Eduardo Gomes
@andradeeduardogomes
Você já viu jovem na esquina fazendo pedágio em busca de ajuda para disputar jogos fora de seu município? Claro que já viu uma, duas, três, várias vezes. Isso, por falta de política pública em Mato Grosso para fomentar atividade esportiva e, consequentemente criar uma blindagem para crianças na puberdade não serem adotadas pelo crime organizado ou empurradas à prostituição infantil. Mesmo assim, alguns jovens atletas são amparados por figuras e autoridades distantes do poder estadual. Os Jogos Olímpicos de Paris nos mostram apenas sete competidores considerados mato-grossenses, muito embora quatro tenham mudado para outras regiões.
A classe política, com as exceções de sempre, insiste em ver no esporte uma despesa, um saco sem fundo. Ainda no aspecto da monetização tendo o efeito nas urnas como capital eleitoral, é mais vantajoso a realização de um rodeio com montarias em touros e cavalos, bancado com emenda parlamentar do que assegurar boa alimentação, assistência médica e hospitalar aos 334 mil alunos matriculados nas 648 escolas da rede pública nos 141 municípios nesta Terra de Rondon, onde mais de 700 mil indivíduos não têm segurança alimentar, pois vivem abaixo da linha da pobreza ou próximo a ela.
Nos Jogos Olímpicos de Atlanta, na Geórgia, Estados Unidos, que celebraram os 100 anos das Olimpíadas da Era Moderna, o Comitê Olímpico Internacional (COI) recomendou aos governos dos estados participantes do evento ou não, que investissem no esporte em defesa das crianças e juventude. Transcorridos 28 anos Mato Grosso permanece indiferente àquele pedido. Os governantes do período: Dante de Oliveira, Rogério Salles, Blairo Maggi, Silval Barbosa, Pedro Taques e Mauro Mendes que está no poder, fingiram que o brado em Atlanta não aconteceu.
Em Paris, sete nomes são apresentados como sendo mato-grossenses: Almir Júnior, do salto triplo; Caroline dos Santos, do taekwondo; Ana Sátila, da canoagem slalom e do caíque; Vagner Souta, canoísta; Ana Angélica, do futebol bretão; Yasmin Soares, do rugby; e Lissandra Campos, do salto em distância. Todos medalhistas nacionais e continentais. Ana Sátila disputou as olimpíadas de 2012, 2016 e 2020; e Almir Júnior representou o Brasil nas olimpíadas de 2020.
Dos sete mato-grossenses, Ana Sátila, Almir Júnior, Caroline dos Santos, Vagner Souta e Ana Vitória estão desligados de Mato Grosso no plano esportivo. Restaram Yasmim Soares e Lissandra Campos. Com 3.648.649 habitantes somos um Estado fracassado, mas não pela presença de apenas dois atletas em Paris e sim pela ausência deste mesmo Estado na formação de nossas novas gerações.
A canoísta Ana Sátila Vieira Vargas, a Ana Sátila (canoagem C1 e K1) nasceu em Iturama (MG), em 13 de março de 1996. Aos 9 anos, quando morava em Primavera do Leste descobriu a magia da canoagem treinando nas correntezas das águas esverdeadas do rio das Mortes. Sem apoio do governo e da prefeitura, Ana Sátila deixou Mato Grosso, foi para Foz do Iguaçu (PR) – é cidadã do mundo.
BARREIRA– Em 1995 quando Ana Sátila remou pela primeira vez, no rio das Mortes, o prefeito de Primavera era o paranaense Getúlio Viana, que não investiu no esporte. De família pobre, a canoista precisava de patrocínio, mas a cidade à época tinha considerável parcela da população petulante, que não engolia quem não fosse sulista. Mineira, a agora atleta olímpica Ana Sátila enfrentou preconceitos. Primavera à época segregava pobres em uma espécie de gueto formado por barracos de madeira e piso de chão batido, para que os produtores rurais quando necessitassem de mão de obra a buscasse ali.
Mato Grosso precisa de uma política pública que vá além do uniforme escolar, da merenda na escola, da educação física que observa a aptidão esportiva da criançada. Para tanto, o primeiro passo seria a despolitização da Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer (Secel), ora ocupada por um judoca medalhista, David Moura, não por sua história no tatame, mas por força das circunstâncias, para substituir o antigo titular Jefferson Neves, que caiu em desgraça política. A Secel é um verdadeiro palanque político. Foi assim, também, em governos anteriores. O desfecho desse caso é o abandono da criançada matriculada na rede pública. Para amenizar, o governo criou o programa Olimpus, que o informe oficial em julho revela contemplar 520 atletas, paratletas, atletas-guia e técnicos com bolsas que variam de 400 reais a 2 mil reais, dependendo da categoria. O grosso do desembolso é feito para o atleta base, que recebe 400 reais.
