De ouvidos moucos

Jornalismo também é a capacidade de entender que um texto, por mais coerente e oportuno  nem sempre é ouvido, analisado e compartilhado no campo do pensamento. A atividade do jornalista em muitos aspectos é igual a de tantos outros profissionais, mas o poder da comunicação a faz diferente quando a palavra influencia pessoas, tem força para mudar algo ou contribuir pra sua mudança de modo a transformar ideia ou proposta em realidade.

Desde o momento em que a Organização Mundial de Saúde classificou a massificação do novo coronavírus enquanto pandemia, escrevo regularmente sobre a precariedade da Saúde Pública em Mato Grosso, e em especial nos municípios fora do aglomerado urbano de Cuiabá. Num dos textos, sobre o Vale do Araguaia, mostrei a ausência do Estado naquela região,  que é um grande vácuo em infraestrutura hospitalar.

Nos modestos textos que postei não me atrevi a insinuar que Mato Grosso seria assolado pela pandemia. Maior que o vírus é Deus, que independemente da ciência médica ou eficiência da rede de saúde pública tem poder para dissipar a doença ou torná-la sem letalidade.

Conduzi os textos mostrando a precaridade da Saúde Pública ao passo que os encastelados no poder sugam boa parte do orçamento estadual (e das prefeituras), e que essa prática arraigada se junta à incompetência administrativa e, em muitos casos, ao famoso colarinho branco, o que resulta na falta de recursos para investimento na prioritária área em questão.

Nunca escrevo esperando ser aplaudido, comentado; nada disso. Escrever é o que mais faço há quase meio século, por dever de ofício, prazer e também em nome da responsabilidade social que todos precisam – e muito – ter.

Observo – com espírito desarmado – sem mágoa nem sentimento de frustração, que preguei no deserto. Tenho consciência que empunhei a bandeira certa, pois tudo que sugeri foi o exercício da cidadania plena em nome da melhoria da Saúde Pública em Mato Grosso após a tempestade do novo coronavírus.

A indiferença sobre a proposta é sepulcral, cortante. Uma voz ou outra, aqui, ali e acolá se levanta em coro com meus textos, mas o conjunto faz silêncio e promete permanecer assim, agora, amanhã, sempre e até mesmo após o tempo acabar de passar.

Não creio que esse silêncio na mídia e nas redes sociais seja conivência com o vírus que veio da China. Avalio que ninguém o aceita, que todos querem se ver livres de suas garras. Ainda, no campo da avaliação, penso que o novo coronavírus – sem trocadilho por se tratar de micro e infeccioso oragnismo acelular – seja pequeno diante dos interesses a defender junto ao governador democrata Mauro Mendes, Assembleia Legislativa, bancada federal, Tribunal de Justiça, Ministério Público, Tribunal de Contas do Estado, prefeituras, câmaras municipais, federações, sindicatos e outras instituições e entidades que formam o poder em sua amplitude.

Portanto, pedir priorização em investimento na Saúde Pública ao invés do que ora acontece é algo inconcebível nessa abençoada e ensolarada terra, que daqui a algum tempo não estará mais diante de um maléfico vírus tão fortemente apoiado por linhas travessas.

Quando o novo coronavírus sumir na curva da estrada a mesma população que ora se sente ameaçada por sua letalidade estará nos municípios sem Saúde Pública. Espero que um dia o cidadão se conscientize que é dever lutar pela Saúde Pùblica, independentemente que os investimentos para tanto firam interesses dos que mamam nas generosas tetas do poder e prejudiquem os contratos com a imprensa amiga.

Certa vez, ouvi uma frase lapidar do tabelião mineiro Etelvino Carlos Pereira, “Ou se deve estar calado ou dizer coisa que valha mais que o silêncio“. Mesmo pregando no deserto é preciso insistir em nome do poder da comunicação, que não pode se curvar a tantos  ouvidos moucos.

Eduardo Gomes de Andrade – jornalista

eduardogomes.ega@gmail.com

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