A milenar sabedoria chinesa nos ensina que o medíocre olha para a mão quando o dedo aponta a lua. Em Mato Grosso é exatamente esse o comportamento de muitos dos que discutem nas redes sociais a pandemia do coronavírus. Somem-se a esse desvirtuamento a superficialidade da maioria da Imprensa, que foge das questões centrais para não ferir os interesses politiqueiros dos seus patrocinadores públicos.
Mato Grosso permaneceu calado nas últimas décadas, período em que aconteceu a explosão demográfica que nos levou a 3,4 milhões de habitantes, e ao longo do qual se criou um fosso social que deixa de um lado a elite predadora formada por empresários do agronegócio e políticos, com o reforço de mordômicas figuras que se espalham por cargos inócuos nos poderes e penduricalhos, e de outro, um contingente populacional cadastrados nos registros oficiais, com 35 mil famílias vulneráveis socialmente. E entre um e outro grupo, milhares de cidadãos com um pé na linha de pobreza e outro à espera de se juntar aos afortunados.
Imprensa, sindicatos, federações, clubes de serviço, igrejas e outras entidades e instituições permanceram de bico fechado – uma exceção aqui, ali e acolá – enquanto Mato Grosso crescia economicamente, ocupando lugar de destaque na balança comercial brasileira, registrando fabulosos índices de produtividade agrícola e volume de produção, sem que o Estado cumprisse seu papel de investir em saúde pública. Em Campos de Júlio e Santa Rita do Trivelato – exemplificando – em tese a renda per capita tem nível suíço, mas em contrapartida sua infraestrutura hospitalar não supera em nada Serra Leoa ou o Haiti.
Calada, conivente pra não desagradar político que poderia lhe estender a mão, a militância das redes sociais e os ditos formadores de opinião pública – observadas as exceções de praxe – nada fizeram. Nada fizeram e, agora, todos, indistintamente, se assustam com o vírus chinês, pois Mato Grosso não tem UTIs, leitos de enfermaria, respiradores mecânicos e sequer máscaras para enfrentar a pandemia que no mundo ja matou mais de 18.400.
Na terra onde tanto se planta e mais ainda se colhe, poderemos nos deparar com uma safra que não agradará a ninguém.
Num piscar de olhos não será possível criar infraestrutura hospitalar e de saneamento nos 141 municípios. Mas é preciso que a partir dessa amarga realidade a situação comece a ser revertida, por maiores que sejam as pressões sociais e políticas para que não se mude o status quo do empreguismo, das imorais vantagens concedidas a autoridades, que Mato Grosso seja passado a limpo no governo, Assembleia Legislativa, Tribunal de Justiça, Ministério Público, Tribunal de Contas do Estado (TCE), prefeituras, câmaras municipais, federações e sindicatos patronais e de empregados.
Chega!
Ao invés de tanto ardor na defesa e ataque ao presidente Jair Bolsonaro, passemos a focalizar nosso umbigo geográfico. Que lutemos pelo isolamento social ou quarentena enquanto perdurar a pandemia e o risco da contaminação comunitária. Que tenhamos coragem pra cobrar e dar nomes aos bois em busca de fundos para os 35 mil mato-grossenses na e abaixo da linha da pobreza. A transferência de dois mil reais para cada uma dessas famílias, em duas etapas de mil reais cada, mensalmente, afastaria o fantasma da fome que as rondará inevitavelmente.
Como conseguir esse montante?
– Não é difícil. Basta gesto de grandeza. Se durante dois meses os 24 deputados estaduais abrissem mão dos R$ 94 mil que reccebem mensalmente; e se eles fossem copiados por todos os desembargadores e juízes do Tribunal de Justiça, do Tribunal Regional Eleitoral e do Tribunal Regional do Trabalho; todos os procuradores e promotores do Ministério Público Estadual e do Ministério Público Federal; todos os prefeitos, vice-prefeitos e os 1.406 vereadores; pela bancada federal; pelo governador democrata Mauro Mendes, seu vice Otaviano Pivetta (PDT) e o secretariado; por todos os conselheiros afastados, titulares e interinos do TCE; por todo servidor público civil e militar que receba acima de R$ 20 mil; por todos os sindicalistas liberados da função para o exercício sindical; se forem feitas substanciais doações pelas trades Amaggi, Bunge, Cargill, Louis Dreyfus e ADM; pelos gigantes Famato, Aprosoja, Acrismat, Ampa, Acrimat, Aprosmat, Fundação MT, Sintep, Fórum Sindical, Fecomércio, Fiemt, Comajul, Coopnoroeste e similares; pelas cooperativas de crédito Sicoob e Sicredi juntamente com os bancos; pelas grandes grandes empresas Agroamazônia, Construtora Nhambiquaras, Big Lar, Dimaq, Barralcool, Sementes Carolina, Anhambi, Amazônia Petróleo, Sanches Tripoloni, Granja Mantiqueira, Hotéis Mato Grosso, BRF Brasil Foods, Brita Guia, Lupa, Hospital Santa Rosa, Minusa, União Transportes, Vanguarda do Brasil, Estância Bahia, Construtora Tripolo, Comercial Mariano, Sementes Girassol, Cometa Honda. Facchini, Domani Veículos, JBS, Zaher Chevrolet, Calcário Mato Grosso, Atacadão, Fort Atacadista, Sementes Batovi, Comper, Araguaia Agricola, Açofer, Cimentos Votoran, Viação Xavante, Sementes Arco-Íris, Martelli Transportes, Grupo Bom Futuro, Eletromóveis Martinello, Abelha Táxi Aéreo, Unic, Claza Transportadora, Águas Cuiabá, G-10 Transportes, Rumo ALL, Ecoplan Mineração, Energisa, Usina Libra, Noble Brasil, Casa Aurora, Pantanal Shopping, Shopping Estação, Marisa, Construtora São Benedito, Botuverá Transportes, Fiagril, Havan, Concessionária Morro de Mesa, Concessionária Rota do Oeste, Concremax, Beira Rio Material para Construção, Caiado Pneus, Bigolin, Sementes Adriana, Tropical Pneus, Pemaza, Satélite Norte, Fratello Construtora, Drebor, Casas Bahia, Buzetti Pneus e tantas outras. Se tal atitude for adotada Mato Grosso atravessará o período crítico mantendo a alimentação de sua população e distante de riscos de convulsão social por conta da fome. Somem-se a isso, que a dinheirama que seria doada voltaria ao caixa do mercado pelo poder de compra dos assistidos.
