Na série semanal Balaio, os cinco primeiros personagens da postagem que revela detalhes curiosos sobre políticos mato-grossenses.
Mortes de um rondonopolitano
A principal atividade de Luizão era o esporte amador, embora fosse pedreiro categorizado, com reconhecimento pelos construtores, que sempre o contratavam.
Como nenhuma dessas profissões conseguiu enriquecer alguém em Rondonópolis, não seria ele a exceção.
A receita de Luizão nunca cobria os gastos. A cada mês, por força da necessidade, ele se endividava mais e mais.
O endividamento chegou a um ponto insuportável e Luizão não teve outra saída senão a Rodovia BR-163. Pegou um ônibus e se mandou para São Paulo.
Depois de um certo período na capital paulista, Luizão, usando outro nome, telegrafou a um amigo em Rondonópolis dando conta de seu próprio falecimento: “comunico lamentavel falecimento de luizao em sao paulo vg por atropelamento pt – joao francisco”.
A notícia consternou a cidade.
Os credores de Luizão não tiveram alternativa: rasgaram as notas e vales que tinham do mesmo. “Os” não. Aguinaldo Rufino Leite de Lucena, presidente da Associação Bancária Rondonina (ABR) – mais tarde rebatizada de Canadá Country Club –, pelo sim, pelo não, continuou guardando os vales que o falecido devia aos cofres do clube.
Alguns dias depois da notícia da morte, Luizão reapareceu. Aguinaldo o cobrou e ele não gostou:
– Você precisa aprender a respeitar os mortos, meu amigo Aguinaldo – protestou Luizão.
Afro Stefanini, deputado e cacique político de Rondonópolis, resolveu o problema financeiro de Luizão: mandou nomeá-lo investigador de polícia. De caloteiro a defunto, de morto a autoridade policial. Daí para a política foi apenas um passo a mais.
Em 1976, Luizão foi candidato a vereador pela Aliança Renovadora Nacional (Arena). Não se elegeu, mas recebeu boa votação, batendo inclusive alguns figurões da cidade que se aventuraram pelas urnas naquele pleito.
Tempos depois, verdadeiramente Luizão morreu. O jornalista Odaly Ortolano, em sua sarcástica coluna ‘Zero Zero’, na Folha de Rondonópolis, registrou: “Pela segunda vez Luizão morre. Infelizmente, agora, é verdade. Por via das dúvidas, recomenda-se a eventuais credores que não se desfaçam de vales, cheques ou títulos emitidos pelo finado”.
Lamentavelmente sua segunda morte foi verdadeira e Luizão partiu. Levou um pedaço da Rondonópolis que não mais existe. Sua memória é perpetuada por uma rua que liga a cidade ao Conjunto Habitacional São José.
PS – Extraído do livro “Dois dedos de prosa em silêncio pra rir, refletir e arguir” publicado em 2015 pelo jornalista Eduardo Gomes de Andrade sem apoio das leis de incentivos culturais.
Arte: Generino.
CAPA: Édson Xavier
Padre, prefeito e torcedor
São José do Povo com Paixão. Esse o nome da coligação formada pelo PSDB, PFL, PL e PT que em 2000 elegeu o tuano Antonino Cândido da Paixão prefeito de São José do Povo – ao lado de Rondonópolis e do qual foi distrito. Vitorioso nas urnas, Antonino assumiu a prefeitura prometendo o máximo de sua capacidade em defesa do município, mas não abraçou a prefeitura como única atividade. Afinal, ele era padre e teria que dividir o tempo entre a administração e a evangelização.
Ao conquistar a prefeitura o padre Antonino conseguiu duas proezas: foi o primeiro sacerdote católico eleito em Mato Grosso após a divisão territorial e derrotou Geraldo Eustáquio de Carvalho, o Geraldo da Reserva (PMDB), que tentava a reeleição apadrinhado pelo cacique Carlos Bezerra.
Jovem, culto, amante do teatro e apaixonado pelo Vasco da Gama, o sacerdote e prefeito passou a sofrer resistência por parte de vereadores. Desgostoso com o modelo político sequer tentou a reeleição em 2004. O bispo de Rondonópolis, Dom Osório Stoffel, ao qual se reportava, o proibiu de celebrar missa em seu município e autorizou que fizesse celebrações na Igreja São José Operário, em Vila Operária – um dos principais bairros rondonopolitanos.