Sem detalhes, o programa Olimpus anunciou que daria premiação de 30 mil a 100 mil a atletas mato-grossenses em Paris.
A apatia do governo estadual é a mesma de praticamente todas as prefeituras. Junto ao empresariado não há sequer sinalização para investimento no esporte. Restam as iniciativas isoladas, que merecem reconhecimento.
ADEUS – Sem apoio Mato Grosso perdeu a meio-campista Ana Vitória Angélica Kliemaschewsk Araújo, a Ana Vitória, nascida no dia 6 de março de 2000, em Rondonópolis, jogadora da equipe de futebol do Atlético de Madri, mas que começou a carreira em Mato Grosso.
O futebol feminino mato-grossense é considerado fraco e o clube que mais investe nesta modalidade esportiva é o Mixto Esporte Clube, de Cuiabá. Sem horizontes para atuar em sua terra, Ana Vitória ganhou o mundo e sua convocação para a Seleção Brasileira nos Jogos de Paris não causou surpresa a ninguém.
DEBANDADA – Almir Cunha dos Santos, o Almir Júnior, nasceu em Matupá no dia 4 de setembro de 1993. É triplista e ainda adolescente mudou-se para Porto Alegre onde passou a treinar na Sociedade de Ginástica de Porto Alegre (Sogipa). Posteriormente ingressou na Marinha do Brasil – é terceiro-sargento incluído ao Programa Olímpico da Marinha (Prolim).
Mesmo mato-grossense de berço, Almir Júnior não representa Mato Grosso nas Olímpiadas, mas a Sogipa e consequentemente o Rio Grande do Sul.
Vagner Souta Júnior, o Vagner Souta, é canoísta de velocidade (K1), nasceu no dia 10 de fevereiro de 1991, em Guarantã do Norte, mas não tem vínculos com Mato Grosso. Desde criança reside em Cascavel (PR), onde defende o Clube de Regatas Cascavel.
Antes do esporte Vagner Souta foi seminarista no Paraná, mas desistiu da ordenação sacerdotal pela canoagem.
CORAÇÃO DO BRASIL – Caroline Gomes dos Santos, a Caroline Santos, atleta do taekwondo nasceu no dia 6 de fevereiro de 1996, em Água Boa, no coração do Brasil. É terceiro-sargento do Exército e incluída ao Programa de Atletas de Alto Rendimento (PAAR) desenvolvido pelas Forças Armadas e não tem patrocínio de Mato Grosso.
Caroline Santos começou a praticar taekwondo em 2011 com o mestre Euzébio Gomes, seu primo, na escolinha de taekwondo de Água Boa.
Por sorte, quando demonstrou interesse pelo taekwondo, Caroline Santos morava em Água Boa, onde o então prefeito Maurício Tonhá prestigiava e investia no esporte amador.
Para dirigir o esporte amador Maurício Tonhá nomeou o professor de basquete Gilberto Liell, gerente de Esportes da prefeitura. Liell, catarinense de Guaraciaba, pioneiro no município, onde chegou em 1976 quando a então vila de Água Boa tinha apenas 41 casas de madeira, conhecia praticamente todas as famílias do lugar e incentivava pais e mães para inscreverem seus filhos nas escolas de taekwondo, basquete, vôlei, futsal, handebol e outras modalidades.
Em 31 de outubro de 2013, quando Caroline Santos recebeu a faixa preta de taekwondo de seu mestre Euzébio, com a avaliação de uma banca examinadora da Federação de Taekwondo do Estado de Mato Grosso (FTKDMT), um dos primeiros abraços que recebeu foi do emocionado Gilberto, que tanto a incentivou e acompanhou sua trajetória.
Nos meios esportivos mato-grossenses, onde é muito conhecido, Gilberto é considerado benemérito – merecidamente.
Entre nós
No momento Paris é endereço provisório de duas atletas olímpicas mato-grossenses: Lissandra Campos e Yasmin Soares.
Lissandra Maysa Campos, a Lissandra Campos, nasceu em Nossa Senhora do Livramento no dia 6 de fevereiro de 2002. Sua terra tem 12.940 habitantes e os que ali nascem são chamados de papa-banana, por conta da grande produção da fruta naquele município.
Lisandra Campos é atleta do atletismo na modalidade salto em distância, e foi aceita pelo Instituto Vicente Lenilson, em Cuiabá, que promove a prática esportiva para crianças. Em seguida a atleta foi incluída ao PAAR e recebeu a divisa de Cabo do Exército no 9º Batalhão de Engenharia de Construção (9º BEC) na capital mato-grossense. Neste ano foi promovida a terceiro-sargento.
