“Pai, fala pra esse guri não vir com molecagem para o meu lado no dia em que a gente for adversários, porque eu vou rachar ele no bico da botina…”
Este pedido foi feito pelo zagueiro central Nagib, do Atlético Mato-grossense, ao pai Camilo Jaudy num dia qualquer de 1953, quando o seu irmão João Batista Jaudy chegou em casa todo gabola com Cr$ 1.000,00 no bolso, dinheiro que havia recebido do Dom Bosco como luvas por ter assinado contrato com o azulão.
A raiva de Nagib, que se aproveitava do seu físico avantajado para intimidar atacantes, ameaçando arrebentá-los na pancada, não era na verdade contra o seu irmão, então um garoto com 16 anos, mas contra o treinador do Dom Bosco, José Berfiles…
Acontece que Nagib sempre sonhou em jogar no Dom Bosco. No entanto, o treinador dombosquino do início da década de 50, José Berfiles, nunca lhe deu uma chance sequer de realizar um período de testes no azulão, uma das forças do futebol mato-grossense daqueles tempos. Daí a sua bronca contra o Dom Bosco.
Revelado pelo Colégio Salesiano São Gonçalo, onde estudava, o centroavante Batista logo despertou a atenção de alguns clubes de Cuiabá. Con-tudo, ele preferiu ingressar no Clube Atlético Mato-grossense, em 1951, para jogar ao lado do seu mano Nagib.
Batista sabia da bronca de Nagib pelo técnico do azulão, mas não resistiu à proposta do dirigente Macário Zenagape Santos Pires para se transferir para o clube dombosquino. Ele tinha suas razões para mudar de clube, sem consultar a família: afinal, a bolada que havia recebido como luvas era um dinheirão se comparado com os Cr$ 5,00 ou Cr$ 10,00 que o pai Camilo lhe dava nos finais de semana…
O conflito familiar foi resolvido com a intervenção do seu Camilo, que por sinal detestava futebol. Mas ele não podia fazer nada diante da decisão dos filhos de jogar bola, porque os dois conseguiam conciliar muito bem a atividade esportiva com os estudos. E Batista foi mesmo para o Dom Bosco – apesar das ameaças do irmão – e Nagib continuou no Atlético.
Quando estava defendendo o Dom Bosco, onde continuou jogando no meio campo e não como atacante, Batista mudou-se para Campo Grande para estudar. No ano seguinte voltou para Cuiabá e para o Atlético.
Num domingo, o time seguia para Várzea Grande sobre a carroceria de um caminhão para disputar um amistoso com o Operário, quando Macário Zenagape, que tinha assumido a direção técnica, comentou que estava com um sério problema: o centroavante Ney não ia jogar, porque tinha que ir à festa de noivado de Godoy, seu companheiro de time e de trabalho no Banco do Brasil.
– Você nunca me deu uma oportunidade de jogar no Atlético na minha verdadeira posição. Deixe-me jogar hoje no lugar do Ney que eu faço no mínimo cinco gols! – implorou Batista de forma meio zombeteira…
Claro que o que se viu e ouviu foi muita gargalhada e gozação dos seus companheiros. E com razão. Onde já se viu um lateral direito improvisa¬do em centroavante marcar cinco gols num único jogo?…
Depois da façanha, o até então médio volante e lateral direito foi efetivado na posição, com Macário Zenagape atendendo a pedidos dos jogadores e, principalmente, do titular Ney, que não era um goleador tão virtuoso quanto Batista e vivia numa eterna briga com a balança…
E foi como centroavante que Batista fez sucesso no futebol. Além do Atlético, Dom Bosco e Americano, ele jogou no Operário, de Campo Grande, e na seleção campo-grandense quando serviu o Exército, em 1957, e ainda na Associação Recreativa do Catete e na seleção universitária fluminense entre 1957/60 quando fazia o curso de farmacologia no Rio de Janeiro.
Quando foi servir o Exército, Batista levou uma carta de apresentação de um torcedor do Comercial que morava em Cuiabá para o clube campo¬-grandense. Mas antes de ser incorporado ao Exército, Batista conheceu dois cuiabanos – Nascimento e Ubirajara – que jogavam no Operário e que o con-venceram a ingressar no alvinegro.
Para infelicidade de Batista, a unidade em que ele serviu tinha um tenente que era alto dirigente do Comercial e sabia da carta de apresentação do torcedor do clube. Um dia, na frente de toda a tropa, o oficial passou uma descompostura daquelas em Batista por causa da sua molecagem de aceitar o convite do Operário. Restou ao recruta baixar a cabeça e ouvir a espinafrada caladinho…
– Se naquele tempo qualquer cabo ou sargento já esculhambavam os soldados por qualquer motivo, é fácil imaginar o que ouvi da boca daquele tenente – recorda Batista.
Durante o tempo em que morou no Rio de Janeiro, Batista continuou inscrito no Dom Bosco e participou de todos os jogos importantes do azulão. Ele saía do Rio na quinta-feira, jogava no sábado ou domingo e voltava no primeiro avião que saísse de Cuiabá. No Rio, fez testes no América, com Martim Francisco, e no Fluminense, com Zezé Moreira. Fez por fazer, pois o que ele queria mesmo era estudar…
Em 1967, convidado por Rubens dos Santos, o professor de Educação Física Batista virou técnico do Operário, dirigindo depois o Mixto (68), o Dom Bosco (69), voltando a treinar o Operário em 74 e 75, quando encerrou a carreira esportiva.
PS – Reproduzido do livro Casos de todos os tempos Folclore do futebol de Mato Grosso, do jornalista e professor de Educação Física Nelson Severino