Conivência implícita

O governador Mauro Mendes
Construir é a palavra mágica em esferas públicas. Construir significa ordenar despesas. Construir sempre, principalmente em época de calamidade pública.

O governador democrata Mauro Mendes mandou construir 200 leitos em anexo ao Hospital Metropolitano de Várzea Grande, para fazê-lo referência no atendimento às vítimas do coronavírus. Orgásmica editorialmente, quase toda a Imprensa noticia o fato destacando o governante e lhe concedendo um galardão administrativo capaz de desqualificar Juscelino Kubitschek. Até onde isso vai?

Mato Grosso não tem caixa, mesmo após receber transferência do governo federal para o enfrentamento da pandemia. Se tivesse, os salários seriam pagos no mês trabalhado, a RGA seria creditada regularmente ao servidor, teríamos obras de envergadura e veríamos em curso interessantes programas sociais. Nada disso acontece! A população mato-grossense presencia a inércia administrativa de Mauro Mendes.

Em condições normais toda obra na área de saúde tem que ser recebida com alegria e conquista, mas diante da pandemia – e até mesmo fora da mesma – é imprescindível competência, serenidade, transparência, economicidade e lisura nos investimentos. Ao invés da ampliação do Hospital Metropolitano em nome de maior oferta de leito aos infectados pelo coronavírus, o governo poderia ter buscado alternativa menos dispendiosa, mais rápida e tão (ou mais) eficiente quanto a opção por ele adotada.  Há vários hotéis fechados em Cuiabá. Por que não utilizá-los enquanto hospitais de campanha deixando a dita ampliação para ser levada adiante após a pandemia?

Observemos que em razão do recolhimento domiciliar e a drástica mudança de costumes sociais, o fluxo de veículo sofreu considerável encolhimento em Cuiabá e Várzea Grande, o que, consequentemente, reduz o número de acidentados que recebem atendimento na rede pública, sobretudo em razão de fraturas. De igual modo, a consciência coletiva leva a população a abrir mão, no momento, de cirurgias eletivas. Em suma, a demanda hospitalar hoje é bem menos do que a verificada antes da pandemia.

Qual a construtora que amplia o Hospital Metropoliano e quanto ganha pela obra?

Quem, por quanto e sob qual tipo de licitação ganhou o direito de ampliar o Hospital Metropolitano?

Várzea Grande merece investimentos em saúde; nada, absolutamente nada contra a melhoria de sua rede de saúde, sua infraestrutura hospitalar. As demais cidades, também. Todos os hospitais regionais carecem de repaginação. Os hospitais municipais que em algumas cidades substituem os regionais, de igual modo merecem ser contemplados. Porém. o momento é dramático, exige pronta resposta observados os parâmetros funcionais, mas sem abrir mão da criatividade e da responsabilidade administrativa.

O recurso que será destinado à felizarda construtora que toca a ampliação do Hospital Metropolitano, poderia bem chegar aos lugares onde realmente faz falta.  Em dois exemplos recentes, essa é a realidade em Mato Grosso:

1) – Um paciente com suspeita de coronavírus, em Confresa ( 30.933 habitantes e sem UTI), foi removido de avião para o Hospital Regional de Sorriso (90.313 habitantes) distante 500 quilômetros por aerovia e 755 quilômetros por rodovia. Observem que esse trajeto aéreo é o mesmo entre Lisboa e Madrid, as duas capitais europeias mais afetadas pelo coronavírus. Lembrem-se que na campanha eleitoral ao governo em 2014 o então senador Pedro Taques, que venceria o pleito, prometeu construir três hospitais regionais em Mato Grosso, sendo um deles em Confresa.

2) – Em Nova Olímpia (20.301 habitantes) ao lado de Barra do Bugres (34.966 habitantes) um paciente, também com sintomas do vírus chinês, morreu sem que seu médico conseguisse uma UTI para recebê-lo.

No palanque de Taques em 2014 e com seu sorriso e abraços avalizando a promessa, estava o então prefeito de Cuiabá, Mauro Mendes, que seria um dos gurus do governo Taques. Confresa, a mais importante cidade do Norte Araguaia,  não demonstrou indignação com o descompromisso de Taques e seus aliados; tanto assim, que votou em peso em Mauro Mendes ao governo em 2018. Não somente Confresa, mas o Vale do Araguaia por toda sua expressão política e social se calou, agora tanto o município quanto a região colhem a consequência do descompromisso público com a saúde. E essa relação parece que não tende a sofrer mudanças, pois boa parte da Imprensa daquela região se junta ao coro do oba-oba pela ampliação do Hospital Metropolitano.

Nova Olímpia tem na vizinhança, bem ao lado, Barra do Bugres, sua referência em saúde pública. mas aquela cidade sequer consegue atender sua população. Esses dois municípios integram um dos maiores polos sucroalcooleiros do Brasil, onde hastearam suas bandeiras, a Barralcool e a Itamarati. Lá, nem governo por responsabilidade constitucional, nem o empresariado por sensibilidade social não investem em saúde.

Resumo: Mauro Mendes se faz passar por construtor de hospital. A Imprensa Amiga o aplaude. Mato Grosso padece. A população, pelas redes sociais e nos espaços nos poucos veículos de Comunicação que botam o dedo na ferida, tem que protestar, contestar, gritar. Não podemos fazer coro com o silêncio generalizado na Assembleia Legislativa, com a cautela comportamental da Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM), com o distanciamento da bancada federal e com a estranha postura do Ministério Público diante da obra de ampliação.

Estamos numa encruzilhada. De um lado a pandemia. De outro a necessidade do governo em construir, quando bem poderia se adaptar ao momento. Que Deus nos livre do coronavírus e nos dê força pra suportamos tantos desmandos nessa terra de silêncio contra os poderosos e de conivência implícita.

Eduardo Gomes de Andrade é editor de blogdoeduardogomes

FOTOS:

Site público do Governo de Mato Grosso – Arquivo – Divulgação

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