Treinada pela ex-atleta olímpica Cida, Lissandra Campos recebe bolsa e apoio do Exército e também do Olimpus.
Yasmim Luiza de Lima Soares, a Yasmim Soares, nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 5 de maio de 1999. Defende o Melina Rugby Clube de Cuiabá. Yasmim Soares pratica o rugby seven, modalidade pouco conhecida no Brasil, mas que em Cuiabá encontra um de seus centros de crescimento.
Em Paris, Yasmim Soares ganhou as capas dos jornais e sites esportivos por sua foto de tiete ao lado do presidente Emmanuel Macron durante sua visita e almoço na vila olímpica.
MESTRE – O atletismo mato-grossense tem uma grande dívida de gratidão com o professor de Educação Física Expedito Sabino da Silva que aos 82 anos, vítima do Mal de Alzheimer, nos deixou em 28 de setembro de 2023, em Cuiabá. Na década de 1970, a convite do reitor da Universidade Federal (UFMT), Gabriel Novis Neves, o professor Expedito foi um dos fundadores do curso de Educação Física da UFMT.
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Incentivador do atletismo, o professor Expedito Sabino idealizou e organizou a Corrida de Reis – maior prova de rua no Centro-Oeste – que foi assumida pela TV Centro América. A título de sugestão deveria ser criada uma medalha com o nome do professor Expedito Sabino para premiar a melhor colocação mato-grossense na Corrida de Reis.
O professor Expedito Sabino treinou a corredora Jorilda Sabino, a Cinderela Negra, que ganhou destaque nacional ao disputar descalça a Corrida de São Silvestre.
Por iniciativa do deputado estadual Carlos Avallone (PSDB) o Centro Olímpico de Treinamento (COT) da UFMT recebeu o nome de “Centro Olímpico de Treinamento Professor Expedito Sabino da Silva”. Foi um benemérito do esporte amador mato-grossense.
ONIPRESENTE – Pelo nome civil de Dinalte Miranda Oliveira poucos conhecem o repórter fotográfico que há quatro décadas faz de sua vida um sacerdócio pelo esporte amador mato-grossense. Mas, se nos meios esportivos nos 141 municípios instalados alguém perguntar pelo Tuiuiú, todos saberão de quem se trata.
Esporte é para ser praticado, mas ao mesmo tempo tem que ganhar divulgação. E divulgação é com Tuiuiú que com sua máquina fotográfica e sua filmadora está presente nas competições municipais, regionais e interestaduais – e que tem o maior banco de imagens do esporte mato-grossense.
Tuiuiú não tem patrocínio nem recebe incentivo do governo estadual. Nenhuma prefeitura valoriza seu trabalho. E pior: não raramente secretários municipais de Esporte compram suas fotos e dão o vergonhoso calote em seu trabalho.
Não é exagero dar o crédito de benemérito do esporte para Tuiuiú, que merece reconhecimento por sua dedicação, responsabilidade e zelo por sua profissão.
Sem exagero: se para avaliação da cobertura do esporte amador de modo capilarizado botarem de um lado a Imprensa mato-grossense e de outro lado Tuiuiú, não tenham dúvida que sua vitória será por goleada.
Sivirino Souza dos Santos, o Professor Sivirino é uma lenda vida do atletismo mato-grossense. Baiano de Correntina, o Professor Sivirino reside em Barra do Garças onde é vice-prefeito e foi vereador.
Quando criança a família do Professor Sivirino mudou-se para Piranhas (GO), cidade próxima a Barra do Garças. Jovem mudou-se para a Barra para estudar. Para garantir o sustento, passou a trabalhar em um frigorífico da Sadia, onde conheceu o atletismo, uma vez que aquela empresa apostava alto no patrocínio ao esporte.
Em Barra do Garças, no dia 20 de janeiro de 1989 o Professor Sivirino disputou sua primeira prova atlética ficando em 19º entre os 20 participantes. Pegou gosto pelo esporte. Em maio de 2004 fundou a Barra do Garças Associação de Atletismo (BGAAT) e liderou a construção da Casa do Atleta, ao lado de uma pista de atletismo moderna.
Gerações de atletas e vários professores de Educação Física foram alunos de atletismo do Professor Sivirino, que é considerado um pai no ambiente esportivo. Nada mais justo que incluí-lo entre os beneméritos do esporte mato-grossense.
