CST da Assembleia tem que enfrentar a burocracia que engessa a agricultura familiar

Eduardo Gomes
@andradeeduardogomes
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Raquel falando; à direita, Natacha

Câmara Setorial Temática  (CST) “Relação entre Consciência e os Valores Humanos com a Agricultura Familiar”. Esta foi a denominação sugerida ao deputado Júlio Campos (União), pelo suplente de senador José Lacerda para esta CST que ele preside, e que nesta segunda-feira (2) reuniu-se pela primeira vez. O nome não poderia ser melhor, a julgar pelo conteúdo apresentado e discutido no primeiro passo daquele órgão consultivo da Assembleia, onde dentre outros temas foi estampado o o cenário no projeto de assentamento ENA, de Feliz Natal, pela parceleira, professora e vereadora naquele município, Raquel Roll (Podemos). Entre a vocação para produzir e a produção está a burocracia em todas as esferas de poder, contra a qual a CST terá que lutar.

Figurando entre os que mais conhecem a realidade agrária e agrícola de Mato Grosso, advogado, deputado estadual constituinte em 1988, José Lacerda cumpriu dois mandatos na Assembleia, foi vice-prefeito de Cáceres e secretário de Estado. Com a experiência adquirida ao longo de décadas de atuação,  ele entendeu que seria preciso levar para a CST, os conceitos dos valores humanos, sem os quais – pondera – “não é possível dimensionar e fomentar a agricultura familiar”. Sua proposta foi aceita pelo vice-presidente do Legislativo Estadual, Júlio Campos, que foi o criador da CST.

Sobre o pilar dos conceitos dos valores humanos, José Lacerda quer capilarizar a CST não somente geograficamente; mas também pelo modelo agrícola, que tanto pode ser de quilombolas, assentados da reforma agrária, de comunidades tradicionais, indígenas e áreas fracionadas por herança; e pela matriz de produção cujo leque é simbolizado por todos os tipos de alimentos de origem vegetal ou animal.

A capilarização encontrou duas vertentes na primeira reunião: Raquel Roll e Natacha de Carvalho Luiz, que é gerente de Apoio à Agricultura Familiar  da Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM).

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Raquel Roll narrou com detalhes a insegurança jurídica, a precariedade da infraestrutura de transporte e o limbo agrário em que o gigantismo emperrado da máquina pública enfiou o assentamento ENA.

Bem resumidamente é assim: há 30 anos o Incra comprou uma gleba de 30 mil hectares em Feliz Natal para implantar o assentamento ENA. Ocorre que os parceleiros foram assentados não na área adquirida, mas em outra, próxima, que pertence ao Estado de Mato Grosso. Anos depois descobriu-se o deslocamento.  Assim, os 388 lotes de 70 hectares (com 35 hectares mantidos sem antropização numa área de preservação permanente comunitária) ora ocupados por 260 famílias, não recebem atendimento do governo federal nem do estadual.

Mais resumido ainda: a balbúrdia agrária causada pelo Incra fecha todas as linhas de crédito da agricultura familiar aos parceleiros, que sequer conseguem o CCU (Contração de Concessão de Uso). Caso algum teime em obter financiamento terá que fazê-lo por outras vias, na carteira de crédito bancário oferecendo avalista, pois seu lote legalmente não lhe pertence. Mais: mesmo fora da linha de crédito da agricultura familiar e pagando juros salgados, o parceleiro ainda se vê na obrigação de fazer empréstimo casado, aquele que empurra um produto da prateleira do banco no tomador: pode ser um consórcio de motocicleta, um seguro de vida etc.

Sem titularidade documental sobre o lote, sem crédito para custeio e outras destinações, distante 100 km de Feliz Natal por estrada que vira atoleiro sem fim no inverno amazônico, sob cerco ambiental permanente pelo Ibama e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) o parceleiro do assentamento ENA – sem exagero – pode ser considerado quase alguém que por analogia é tratado em algumas circunstâncias como o escravizado durante uma das páginas mais desumanas da história brasileira.

Raquel mostrou a realidade do assentamento ENA. Mato Grosso a ouviu, mas o cenário para os parceleiros daquela área não mudará com a urgência que exige, por conta do labirinto da máquina pública, formado por ilhas de decisões e poder, onde o Incra não sabia onde estava assentando; onde a Advocacia Geral da União procura cabelo em ovo; onde não se vê uma brecha sequer para assegurar crédito a quem está assentado no limbo há mais de 20 anos; onde o governo estadual é dono da terra, mas não tem titularidade sobre ela. Que a CST sob a presidência de José Lacerda, neste caso, funcione como uma gazua abrindo portas antes que o envelhecimento humano leve os que foram assentados naquele local ao êxodo movido pelo desencanto com o Estado Brasileiro.

AMM – Natacha fez uma explanação detalhada sobre aquisição de produtos da agricultura familiar pelas prefeituras representadas por sua entidade. São cenários individuais, mas que em alguns casos têm algo ou tudo em comum. Após o primeiro passo da CST, será possível promover um levantamento cruzando dados sobre os assentamentos do Incra e do Intermat, quilombos, terras indígenas e comunidades tradicionais, com sua localização, número de parceleiros, área cultivada, tipo de cultivo e a demanda da merenda escolar das redes municipal e estadual. De posse das informações, e quebradas as barreiras burocráticas, o parceleiro estará diante de um clientela consumidora com quase um milhão de alunos nas escolas do Estado e do município.

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