórias. Chega de auxílio aos que recebem altos salários. Chega de nepotismo cruzado. Chega de tantos cargos comissionados. Chega de sindicalistas profissionais. Chega de emenda parlamentar – que leva aos municípios empresa ligada ao seu autor deputado, para executar obra a preço suspeito e de qualidade duvidosa. Chega de destinar recursos pra mídia. Chega de impunidade nesta terra que consegue a proeza de manter todos os corruptos em liberdade. Chega…

Busquemos exemplos na iniciativa privada. Em 40 anos de trabalho o mato-grossense nato ou adotivo mudou o perfil econômico estadual, botou Mato Grosso no topo do ranking nacional da produção de grãos, fibras, carne, plumas, óleo vegetal, biodiesel a açúcar; paralelamente a isso gera empregos, contribui para a qualidade de vida. Nesse período cidades surgiram da noite para o dia. Sorriso, Canarana, Lucas do Rio Verde, Pontes e Lacerda, Água Boa, Tapurah, Nova Mutum, Campo Novo do Parecis, Brasnorte, Sapezal, Campos de Júlio, Querência, Guarantã do Norte, Comodoro e Colniza são alguns exemplos da competência do cidadão da iniciativa privada. O que o Estado realizou em Saúde Pública, saneamento e Segurança Pública nesses e nos demais municípios ao longo dessas quatro décadas? Se não fez, onde foi parar o dinheiro arrecadado?

– O rato comeu. Esse rato tem quatro faces: a incompetência administrativa, a conivência parlamentar, a corrupção e o empreguismo.

Testemunhando em silêncio o crescimento das cidades enquanto o governo estadual se omitia, o cidadão tem certa parcela de culpa pela ausência do Estado e precisa sair da zona do conforto ou do bico calado e gritar. Gritar contra erros na esfera estadual e municipal. A bela Primavera do Leste, acuada diante da ameaça do novo coronavírus acaba de instalar 10 UTIs, graças aos recursos doados pelas cooperativas locais Primacredi, Sicredi, Sicoob, Coaprima e Unicotton. Nessa mesma esteira a Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão (AMPA) doou testes rápidos, máscaras e capotes para profissionais da saúde. Dinheiro para instalar UTI a administração do prefeito Leonardo Bortolin (MDB) não tem, mas sobram recursos para manter o funcionamento da Câmara Municipal, que é verdadeiro exemplo de ostentação e a mais ampla e bonita em Mato Grosso.

Cuiabá também enfrenta escassez de recursos para enfrentar a pandemia, mas nunca falta um centavo sequer para manter cheio os bolsos dos afortunados 25 vereadores, que anualmente recebem um duodécimo de R$ 59 milhões que o presidente Misael Galvão (PTB) trata de gastar até zerar o caixa.

Que uma voz coletiva vinda dos municípios se levante contra o abandono da Saúde Pública. Que ela se faça ouvir nas ruas e nas urnas pedindo seriedade no exercício do mandato e renovando a classe política.

Que os moradores fora de Cuiabá mirem no temor generalizado que o novo coronavírus lhes causa e nos conhecimentos que esse vírus lhes transmite sobre a inexistência de Saúde Pública em Mato Grosso. Que a soma do pavor com conhecimento inspire a abandonada população e assumir sua cidadania, que nesse caso não tem outro sentido a não ser dar um basta ao compadrio que bota de um lado o poder e seus penduricalhos, e de outro, o Zé e a Maria Mato Grosso.

 

Eduardo Gomes de Andrade – Editor de blogdoeduardogomes

FOTOS:

1 e 3 – José Medeiros

2 – Fablício Rodrigues ´Site público da Assembleia Legislativa de Mato Grosso

4 – Júnior Silgueiro – Site público da Assembleia Legislativa de Mato Grosso

manchete
Comentários (2)
Add Comentário
  • Inácio Roberto Luft

    Caramba. Quanta sabedoria em poucas palavras. Quantas verdades. Pena que o Zé Povinho não lê a fim de refletir e construir uma sociedade diferente. Obrigado pela sabedoria transmitida. Críticas construtivas sem puxasaquismo.

  • Ruth Teixeira

    Com a palavra os Prefeitos e os Vereadores
    Ruth Teixeira