No plano administrativo, ao longo deste ano, em nome da razoabilidade, Mauro Mendes teria que suspender todo pagamento aos veículos de Comunicação e os que são destinados ao programas de Cultura, Esporte, Lazer e Turismo. Observemos que estamos sob vigência de estado de calamidade pública.
Entidades burocráticas mantidas com recursos públicos, a exemplo da Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM) e a União das Câmaras Municipais de Mato Grosso (UCMMAT) precisam ser fechadas durante a pandemia, para aliviar os caixas de prefeituras e câmaras que as sustentam.
A pandemia que veio para adoecer e matar é a mesma que pode nos despertar para a cidadania plena. Não para o debate no segundo andar mantendo sob o tapete a vergonha pública intestinal mato-grossense. A população precisa se levantar contra as vantagens das verbas indenizatórias recentemente concedidas aos conselheiros do TCE, contra as mesmas para os deputados e outros figurões. Não é concebível num estado com dezenas de cidades sem um hospital por mais simples que seja, que o Fundo de Assistência Parlamentar (FAP) da Assembleia Legislativa pague mensalmente montantes correspondendes ao salário de deputado para figuras iguais o apresentador de televisão Roberto França; o prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro; o deputado estadual Romoaldo Júnior; os ex-deputados estaduais Gilmar Fabris, Pedro Satélite, Luiz Soares, Ricarte de Freitas, Osvaldo Sobrinho, Carlos Bezerra, Hermes de Abreu, Dito Pinto, Carlão Nascimento, Ricardo Corrêa, Hilton Campos, Roberto Nunes, Benedito Alves Ferraz, Ubiratan Spinelli, Dilceu Dal’Bosco, Eliene Lima, Joaquim Sucena, Jorge Yanai, Antônio Schommer, Oscar Ribeiro, Malha Thânia Varjao, Thaís Barbosa e dezenas de outros, incluindo viúvas a exemplo de Thelma de Oliveira (de Dante de Oliveira) e Sinéia Abreu (de Jorge Abreu) e filhos de ex-deputados.
Temos que agir. Não é justo, ético nem moral que a Câmara Municipal de Cuiabá receba R$ 59 milhões anualmente do contribuinte. Nâo é sensato que 14 médicos que exercem cargos eletivos incluindo o conselheiro do TCE, Guilherme Maluf, não saiam de suas funções para o combate ao coronavírus em tempo integral; esse grupo é formado por Maluf; deputado federal Dr. Leonardo (SD); o prefeito de Alta Floresta, Asiel Bezerra (MDB), e o vereador por aquele município, Dr. Charles Miranda (PSD); o prefeito de Confresa, Rônio Condão (PSDB); o vereador por Rondonópolis, Hélio Pichioni (PSD); o vereador por Cuiabá, Ricardo Saad (PSDB); o vereador por Barra do Garças, Paulo Raye (MDB) ; e os deputados estaduais Lúdio Cabral (PT), Dr. João (MDB), Dr. Eugênio (PSB) e Dr. Gimenez (PV); Geovana Greve (PSDB), vice-prefeita de Glória D’Oeste; e Miguel Angel Claros Paz (PSDB), vereador por Várzea Grande.
Encaremos o coronavírus como uma pandemia que exige cuidados especiais, mas não nos esqueçamos que a humanidade se distancia muito de Deus – quem sabe não estamos recebendo uma mensagem celestial pra que o ser humano se torne efetivamente fraterno?
Que desse cenário apavorante, de dor e luto, saibamos extrair uma nova conduta cívica e que essa seja útil a todos, inclusive aos que se calam diante dos absurdos que figuras da vida pública protagonizam nessa abençoada e ensolarada terra. Deixemos de lado o debate nacional. Que Mato Grosso se una para que o campo continue produzindo, o transporte de cargas operando, que as escolas e universidades permaneçam fechadas até o tempestade passar, que o comércio limitado resista e que o amanhã seja um novo tempo – tempo de saúde, de paz, de dignidade no exercício da cidadania.
Porém, se não houver espírito humanitário nem grandeza cívica para as doações necessárias estaremos fadados ao pior. Mortes, fome, saques, violência generalizada e o desnecessário alargamento do fosso que separa os comedores de maionese da massa social – desnecessário porque poucos sobrarão para se manterem à beira do mesmo, uma vez que o vírus e os crimes famélicos não darão muito lugar ao direito à vida
Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes
FOTOS:
1 e 2 – blogdoeduardogomes em arquivo
3 – Site público do Governo de Mato Grosso – Divulgação
4 – Fablício Rodrigues – Site público da Assembleia Legislativa – Divulgação
5 – Agência Câmara – Arquivo – Divulgação
6 – Agência AMM – Divulgação
PS – Quinto capítulo da série sobre o coronavírus e seus impactos em Mato Grosso.
(CONTINUA)
Não acredito que eles se sensibilizem. O egoísmo vai além do humanismo
Sarita Flores – professora – Cuiabá – via WhatsApp