De regramento

Coronel Fernanda positiva e operante

Primavera do Leste, 15 de outubro de 2020. A candidata ao Senado Coronel Fernanda (Patriota) perde a eleição. Alguém pode perguntar: como assim, se faltava exatamente um mês para a votação? A resposta é a mais objetiva possível: política não é ciência exata, mas a arte da habilidade, da competência, de saber ocupar e criar espaço, do convencimento, da sensibilidade, da capacidade de se mostrar enquanto líder e – sem falsa moralidade – da boa malandragem que toca o coração brasileiro que bate ao ritmo da emoção.

 

Não votei na Coronel Fernanda. Creio que os votos dados a ela não elegeriam vereador na pequena Araguainha e que sua votação se deve ao Mito ou Capitão, que são as formas de tratamento dadas ao presidente Jair Bolsonaro por significativa parcela do eleitorado mato-grossense. A desconsiderei na hora do voto porque buscava na urna alguém que representasse Mato Grosso no Senado,  ao passo que ela se apresentava enquanto candidata do Bolsonaro.

Não me surpreendi com a votação da Coronel Fernanda e creio que ela seria vencedora se não fosse por sua inexperiência política e a falta de visão do seu marketing. Claro que a candidatura do deputado federal José Medeiros (Podemos) ao Senado prejudicou muito seu desempenho nas urnas, uma vez que Medeiros rachou o eleitorado de Bolsonaro. Ainda assim, penso que Medeiros à parte, se a Coronel Fernanda tivesse um marketing com visão política a cadeira que foi da senadora Selma Arruda e ora ocupada pelo biônico Carlos Favaro (PSD) seria dela.

Vejamos.

O acidente que ‘matou’ a chance de eleição da Coronel Fernanda

A mídia nos mostrou que o bimotor Seneca de prefixo PT-WIP decolou de Primavera do Leste para Barra do Garças, não se sustentou e pousou de barriga numa lavoura ao lado da cabeceira da pista do aeroporto. Bem ao estilo policial militar a Coronel Fernanda sacudiu o pó da roupa, agradeceu a Deus, disse que estava tudo bem, que levaria adiante a missão que recebeu do Mito e seguiu para Barra do Garças e Água Boa, onde fez carreatas.

A postura da candidata ao Patriota após o acidente seria a única possível se ao invés de postulante ao Senado ela fosse somente coronel da Polícia Militar. Porém, o momento não era pra botar em prática a doutrina que norteia os oficiais e praças de sua corporação, mas para exercer sua condição política na plenitude . Isso ela não soube fazer e seu marketing sequer deu conta do tiro no pé que representou a retomada de sua viagem para Barra do Garças e posteriormente Água Boa.

Ao invés de prosseguir viagem a Coronel Fernanda teria que permanecer deitada ao lado do avião com a roupa suja, o cabelo desalinhado, cara de vítima e gemendo muito quando alguém se aproximasse. Uma cena teatral ali, creio que a elegeria. Ao invés de Barra do Garças, sua remoção para os primeiros socorros em Primavera do Leste, e de lá, em UTI aérea para Cuiabá.

TV Globo, UOL, Terra, Veja, Folha de S.Paulo, Estadão, Agência Brasil, Sputnik, BBC Brasil, a imprensa inteira, inclusive a Imprensa Amiga  (do poder em Mato Grosso) dando cobertura ao acidente. A Coronel Fernanda gemendo sem dizer uma palavra sequer que pudesse comprometê-la. Em Brasília, Bolsonaro descabelado, consternado, mandando mensagem pra companheira. A cúpula política nacional abordando a queda do avião. Candidatos adversários ao Senado se solidarizando com ela.

Candidata com tempo raquítico no horário eleitoral, a Coronel Fernanda ganharia um dia de espaço na mídia. A ela faltou experiência e maturidade política, e seu marketing não teve habilidade, pra não dizer competência.

Passado o susto e após atendimento a Coronel Fernanda deixaria o hospital. Deixaria sem praguinha na blusa, mas com andar lento, olhar distante transmitindo enigma. Quem não se comoveria com uma jovem senhora bonita, vencedora na carreira policial militar, disputando o Senado contra 10 machões? O coração mato-grossenses bateria afogueado e descompassado por ela. Nossa miscigenada população diria: vôte; mas, bah; oxente; uai. As mulheres se sentiriam representadas por ela; nós homens nos renderíamos.

A Coronel Fernanda até pode argumentar que não jogaria sujo na campanha, mas não convenceria. Afinal, quem se presta a disputar a eleição ao Senado para defender o presidente da República e não o Estado, não deve tocar em questões éticas.

Por analogia recorro a um episódio fabricado em Rondonópolis. Em 1982 Carlos Bezerra (MDB) se elegeu prefeito daquele município sonhando em ser governador em 1986, o que aconteceu. No mesmo ano Júlio Campos (PDS) venceu a disputa ao governo e, antes mesmo de assumir o poder, censurou o nome de Bezerra na imprensa cuiabana. Sem espaço natural na mídia, Bezerra lançou mão de um expediente sensacional que botou seu nome de evidência, de tal modo, que sufocou a posse de Júlio no Palácio Paiaguás.

No dia da posse de Júlio e Bezerra a imprensa em Cuiabá recebeu uma informação preocupante: um pistoleiro invadiu a chácara do prefeito eleito em Rondonópolis, de arma em punho, encapuzado, para matá-lo, mas não conseguiu consumar o crime. Conseguir matar Bezerra o imaginário assassino de aluguel não conseguiu, mas projetar seu nome, sim. 

Em suma. Na Polícia Militar a regra é ser positivo e operante. Em política regra se faz. A Coronel Fernanda e seu marketing não sabiam desse regramento. 

Eduardo Gomes é jornalista em Mato Grosso

FOTOS: Marketing de campanha da Coronel Fernanda

 

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