Desde 1972, quando montou a Associação de Judô e Cultura Física de Rondonópolis, naquela cidade, o sensei Manao Ninomiya transmitiu ensinamentos para mais de seis mil judocas. Em 2000, participou da fundação da Liga Nacional de Judô e da Liga de Judô Mato-grossense.
O sensei Manao chorou apenas uma vez na vida: em 26 de setembro de 1943, quando nasceu, em Mibu. Menino criado no Japão arrasado pela guerra, trabalhava de sol a sol como se fosse adulto, dando duro no cultivo do arroz. Encantando com o judô, o via de longe, pois não tinha recursos para comprar quimono, até que um dia a sorte mudou. Entrou no tatame e nunca mais saiu, nem mesmo nos sete anos em que foi policial e chegou a integrar o corpo de segurança do primeiro-ministro – ora estava atento ao trabalho ora treinava com dedicação oriental.
Em 31 de dezembro de 1968 embarcou num navio rumo ao Brasil em busca de oportunidade de vida no ensolarado país onde vivia uma grande colônia de sua terra. Depois de 43 dias no mar, desembarcou em Santos. Teve um curto período naquela cidade, em Mogi das Cruzes e na capital paulista. Pegou no batente no paulistano bairro da Liberdade, povoado por japoneses e seus descendentes – lá, vendia anúncios de jornal editado em japonês. Em São Paulo foi convidado para ser professor, mas não tinha documentação para tanto e o governo encontrava dificuldade momentânea para expedir Carteira de Trabalho. Enquanto aguardava pela possibilidade de requerer aquele documento foi para Campo Grande, então Mato Grosso, retornou para São Paulo e novamente voltou para a atual capital de Mato Grosso do Sul.
O JAPÃO É AQUI – Em Campo Grande montou uma academia e o empresário Ibrahim Zaher era seu aluno. Zaher sugeriu que ele se mudasse para Rondonópolis, onde havia mais campo para a expansão de sua atividade. Zaher pertence a uma família que tem uma agência Chevrolet e investimentos em Rondonópolis, há décadas.
Rondonópolis era uma cidadezinha empoeirada, sua energia era gerada por conjunto estacionário e sequer contava com telefonia interurbana. Ao longo de 52 anos o sensei Manao participa e ajuda a promover o desenvolvimento rondonopolitano. Dentre seus alunos, alguns seguem sua trilha de ensinamento, a exemplo do sensei Robério Libânio.
Sou grato ao sensei Manao – do qual eu e meus filhos Agenor e Luiz Eduardo fomos alunos – pelo alcance social de seu trabalho com reflexos positivos em Mato Grosso. Por questão de justiça Rondonópolis deve tê-lo sempre entre seus grandes vultos.
Cidade enrodilhada pelo crime organizado, Rondonópolis reconhece o papel do sensei Manao e do sensei Robério, que abraçam crianças e adolescentes carentes impedindo que sejam arrastados pela criminalidade.
Ambos são beneméritos do esporte mato-grossense.
Em Mato Grosso há vários outros beneméritos do esporte amador, incluindo batalhões da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar, que ministram cursos de defesa pessoal para crianças e adolescentes em condições de vulnerabilidade social.
Em Várzea Grande o 4º Batalhão de Polícia Militar desenvolve o programa ‘4 Bravo Lutas’, que ministra aulas de judô, karatê e jiu-jitsu. Em Cuiabá, o Batalhão de Rondas Ostensivas Tático Móvel (Rotam), jiu-jitsu; ainda na capital, o Batalhão de Operações Policiais Ostensivas (BOPE), judô. Em Rondonópolis o 3º Batalhão de Bombeiros Militar atua desde 1999 com o projeto Karabom, que ensina karatê.
Texto muito bom, todos os políticos de Mato Grosso deveriam ler. A leitura é ótima para todos e necessária para os políticos.
Valdecy Vieira – Professor, agricultor e pré-candidato a vereador por Aripuanã – Conselvan (de Aripuanã) – via Facebook
Show de matéria. Parabéns,
Marco Antônio Raimundo – Artista plástico e designer gráfico – Cuiabá – via grupo de WhatsApp Boamidia
Espetacular… incomodante !…
Walter de Fátima – coronel da reserva remunerada da PMMT – Cuiabá
Somente o senhor poderia nos brindar com esta informação isenta. Continuo sua fã de carteirinha
Muito ótima reportagem e uma maravilhosa reflexão, seria muito necessário que nossos governantes mudassem o olhar sobre o esporte e a apoiassem de fato nossas crianças e adolescentes no esporte amador.
Marcia do Manoel da Prelazia – pedagoga – São Félix do Araguaia – via WhatsApp