Memória de elefante não é um simples ditado popular, pois o pesadão paquiderme de origem africana e asiática jamais esquece. E o que deve passar nesse momento pelas cabeças de Maia e Rana, e a nova amiga das duas, Ramba, que nesse fim de semana chegou ao Santuário de Elefantes Brasil (SEB), na mística Chapada dos Guimarães. Claro que se soubessem falar, gritariam: estamos livres dos maus-tratos, mas aqui não é o lugar ideal para nós!
Lugar calmo, com área de 1.540 hectares – ou como os ecologistas gostam de dizer: do tamanho de 1.540 campos de futebol. Assim é a área do SEB, uma organização não governamental sem fim lucrativo – é meio redundante, mas é assim sua apresentação. Essa ONG é controlada pela Global Sanctuary for Elephants (GSE) e a Elephants Voices instaladas nos Estados Unidos e presidida pelo americano especialista em elefantes Scott Blais, secundado por sua mulher e veterinária Keith.
Insistindo que se os elefantes falassem, as três ocupantes do SEB diriam que saíram do inferno nos circos, onde eram submetidas a maus-tratos, e que se encontram num lugar de desconforto, que não é seu habitat natural.
O custeio do SEB, ora com três exemplares, é elevado e a ONG se sustenta com doações internacionais e de brasileiros. Ao invés do santuário em Chapada, o ideal seria resgatar elefantes na América do Sul (objetivo do SEB) e enviá-los diretamente para seus lugares de origem na Ásia e África. O custo seria somente o transporte e a logística para a transferência.
O SEB foi criado em 2017, tem capacidade para 50 animais e em 24 de junho perdeu Guida, que ali morreu. O ambiente é muito melhor do que o cativeiro circense, mas a vegetação, o clima e as demais espécies animais são diferentes da Ásia e da África. A situação de Ramba, Maia e Rana transportada para o ser humano inocente, numa ampla visão sobre liberdade, seria algo como retirar o prisioneiro de uma cela minúscula e insalubre, e mantê-lo preso numa estrutura carcerária mais ampla, mas sem perspectiva de livrá-lo da unidade prisional.
A intenção da ONG dos elefantes em Chapada pode ser a melhor possível, mas sua prática é questionável e deveria ser objetivo de análise aprofundada pelo Ministério Público, Assembleia Legislativa, Governo de Mato Grosso e a prefeitura do município.
Certamente Maia e Rana concordariam de imediato com essa proposta, se fossem consultadas e se soubessem falar. Ramba talvez demorasse um pouco mais a responder. Afinal, ela ainda carrega as cicatrizes mentais (memória de elefante) do sofrimento de picadeiro em picadeiro, no Chile, onde por último atuou no Circo Los Tachuelas – o maioral daquele país andino – até ser resgatada pelo Serviço Agrícola e Pecuário chileno. Porém, se lhe derem um curto tempo, fará coro com as duas vizinhas, sem pestanejar.
Não se pergunta idade a uma senhora, mas Ramba acumula antigos sofrimentos, que no entanto não lhe roubam a boa forma e ela passa no desafio da balança com seus 3.600 kg. Sua viagem do Chile a Viracopos, em Campinas, foi em céu de brigadeiro, num cargueiro com a tripulação orgulhosa pela ilustre passageira. O restante do percurso foi rodoviário, com direito a batedores da Polícia Rodoviária Federal.
Maia, Rana e Ramba. Juntas num ambiente natural diferente daquele onde nasceram. Um custo elevado para mantê-las naquele universo que sofre interferência com as estranhas habitantes. Está na hora de agir. Foi muito bom tirá-las dos circos, mas isso não basta. É imprescindível lhes conceder liberdade plena, muito além daquela do picadeiro ampliado onde estão confinadas.
Eduardo Gomes de Andrade – editor de blogdoeduardogomes
eduardogomes.ega@gmail.com
FOTO: Reuters distribuída pela Agência Brasil em página de domínio público