CUIABÁ 306 ANOS – Dante de Oliveira
Eduardo Gomes
@andradeeduardogomes
eduardogomes.ega@gmail.com
Cuiabá, 6 de fevereiro de 1952. Quarta-feira chuvosa. Banhada por lágrimas de felicidade, dona Maria olha enternecida para o filho que acaba de nascer. Dr. Paraná, o pai, tentando se fazer de durão tenta esconder a emoção, mas nem mesmo sua habilidade política e sua experiência enquanto advogado de renome conseguem blindá-lo do forte sentimento que o domina. O recém-nascido junta o barulho de seu choro ao do aguaceiro. Assim, Mato Grosso ganhou um de seus filhos mais ilustres e uma de suas lendas políticas, Dante Martins de Oliveira.
Cuiabá, 6 de julho de 2006. Dante de Oliveira fecha os olhos pela última vez e a democracia brasileira perde um de seus grandes vultos. Transcorridos mais de 18 anos de seu adeus uma legião de liderados sente sua ausência.
A trajetória do mato-grossense Dante de Oliveira – o Homem das Diretas – que venceu muitas lutas e tombou vítima da traiçoeira doença chamada diabetes é tema desta reportagem
Dante de Oliveira deu o tiro democrático de misericórdia no regime de 1964.
A emenda que pedia eleição direta para presidente da República, de autoria do deputado federal mato-grossense Dante de Oliveira marcou época. A votação começou em 24 de abril de 1984, avançou pela madrugada de 25 de abril de 1984 e não foi aprovada, mas despertou a consciência coletiva de que era hora de dizer basta à ditadura.
Para ser aprovada pela Câmara e seguir para o Senado, a emenda precisaria de dois terços dos votos dos 320 deputados federais, o que não aconteceu. A propositura de Dante de Oliveira recebeu 298 votos, 65 parlamentares foram contrários e 113 não compareceram ao plenário.
A famosa emenda transformou seu autor em vulto nacional e lhe conferiu o título de Homem das Diretas. Engenheiro civil por formação, político por paixão, o cuiabano Dante de Oliveira foi deputado estadual, deputado federal, duas vezes prefeito de Cuiabá, ministro de Estado e governador de Mato Grosso em dois mandatos consecutivos.
Combativo, Dante de Oliveira travou muitas lutas no MR-8, MDB/PMDB, PDT e PSDB, aos quais pertenceu.
Dante de Oliveira nunca acomodou-se nas vitórias e jamais rendeu-se nas derrotas.
Enquanto governador, Dante de Oliveira escreveu uma singular página política em Mato Grosso. Criou o Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab), que é a principal receita para pavimentação de rodovias e, no período que antecedeu a Copa do Mundo de 2014, indevidamente utilizado, foi importante fonte para a obra da Arena Pantanal, em Cuiabá.
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SANGUE NOS ANDES – Bolívia, 8 de outubro de 1967. Num canion em La Higuera, nos Andes, o capitão Gary Prado cercou o grupo armado do guerrilheiro “Ramón”, que liderava um levante contra o governo boliviano de René Barrientos. Após intenso tiroteio, com uma perna ferida e a pistola emperrada, Ramón, o líder da guerrilha, rendeu-se e os militares descobriram sua identidade. Era Che Guevara, o argentino que ajudou os irmãos Fidel e Raul Castro a derrubar Fulgencio Batista y Zaldívar e em seguida implantar o comunismo que assegurou-lhes o poder cubano.
A data da captura do guerrilheiro tornou-se emblemática para a esquerda latino-americana porque marcou o último lance da luta de Che Guevara, que no dia seguinte – após interrogatório – seria executado por uma rajada de metralhadora disparada pelo sargento Mário Terán, cumprindo ordem de La Paz.
Quando Che Guevara tombou o continente estava em ebulição, dividido entre a direita e os defensores da cubanização. No Rio de Janeiro, o Comitê Universitário do Partido Comunista Brasileiro (PCB) transformou-se na Dissidência da Guanabara (DI-GB), descambando para a luta armada.
