De Estado paralelo
Por
Eduardo on 2 de novembro de 2025
Eduardo Gomes
@andradeeduardogomes
Boa parte da violência que aflige Mato Grosso nasceu como semente do período de maior corrupção mato-grossense, a chamada Era Riva, de 1995 a 2014. É possível que alguém que não leia este texto ache a definição muito pesada, mas tenho certeza de que todos os leitores concordarão com o título que entendo ser o melhor rótulo para o avanço do crime organizado na nossa abençoada e ensolarada terra cercada pela América do Sul por todos os lados.
Quase todos os países enfrentam problemas com a violência, mas no caso do Brasil e especificamente em Mato Grosso os índices poderiam ser menores se nos últimos 30 anos estivesse em curso uma política social verdadeira e sem as maquiagens de fachada como agora se vê.
Muitos dos criminosos em ação em Cuiabá e nas demais cidades, com idade entre 18 e 48 anos foram abandonados pelo Estado quando crianças e adolescentes – isso sem incluir os menores, que recebem tratamento diferenciado pelos Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). É evidente que não se pode debitar a violência em sua totalidade ao poder público, mas se ações houvessem sido desenvolvidas o cenário seria outro, melhor.
Quando chegou ao poder na Assembleia Legislativa em 1995, José Riva montou um esquema corrupto, como ele reconheceu na delação premiada que fez com homologação pelo desembargador do Tribunal de Justiça, Marcos Machado. Os desvios recorrentes dos recursos públicos, somados a outros de governos do período, como foi o caso de Silval Barbosa, também réu confesso por corrupção, esvaziaram os cofres e resultaram no abandono da população, sobretudo a periférica, que em percentuais significativos foi abraçada pelo crime organizado.
Em meados dos anos 1990 Mato Grosso sinalizava que daria o grande salto econômico para sair da condição de Estado periférico e tornar-se um dos principais alicerces da política de segurança alimentar mundial, com o agronegócio. A classe política – com as exceções que não enchem Kombi – omissa e corrupta dilapidava os cofres públicos enquanto tudo acontecia (alguém ouviu falar no Escândalo das Calcinhas?).
O plantio direto, os avanços agronômicos e a força do produtor rural tornaram Mato Grosso campeão em produção e produtividade de soja, milho, algodão e na pecuária, e com destaque na agroindústria. Paralelamente a isso o crime organizado corroía a população.
O menino, guri ou piá da periferia gosta tanto de um tênis de marca quando o filho mimado do barnabé de luxo, sente vontade de tomar um sorvete da Kibon, dormir num quarto com o ar ligado no nosso calorão, saborear um churrasco, mas a ele tudo isso foi negado, porque o Estado não desenvolveu uma política capaz de atrair indústrias geradoras de empregos para seus pais, não teve a competência para construir uma boa escola com piscina em seu bairro, não lhe assegurou a saúde tão decantada pela Constituição. Esse cenário não significa que o menino, guri ou piá tenha que se deixar seduzir pelo crime – que também é praticado por filhos de papais – mas contribui para tanto.
A economia do agronegócio ganhava força enquanto na periferia de Cuiabá as crianças e adolescentes vítimas diretas do furto na Era Riva eram mantidas num gueto social. A verdade é esta, já que o efeito da dilapidação do patrimônio público não se faz sentir de imediato, pois seu efeito é retardatário.
A mordomia da Era Riva é a mesma de agora. A propaganda enganosa de ontem não mudou e faz de ³ um programa habitacional tripartite – União, Estado e Município – verdadeiras trincheiras eleitoreiras na mídia adestrada que propaga o Programa SER Família Habitação e a Casa Cuiabana. No passado, além das benesses mordômicas dos donos do poder havia a corrupção desenfreada. Hoje, não é possível nominar a roubalheira, que geralmente demora a ser passada a limpo pela Justiça; além disso, há muitos casos abafados a exemplo do Escândalo do Detran, o Escândalo da Ager, o Escândalo das Emendas para a Agricultura Familiar via Seaf etc.
O momento é apropriado para a reflexão diante do enfrentamento da polícia do Rio de Janeiro com o crime organizado, que resultou em 121 mortes. Não se combate bandido com flores, mas de igual modo não se empurra o jovem ao banditismo por falta de política pública.
Mato Grosso não tem uma política de industrialização, não tem programas sociais que merecem tal título e sua classe política é perdulária e sente-se no direito de lutar por sua eternização no poder.
Ouçam com ouvidos atentos as vozes emocionadas de políticos que se levantam contra o feminicídio e outros crimes, em narrativas no presente, mas sem poder retroagir no calendário onde está suas origens. Para algumas dessas vozes, quer seja de político carrancudo ou de face angelical, é cômodo denunciar o efeito, mas sem poder citar sua causa para não sofrer respingos da raiz do problema.
A semente social plantada na Era Riva, que durou 20 anos, germina agora nos índices da violência em Mato Grosso, com o preocupante detalhe: nenhum dos participantes daquele esquema nefasto está preso – ao contrário, alguns exercem cargos importantes. Riva citou os nomes e o quanto cada um recebeu de propina. A legislação brasileira não permite texto incisivo sobre alguém que não tenha recebido pena com trânsito em julgado, mas Riva disse à Justiça que, dentre outros, participaram da roubalheira, as seguintes autoridades, mas todas negam participação: José Domingos Fraga (prefeito de Nobres), Guilherme Maluf e Sérgio Ricardo (ambos conselheiros do TCE), Walace Guimarães, Percival Muniz, Ademir Brunetto, João Malheiros, Mauro Savi, Nilson Santos, Gilmar Fabris, Luciene Bezerra, Maksuês Leite, Luiz Marinho, Walter Rabello, Romoaldo Júnior, Alexandre Cesar (procurador do Estado), Zeca Viana, Dilmar Dal Bosco (deputado estadual), Ezequiel Fonseca, Baiano Filho, Carlos Avallone (deputado estadual), Humberto Bosaipo, Emanuel Pinheiro, Hermínio Barreto, Dilceu Dal’Bosco, Silval Barobosa, Pedro Satélite e Teté Bezerra.
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Nada se fez contra a corrupção ontem. Hoje, tudo está abafado. A população de Cuiabá e Várzea Grande que em 1995 era de 654.554 habitantes subiu para 1.010.797 e a linha que define quem está acima ou abaixo da linha da pobreza nas duas cidades cada vez mais é engrossada do lado de baixo. A opulência salarial dos donos do poder contrasta muito fortemente com a miséria na periferia. Se não houver mudança, a Era Riva será renovada com novos títulos e novos personagens nesta terra onde a corrupção e a incompetência política aliadas ao silêncio da mídia e das redes sociais insistem na construção do Estado Paralelo.