À véspera do tricentenário em 8 de abril, Cuiabá vê o desmoronamento de um de seus maiores símbolos arquitetônicos, diante da inércia da prefeitura
Foi no período colonial, na metade do século XIX, que, na rua Sete de Setembro, no centro de Cuiabá, as paredes de adobe foram sendo construídas transformando-se em um lindo casarão que viria a ser a residência do governador de Mato Grosso Coronel Generoso Paes Leme de Souza Ponce. Sua fachada possuía ornamentos que faziam referência a diversos períodos arquitetônicos. O casarão era tão grande, que possuía duas fachadas, a segunda na rua Galdino Pimentel. Possuía! No último dia 29 de janeiro, parte dessa riqueza foi abaixo. Alguns insistem em dizer que foi por conta de uma forte chuva. Mas o motivo vai muito além.
Em péssimo estado de conservação, o patrimônio que caracteriza a própria identidade e manifestação regional de Cuiabá, não resistiu ao esquecimento. Parte do processo histórico cuiabano e da trajetória da sociedade ruiu e os pedaços ainda estão jogados ao chão.
Há dois meses a tragédia foi avisada. Eram visíveis os sinais de que tudo poderia vir abaixo a qualquer momento. Mas nenhuma providência foi tomada. “Que belo presente de 300 anos nos deram”, lamenta Pedro Celestino, vizinho da frente há longa data. Ver a casa destruída e a rua obstruída com os entulhos traz sentimento de tristeza a esse morador que com muito esmero conserva a sua residência com as características e riquezas de um verdadeiro imóvel pertencente ao centro histórico cuiabano.
“Essa rua já foi muito boa, tinha muitas pessoas importantes da sociedade e agora tudo acabou”, declara Celestino. Em 1910 o casarão também pertenceu ao tenente-coronel Avelino de Siqueira, intendente-geral do município de Cuiabá, e em 1980 foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Ipahn). Até 1995 funcionou como gráfica, papelaria e livraria, a famosa Livraria Pepe. Desde então o casarão encontra-se fechado, sofrendo com o abandono.
“É triste! Dói ver um patrimônio desse perder as suas características”, afirma Adão Rodrigues, técnico em restauração, que comovido com a perda se dispôs a, voluntariamente, ajudar na remoção dos entulhos. O desejo dos moradores e comerciantes da região é que providências sejam tomadas e que a restauração seja feita, mas o sentimento de que o abandono pode continuar prevalece. “Eu acho que eles não vão ter condições de arrumar. Se não fizeram antes, agora muito menos, porque o poder público não tem interesse”, declara Celestino.
No interior do casarão ainda é possível encontrar móveis antigos e pinturas feitas a pincel em peças de madeiras que são como verdadeiras obras de arte. A expectativa agora é quanto ao que será feito com todo esse patrimônio “Refazer a gente consegue, mas igual ao original jamais. Eu considero o casarão como se fosse um ser humano, nós até podemos reconstruir, mas não vai ser idêntico, cada construção, assim como o ser humano, é única”, explica Adão.
Após essa grande perda vizinhos, comerciantes e cuiabanos preocupados com a história, reunidos em frente aos entulhos lamentam e juntos chegam a uma conclusão: “a história está acabando! ”.
Com fotos de Vanessa Moreno