De seo menino!

Herculano Muniz
Baiano bom não morre. Morre, não, oxente! Vai pro colo de Mãe Menininha e da Santinha Dulce dos Pobres. Herculano Muniz fez essa viagem. Partiu nesta segunda-feira, 21, cedo, de Primavera do Leste. Foi pra junto das grandes divindades da sua Boa Terra. Lá do alto contempla Poxoréu, sua paixão.

 

O Herculano Muniz de Melo Filho, engenheiro civil com especialização no Canadá, mestrado e doutorado, de tradicional família política e que foi prefeito de Poxoréu, é tema de fácil abordagem, por se tratar de um grande homem, figura pública respeitável e que fechou os olhos para sempre nesta data, aos 87 anos, de causas naturais, em Primavera Leste.

De lado deixo o currículo de Herculano. Fico com aquilo que havia de melhor em sua alma, em seu coração: a capacidade de compreender seu semelhante e, sempre que possível, ampará-lo.

Em 1988 Poxoréu não respirava ares democráticos. Nesse cenário Herculano venceu a eleição para prefeito tendo em sua chapa o vice Valtércio Teixeira de Oliveira. Além das cinzentas nuvens políticas o município agonizava com o diamante dando sinais de exaustão para o garimpo manual e se desesperava diante das fortes pressões ambientais que sofria do Ibama, Ministério Público Federal e das embrionárias ONGs que se descabelavam tentando demarcar território.

Prefeito de uma cidade estagnada e cercada por progresso em Rondonópolis, Campo Verde e Primavera do Leste, Herculano tinha as mãos praticamente atadas: sem orçamento, com o município amargando redução populacional e o diamante em crise. Somente o Senhor Bom Jesus da Lapa pra dar um jeito naquilo.

O município estava inquieto e a população blefada. Os capangueiros se escafederam. Meia-praça dormia nas calçadas. Do dicionário local foram riscadas as palavras: brilhante, pedra sem jaça, bamburrou, xibio. A única lembrança do garimpo era o vaivém ao gabinete do prefeito. Invariavelmente todos pediam a mesma coisa: um carro pra transportar sua mudança. Com o olhar vendo além do transporte em si, Herculano deixou um caminhão à disposição dos garimpeiros para leva-los de um canto para outro, de um barraco insalubre pra outro ainda pior. A dor garimpeira se expressava sobre pneus nos solavancos dos buracos. As mudanças passavam pra lá e pra cá.

Bons tempos aqueles em que os garimpeiros lavavam o chão dos cabarés na Rua Bahia com cerveja Brahma.  A opulência do ontem dava espaço ao desarranjo social ditado pelos bolsos vazios.

Solidário, de mão sempre estendida, mas sem um escorregão sequer de clientelismo, Herculano ficou ao lado da população garimpeira. Era um deles. A porta de sua casa jamais se fechou aos atingidos pela crise do garimpo. O fogo de seu fogão nunca se apagou. A mesa de sua mulher e assistente social Dulcelina, a dona Dudu, era farta para todos.

Mesmo sem grandes obras Herculano foi marco referencial administrativo em Poxoréu, por sua opção pelo que há de melhor no município: sua gente. Asfalto, esgoto, patrolamento, tudo pode ficar para depois, menos o alimento que sacia a fome, o calor humano que mantém viva a esperança de dias melhores, a mão amiga que afaga.

O papel humano de Herculano no momento mais crítico de Poxoréu não é de domínio público fora daquele município, e até mesmo lá, nem todos sabem o que era feito pelo prefeito pra impedir o aniquilamento do garimpeiro em todos os sentidos.

Prefeito é figura poderosa, tem o município aos seus pés. Tanto pode estender a mão quanto fingir que não vê o sangramento de seu irmão. Nem todo governante é suficientemente sensível pra entender que além de seu gabinete um irmão esteja se debatendo pra sobreviver. Herculano deixava a redoma administrativa e se tornava aliado dos homens das bateias.

Eu o vi ao lado de miseráveis e esfarrapados garimpeiros dos quais foi verdadeiro irmão.

Espero, Herculano, que os prefeitos que daqui a 10 dias serão empossados se espelhem em você, que saibam respeitar e amparar o próximo, que não façam de seus cargos o trampolim da arrogância, da prepotência e arma para ferir o irmão mais fraco.

Fique na paz da baianidade espiritual com a Santinha Dulce dos Pobres e Mãe Menininha. Não se esqueça de pedir que Elas intercedam junto ao Senhor do Bonfim pela Capital dos Diamantes, que mesmo tendo diversificado sua economia permanece mergulhada em problemas sociais com a desvantagem de enfrentar a falta do Dr. Herculano, cabra bom demais seo menino!

Eduardo Gomes é jornalista 

eduardogomes.ega@gmail.com

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Comentários (6)
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  • Brás Rubson

    Belo registro Eduardo Brigadeiro.
    Dr. Herculano foi sempre um farol de brilho intenso para nossa família, defendia ao mesmo tempo a necessidade de se estudar e de se formar a consciência política. Era um homem progressista e de forte opção pela luta em defesa dos mais fracos.
    Ainda bem jovem, em Rondonópolis, ouvia meu tio, seu irmão em contemporâneo de universidade, Antônio dos Santos Muniz dizer “Herculano na faculdade era incutido com política, vivia ouvindo a rádio de Moscou”. Era um bom conselheiro, mas também é bem-humorado, se divertia nas rodas de conversa com os mais jovens.
    Figura cativante! Triste perda!

    Brás Rubson

  • Eduardo Gomes de Silva

    Quero solidarizar com a família desse grande amigo Herculano.
    Ele fez parte da construção da usina hidroelétrica de Alto Paraguai no governo de PEDROSSIAN. Que Deus conforte todos familiares.

    Eduardo Gomes da Silva

  • Fernando Almeida

    Herculano foi um grande homem, que amava muito Poxoréu. Tive a felicidade de ter sido seu amigo. Foi uma grande perda. Meus sentimentos à familia e um abraço carinhoso na Dona Dudu e na Izaura.

    Fernando Almeida

  • José Clemente Mendanha

    Belo texto Brigadeiro e bem retrata as atitudes valorosas da ilustre pessoa do Doutor Herculano Muniz. Parabéns.

    José Clemente Mendanha

  • Antônio Wagner

    Conheci o Sr Herculano, Dona Dudu e sua filha Isaura. Seo Herculano era padrinho de um amigo irmão que tenho e hoje é funcionário da educação de VG, Cláudio Alves. A mãe do Cláudio criou ao que sei, até os 14 anos, o Percival. Seo Herculano, comunista convicto, era um professor. Essa lembrança que tenho. Sempre paciente e sempre explicando as coisas, a política e a vida. Gostava dele. Que DEUS o tenha em generosos braços.

    Antônio Wagner

  • Gaudêncio Amorim

    Belo texto Brigadeiro. Vou compartilhar no grupo do IHG. Obrigado.

    Gaudêncio Amorim