Os jovens da DI-GB reverenciavam a memória de Che Guevara. Assim, nasceu o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), marxista-leninista, que fez proezas com armas, sendo a mais famosa o sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick.
Em 1976, clandestino, o MR-8 abrigava-se numa das correntes do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido que recebeu o apelido de Manda Brasa e fazia oposição à Aliança Renovadora Nacional (Arena), de sustentação do regime de 1964. Dante de Oliveira militava no MR-8, que conheceu nos meios universitários do Rio, onde formou-se em engenharia civil.
ESSENCIALMENTE POLÍTICO – Dante de Oliveira iniciou sua trajetória na vida pública em 1976, ano em que candidatou-se, mas não conseguiu eleger-se vereador pelo MDB de Cuiabá, ficando na suplência da bancada emedebista formada por Gilson de Barros, Odil Moura, João Torres e Aldísio Cruz. O resultado não o esmoreceu. Ao contrário, injetou mais sangue político em suas veias e, dois anos depois, o eleitorado outorgou-lhe mandato de deputado estadual pelo Manda Brasa, juntamente com Márcio Lacerda, Isaías Rezende, Paulo Nogueira, Roberto Cruz, Jalves de Laet e João Torres.
Em 1982, pelo PMDB, Dante de Oliveira elegeu-se deputado federal juntamente com os correligionários mato-grossenses Gilson de Barros, Márcio Lacerda e Milton Figueiredo e os governistas do PDS Jonas Pinheiro, Ladislau Cristino Cortes, Bento Porto e Maçao Tadano. O PMDB e o PDS surgiram com o fim do bipartidarismo da Arena e Manda Brasa; o primeiro na verdade durante muitos anos foi a nomenclatura do velho MDB, cuja sigla recentemente foi retomada.
O mandato de deputado federal foi interrompido em dezembro de 1985 porque Dante de Oliveira elegeu-se prefeito de Cuiabá em outubro daquele ano e assumiu a prefeitura em 1º de janeiro de 1986.
Dante de Oliveira conquistou a prefeitura com 61% dos votos, mas permaneceu pouco tempo no cargo. Em 28 de maio de 1986 deixou o cargo e o vice-prefeito coronel da reserva do Exército Estevão Torquato (PMDB) o substituiu. O Homem das Diretas trocou a prefeitura pelo cargo de titular do recém-criado Ministério da Reforma Agrária e do Desenvolvimento Agrário criado pelo presidente da República José Sarney.
O ministério, ao invés de abrir portas a Dante de Oliveira, fechou até as janelas do PMDB para ele. À época, nos bastidores dizia-se que o presidente regional do partido em Mato Grosso, Carlos Bezerra, costurou a fritura de Dante de Oliveira com José Sarney. Essa fritura na verdade começou um ano antes, quando Bezerra praticamente impôs a candidatura de Dante de Oliveira a prefeito de Cuiabá, para evitar sua concorrência partidária na candidatura ao governo em 1986 – pleito que foi vencido por Bezerra.
Em 1990, sem mandato e rompido com o PMDB, Dante de Oliveira disputou eleição para a Câmara dos Deputados, foi o candidato mais votado para o cargo em Mato Grosso, mas seu novo partido, o PDT, não alcançou quociente para ocupar cadeira. Dois anos depois, pelo mesmo partido, elegeu-se prefeito de Cuiabá, mas interrompeu o mandato ao se desincompatibilizar para disputar e vencer a eleição para governador. O Homem das Diretas deixou a prefeitura em 30 de março de 1994, sendo substituído pelo vice-prefeito coronel da reserva do Exército José Meirelles.