Prefeito sem base de sustentação na Câmara. Sacerdote sem altar em sua cidade. Padre Antonino pegava a rodovia MT-270 e fazia o curto percurso de São José do Povo a Rondonópolis, para suas celebrações. Na solidão da viagem, ao volante, com certeza acalentava o sonho de deixar tudo aquilo e voltar pra Chapada dos Guimarães, sua terra. Mais tarde ele faria isso: saiu da política, aposentou a batina e assumiu sua condição de professor.
NO ALTAR – Manhã de domingo, igreja lotada, padre Antonino ao altar celebra missa. Na homilia, com sua fé e dom oratório, transporta trecho do Evangelho para a realidade do momento. a Igreja o ouve silenciosa. Naquele momento o político não está ali: somente o evangelizador. Ao término, na bênção final, despedindo-se do rebanho católico, ele não consegue evitar que seu lado torcedor fale mais alto. O aspecto partidário era fácil de ser descartado, mas com a paixão – aquela que carrega no sobrenome e dava rótulo à sua coligação – nada podia ser feito e, ele, a todos os pulmões grita:
– O Senhor esteja com Vaaaaaaaaaasco!
A igreja, contrita, responde:
– Aaaaaaaaaamém!
O voo do Canarinho em Aripuanã
Mato Grosso é terra de oportunidades, mas dinheiro não cai do céu. Sabendo isso, o paranaense Jonas Rodrigues da Silva não dava chance ao azar: trabalhava dia e noite, noite e dia. Ora em seu pequeno Hot Dog com sua moto transportando passageiros ou fazendo entregas. O estabelecimento comercial ajudou a fazê-lo conhecido, mas sua popularidade surgiu com suas peripécias sobre duas rodas: era o mototaxista da capa amarela, que se abria com o vento, parecendo asas de canarinho. A sabedoria popular via aquela cena pelas ruas pouco movimentadas de Aripuanã e isso lhe rendeu o carinhoso apelido de Jonas Canarinho.
Rebatizado pela sabedoria popular, Jonas Canarinho virou uma espécie de figura da cidade, quase um xodó da população – não chegou a tanto, porque entrou para a política – e nunca faltam adversários.
Jonas Canarinho para lá Jonas Canarinho pra cá e o homem da moto e da capa amarela conquistou mandato de vereador por três legislaturas consecutivas, e por um biênio presidiu a Câmara. Em 2016, seu voo foi mais alto: pelo PR venceu a eleição para prefeito batendo dois adversários – o então prefeito Edmilson Faitta (PMDB) e a ex-vereadora Seluir Peixer (PSDB) .
Prefeito de Aripuanã, Jonas Canarinho foi eleito secretário-geral da Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM).
Na simplicidade de suas atividades vendendo lanches e pilotando uma moto, graças ao apelido que o popularizou, Jonas Canarinho chegou ao topo do poder municipal numa terra caracterizada por grandes pecuaristas e poderosos madeireiros.
ARIPUANÃ – O município administrado por Jonas Canarinho tem 22 mil habitantes e sua área de 25.107 km² é maior que Sergipe ou Israel. Na Amazônia Mato-grossense, Aripuanã dista 980 quilômetros de Cuiabá e recebe levas migratórias após a descoberta de um garimpo de ouro perto de sua sede e da instalação do Projeto Aripuanã da mineradora Nexa Resources (sucessora do Votorantim) para exploração de uma mina que produzirá concentrados de zinco, cobre e Chumbo; esse projeto prevê investimento de R$ 1,5 bilhão e deve gerar 2.500 empregos diretos e indiretos.
Apelido que virou marca política
Com 24 anos e uma Maleta 007 recheada com diplomas universitários, mas desempregado. Era começo de 1983 e José Carlos Junqueira de Araújo procurava um rumo na vida. Chegou a pensar em articular um cargo na prefeitura de Ji-Paraná (RO), onde um rondonopolitano se destacava, mas desistiu por uma boa causa. Seu pai, o Miranda (dentista Altamirando de Araújo Miranda) – sem trocadilho pela profissão – conseguiu uma boca para o filho, que acabava de desembarcar em Rondonópolis formado em engenharia civil, matemática e inglês. Além de ser oficial R/2, como ele faz questão de destacar.
Com o filho desempregado, Miranda bateu à porta do prefeito Carlos Bezerra (PMDB), seu amigo de longa data e que acabara de assumir o cargo. Pediu emprego para o filho. Foi pra casa feliz: você vai ser o chefe do Pátio de Máquinas da Prefeitura. Consegui com Bezerra – disse radiante.
