Claudia Cardinale o lado diva internacional de Mato Grosso

Eduardo Gomes

@andradeeduardogomes

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A morte da diva Claudia Cardinale foi manchete mundo afora. Em Mato Grosso, nem tanto, porém ela, inspirou o maior colonizador mato-grossense, Ênio Pipino, a escolher o nome de uma das cidades que ele criou na Terra de Rondon.

Final de tarde da terça-feira, 11 de julho de 1978. Ênio Pipino percorre a pé um trecho da Avenida Marechal Rondon sentindo o cheiro gostoso da terra entremeada por raízes das árvores que tombaram. Está feliz! Naquele instante sua Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná (Sinop) acaba de concluir a abertura daquela e da Avenida Gaspar Dutra. De sua ousadia nascia na quinta etapa do projeto de colonização da Gleba Celeste, a vila de Cláudia, destinada a ser cidade em Mato Grosso.

Era o ciclo da colonização da Amazônia Mato-grossense no divisor das águas do Teles Pires e do Xingu, no eixo da BR-163 que pouco tempo antes foi inaugurada. Do Sul do Brasil, principalmente do Paraná, milhares de madeireiros, agricultores e comerciantes partiam em busca de dias melhores nos projetos de Ênio Pipino. Cláudia tornou-se importante polo madeireiro.

Os pioneiros de Cláudia foram os irmãos Raul – o Raul Banana – e Antônio Maldonado, que instalaram uma serraria no lugar e, André Schneider, que morreu em acidente rodoviário logo após sua mudança para aquela localidade. O primeiro farmacêutico foi o mineiro Aurélio Lino Teixeira, que chegou a vila em 5 de março de 1979 – data histórica –, pois naquele dia a professora Roseli Maldonado iniciava o ano letivo para um grupo de oito alunos, na sua residência.

Em 2016 Aurélio mantém sua farmácia na área central e se transformou em farmacêutico da família, figura popular nas pequenas comunidades, onde praticamente todos se conhecem e confiança é prática comum. A professora Roseli aposentou-se.

Em 1º de setembro de 1986 o governador Wilmar Peres de Farias sancionou a lei de autoria dos deputados Osvaldo Sobrinho e Benedito Santiago transformando a vila de Cláudia em distrito de Sinop. O lugar não parava de crescer.

Em 4 de julho de 1988 o governador Carlos Bezerra botou o jamegão na lei de autoria do deputado José Lacerda, que emancipou Cláudia de Sinop, Itaúba e Marcelândia. A comarca de primeira entrância foi criada em 13 de abril de 2004 pelo governador Blairo Maggi após a Assembleia Legislativa aprovar projeto do Tribunal de Justiça nesse sentido.

Cláudia está interligada à malha rodoviária pavimentada nacional. Seu acesso à BR-163 é feito pela Rodovia André Maggi (MT-423). A cidade dista 80 quilômetros de Sinop. A população é de 11.632 habitantes e o município tem 3.849,991 km² com 2,86 habitantes por quilômetro quadrado. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,699 numa escala de zero a um. O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 245.970.000 e a renda per capita de R$ 21.640,90. Em 2015 sua exportação alcançou US$ 848.673.000 (FOB) e sua economia não importou nenhum produto.

Cidade com maior percentual de coleta e tratamento de esgoto no Nortão: 85%, Cláudia tem o melhor saneamento da região. A água é universalizada e parte do lixo é reciclada. Boa parte da área urbana é pavimentada.

A escolha da denominação do município, segundo Aurélio, que conviveu no dia a dia com Ênio Pipino, não teria sido feita para homenagear integrante da família do colonizador. “Ele optou por Cláudia por ser um belo nome”, explicou, acrescentando que “seo Ênio era homem desprovido de vaidade e, que teria selecionado nomes femininos que achava bonitos, de familiares ou não, para batizar as vilas e estradas que implantava, além de córregos, riachos e rios. Foi assim com os ribeirões Cristiane, Purificação e Mariana; e com os córregos Cibele, Márcia, Norma e Guilhermina; além de estradas com nomes de mulheres”. O pioneiro repete aquilo que ouviu do fundador do lugar, que desconversava sobre a razão para escolha de nomes femininos

É ELA – A explicação dada pelo pioneiro Aurélio tromba com uma resposta ao mesmo questionamento que fiz a Ênio Pipino. Certa feita, em Cuiabá, citando que tratava-se de registro histórico perguntei ao colonizador se Santa Carmem tinha algo a ver com Carmem Miranda, e ele negou qualquer ligação. Num sorriso à meia-boca comentou baixo: “Carmem (Carmem Ribeiro Pitombo) é nome de uma tia da dona Nilza (a mulher dele)”. Espichei pra Cláudia. É pela atriz? No primeiro momento ele não respondeu diretamente. Ajeitou os óculos, espichou a mão em despedida e foi enfático: “que mulher é essa Cláudia Cardinale”.

Túnis, 15 de abril de 1938. Nasce Claude Josephine Rose Cardinale, filha de um casal siciliano. Morenaço. Boca carnuda. Bunda e dentes perfeitos. Seios grandes e empinados. Cabelo preto. Cinturinha fina. Rosto de traços suaves e firmes. Olhar envolvente. Com tantos atributos assim, essa ítalo-tunisiana virou musa, sex symbol, estrela de Hollywood adotando o nome artístico de Claudia Cardinale.

Pelas mãos, ousadia e os sonhos do colonizador Ênio Pipino, Claudia Cardinale está para sempre no Nortão. Pena que ela não saiba disso.

Um parto na mata

Divisor das águas dos rios Xingu e Teles Pires, 15 horas do sábado 11 de agosto de 1979. Na clareira aberta pelo colonizador Ênio Pipino para a implantação daquela que seria a cidade de Cláudia, nasce sem médico e sem parteira o primeiro bebê da região: Cláudia Neuza da Silva, filha do casal Maria Aparecida e Leonardo Ortolani.

Foi um parto sem médico e sem parteira. Forte, dona Maria Aparecida se virou como pode com a ajuda da vizinhança. O nome Cláudia é agradecimento dos pais a cidade homônima que ajudaram a construir nos confins da Amazônia Mato-grossense.

Os Ortolani, pais de Cláudia, trocaram Diamante do Norte, no Paraná, pelo sonho da colonização da Amazônia. Não se arrependem do que fizeram nos anos 1970, quando deixaram uma região com boa infraestrutura e passaram a viver numa área caracterizada pelo isolamento, com alta incidência de malária e infestada por mosquitos.

Cláudia orgulha-se de sua cidadania. É personalidade em seu município e sempre ouve de pioneiros que nos primórdios da colonização corretores e moradores diziam aos interessados em imóveis na então vila, que ali nascera um bebê com o nome do lugar. “Essa citação mexia com o inconsciente daquelas pessoas e acho que contribuiu para que alguns mudassem para cá”, avalia Cláudia.

Casada com Nivaldo Ferreira da Silva e mãe de Eduarda, Henrique e João Vitor Ferreira da Silva, Cláudia vive na cidade onde nasceu e da qual herdou o nome.

PS – Texto extraído de um dos livros de minha autoria e publicado em 2016