A vitória ao governo em 1994 foi massacrante. No primeiro turno Dante de Oliveira recebeu 75% dos votos válidos, derrotando Osvaldo Sobrinho (PTB), que era vice-governador de Jayme Campos (PFL). Quatro anos depois, filiado ao PSDB, tornou-se o primeiro governador reeleito democraticamente em Mato Grosso; naquela eleição o Homem das Diretas recebeu 54% da votação em primeiro turno, batendo seu principal adversário, o então senador Júlio Campos (PFL).
Em março de 2002 Dante de Oliveira transmitiu o governo ao vice-governador e correligionário José Rogério Salles, para disputar mandato de senador, mas foi derrotado. Dante de Oliveira recebeu 439.436 votos (19,84%) e os vencedores foram: Jonas Pinheiro (PFL – 612.200 votos) e Serys Slhessarenko (PT – 574.701 votos). Naquele pleito as cúpulas petista e pefelista se uniram em defesa do voto casado para Jonas e Serys, cartada que foi fatal e jogou por terra a candidatura do Homem das Diretas.
Quatro anos após a disputa ao Senado, Dante de Oliveira lançou-se candidato a deputado federal tucano, mas em 6 de julho foi derrotado pelo diabetes. Sua mulher, Thelma de Oliveira, também tucana, assumiu a candidatura que seria do marido e elegeu-se deputada federal.
Em 2002, Dante de Oliveira perdeu a disputa ao Senado e seu candidato a governador, o então senador tucano Antero Paes de Barros, foi derrotado em primeiro turno por Blairo Maggi (PPS). Porém, para a Assembleia Legislativa o PSDB e os partidos de seu arco de aliança foram vencedores. No entanto, os deputados eleitos pelo grupo de Dante de Oliveira, à exceção de Carlão Nascimento (PSDB), debandaram para a base de sustentação de Blairo Maggi. Os eleitos pelo PSB, PTB e PMN também trataram de mudar de camisa e na bancada do PMDB, com três integrantes, somente Zé Carlos do Pátio não bandeou para o lado do novo dono do poder. A debandada teria magoado o Homem das Diretas, segundo revelam fontes que eram ligadas a ele.
O grupo de deputados estaduais que debandou para a base de sustentação do novo governador escreveu a maior página do adesismo político em Mato Grosso em todos os tempos. Esse grupo era formado por José Riva, Dilceu Dal’Bosco, Chico Daltro, Pedro Satélite, Renê Barbour e Alencar Soares (todos foram eleitos pelo PSDB); Mauro Savi e Eliene Lima (ambos eleitos pelo PSB); Sérgio Ricardo, eleito pelo PMN; e Sebastião Rezende, que trocou o PTB – que se rotulava independente – pelo PPS de Blairo Maggi.
ADEUS – Longe dos olhos do povo, Dante de Oliveira travava uma guerra permanente contra um inimigo que corria em suas veias: diabetes. Na manhã de 6 de julho de 2006, o Homem das Diretas entrou no Hospital Jardim Cuiabá, em Cuiabá, em busca de atendimento. Seu quadro de saúde agravou-se rapidamente. Durante 12 horas uma equipe lançou mão de todos os recursos possíveis na tentativa de salvá-lo; tudo em vão. A frieza do comunicado médico revelou que o paciente perdera a luta contra uma infecção generalizada causada por pneumonia agravada com agudo quadro de diabetes.
Dante de Oliveira deixou a viúva Thelma de Oliveira, ex-deputada federal pelo PSDB e depois prefeita de Chapada dos Guimarães. Era filho de Sebastião de Oliveira, o Doutor Paraná, ex-deputado constituinte estadual no pós-ditadura Vargas, e de dona Maria Benedita de Oliveira.
Mato Grosso perdeu o convívio com a lucidez democrática de seu filho mais conhecido no Brasil, mas herdou o legado de uma das figuras mais respeitadas no mundo político nacional nas últimas décadas: Dante de Oliveira, que em sua caminhada chorou como fez ao nascer, mas que teve mais motivos para sorrir pela felicidade de travar o bom combate democrático e de sentir o cheiro de povo.
Foto: PSDB