A função do contratado era cuidar do Pátio e atender os encaminhamentos do chefe Bezerra que ora os fazia por meio de bilhetes ora por telefone e até pessoalmente.
Bezerra estava de olho no Palácio Paiaguás (o conquistaria em 1986) e atendia a todos, indistintamente. Quando procurado pra patrolar rua, tirar entulho, resolver problema de vazamento de fossas nas vias públicas e outras demandas parecidas, ele não vacilava e apontava o endereço certo para a solução: vá ao Zé Carlos – dizia. O atendido não sabia de quem se tratava e Bezerra explicava quem era: é o Zé do Pátio. Vá nele, leva meu bilhete e pronto.
Zé do Pátio pra um, pra dois, pra 10, pra 100 pra mil, pra milhares. Pronto! O José Carlos Junqueira de Araújo saiu de cena e entrou o Zé do Pátio.
Da função pra política não foi preciso nem um passo, porque ela estava nele e ele nela. Virou vereador eleito em três legislaturas consecutivas. Foi deputado estadual em quatro mandatos, mas interrompeu dois para ocupar o cargo de prefeito, para o qual foi eleito em 2008 e 2016. Também sofreu revezes disputando a prefeitura e até mesmo após ser eleito e empossado: em julho de 2012, faltando cinco meses para completar o mandato, foi cassado por crime de abuso de poder econômico na campanha – mandou fazer 500 camisetas temáticas a mais do que o permitido. Em 2014 foi eleito deputado pela quarta vez e após a posse a mesma Justiça Eleitoral que o condenou o absolveu. Por enquanto, sua última proeza nas urnas foi vencer o pleito para prefeito em 2016, pela legenda do Solidariedade, depois de muitos anos filiado ao PMDB, que trocou a sigla para MDB.
Paranaense de Londrina, mas de família rondonopolitana, Zé do Pátio é professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat). Todos os dias, de todas as semanas, de todos os meses e de todos os anos ele está sob o crivo da Justiça por questões relacionadas à sua administração. Parece-me que o Ministério Público teima em judicializar o exercício de cargo eletivo.
Falante, sempre se expressando com rapidez e alto, sem ficar quieto um segundo sequer, Zé do Pátio é chamado por alguns – à distância – de Menino Maluquinho.
Pra agradar Altamirando, Bezerra deu emprego ao seu filho. Para facilitar sua identificação passou a chamá-lo Zé do Pátio. Conscientemente ou não um dos maiores caciques da história política mato-grossense deu a função certa e o apelido ideal para popularizar o apelidado. Assim, nasceu Zé do Pátio, que em 6 de fevereiro deste ano entrou para a terceira idade carregando a responsabilidade de administrar o principal município do agronegócio brasileiro, Rondonópolis.
PS – Sou grato a Zé do Pátio, que em 5 de dezembro de 1997 enquanto vereador concedeu-me o honroso Título de Cidadão Rondonopolitano.
FOTO: Marcos Lopes
Baú em céu de brigadeiro
Em 1973 o mineiro de Lagoa da Prata, José Antônio de Almeida era um jovem piloto em busca do pão de cada dia. Naquele ano, com seu Cessna 172, ele decolou emParacatu, em seu Estado, com destino aos garimpos de ouro em Itaituba, no Pará, onde pretendia trabalhar. Na rota, pousou em São Félix do Araguaia para prosseguir no dia seguinte.
Em São Félix, pilotos desaconselharam José Antônio de tentar a sorte no Pará. Seu avião, de pequeno porte, não se encaixava no perfil das aeronaves que voavam garimpo. Pensativo, fechou a porta do quarto do hotel pra dormir, sem saber se decolaria ou se ficaria.
Ao clarear o dia o porteiro bateu na porta do quarto de José Antônio: “acorda ó do BAU. Tem um pessoal precisando voar”. Com seus botões ele pensou, “lugar bom pra se ganhar dinheiro”.
Os voos continuaram. Seu coração também bateu asas e o levou ao altar. Nunca mais saiu de São Félix, onde além de tudo que a vida lhe deu, ganhou o apelido do prefixo de seu Cessna, porque seus primeiros clientes não sabiam seu nome e o identificavam como sendo o homem do BAU, mais tarde apenas Baú.
Por duas vezes Baú foi prefeito da cidade lhe rendeu o apelido e onde o encontro das águas do rio das Mortes com o Araguaia resultou no surgimento da lendária Ilha do Bananal.