Mato Grosso tem a soja em comum com a China. Tem apenas essa leguminosa que atende pelo nome botânico de glycine max, que é o pilar da economia mato-grossense e a base alimentar de dois bilhões e oitocentos milhões de olhos puxados. Fora disso, mais nada. Aquele país é exemplo de eficiência administrativa; somos vergonha nessa área. Pequim é sede de um Estado administrado compactamente; Cuiabá abriga ilhas de poderes que funcionam de costas uns para os outros. Lá, família de corrupto paga a bala que o executa; aqui o colarinho branco se passa por vítima de perseguição política ou injustiça judicial.
Wuhan, cidade com 11 milhões de habitantes fervilha com o novo coronavírus. O governo chinês a isolou e nesse momento constrói um hospital com 25 mil m² para receber mil vítimas dessa ameaçadora epidemia. A obra entrará em funcionamento no dia 3 de fevereiro e seu tempo de construção será de 10 dias.
Em Cuiabá a obra do Hospital Central do Estado está paralisada há 35 anos. Nesse período, por conta dela, o ex-governador Jayme Campos foi condenado, só que não houve a aplicação da condenação, e enquanto isso, Jayme por duas vezes foi eleito prefeito de Várzea Grande e duas vezes senador – está no exercício do mandato no Senado. Candidatos ao governo e outros políticos juraram que retomariam a construção, que permanece desafiadora nessa terra onde Saúde Pública ora é precária, ora utópica, ora judicializada.
Também na área da saúde, o novo Hospital Universitário Júlio Müller, no limite de Cuiabá com Santo Antônio de Leverger, poderia ser tomado como exemplo da irresponsabilidade administrativa. Essa obra inacabada foi prevista para funcionar como hospital universitário da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que tem Departamento de Engenharia Civil e, esse, não conseguiu notar que o prédio seria erguido sobre um pântano em razão de uma nascente em sua área. Políticos sustentam que milhões de reais estariam depositados para a retomada da obra, que continua no papel.
Em 2009 a China tinha uma malha ferroviária com 9.676 quilômetros pra trens de alta velocidade – até 300 km/h – e num processo contínuo de expansão chegou a 20 mil quilômetros.
Aqui, o governo iniciou a construção de 22,2 quilômetros de linhas para veículo leve sobre trilhos (VLT) ligando Cuiabá e Várzea Grande. Essa obra desafiou os governadores Silval Barbosa e Pedro Taques, e agora desfia o governador Mauro Mendes.
Castelo dos Sonhos, município de Altamira (PA), 3 de setembro de 2011. Ouço o brasileiro Marco Polo Moreira Leite, presidente da Asian Trade & Investiments (ATI), que é de pouca e objetiva conversa. Esse predicado – creio – o apadrinhou para chegar ao comando daquele gigante chinês. Moreira Leite explana aos governadores Simão Jatene e Silval Barbosa e outras autoridades; a Léo Reck, fundador do lugar, e a empresários, uma proposta mandarim capaz de revolucionar a logística de transporte no Pará e em Mato Grosso.
A proposta era construir uma ferrovia com 1.800 quilômetros paralela à BR-163 entre Cuiabá e Santarém, criando um corredor de exportação de commodities no sentido norte e, numa escala infinitamente menor, na direção sul, para a entrada de máquinas, eletroeletrônicos, perfumes, roupas, brinquedos e uma infinidade de outros produtos made in China que inundam prateleiras e bancas no Paraguai, Bolívia e parte do Brasil.
Para tanto, a ATI estaria disposta a investir R$ 10 bilhões nos trilhos, terminais intermodais de embarque e desembarque, composições dos trens, e se preciso, desembolsar para garantir a instalação de um porto no rio Tapajós. A obra seria executada em 450 dias. A China constrói em média quatro quilômetros de ferrovia diariamente.
Maior parceira comercial de Mato Grosso, a China entendia que a ferrovia seria estratégica tanto para sua política de segurança alimentar que garante panela cheia para 1,3 bilhão de pares de olhos puxados quanto por se tratar de corredor de interesse universal.
Essa ferrovia levaria vantagem sobre a logística atual de escoamento de commodities do Nortão, por duas razões: eliminaria os longos fretes rodoviários até os portos de Santos e Paranaguá; e ao terminal ferroviário em Rondonópolis – os embarques nos navios seriam mais rápidos, uma vez construídas modernas instalações portuárias no Pará.
Com a ferrovia e os portos de Miritituba (de Itaituba) e Santarém, o trecho fluvial (rio Tapajós) marítimo (rio Amazonas) do multimodal também levaria vantagem sobre Santos e Paranaguá encurtando a distância e reduzindo o tempo do transporte tanto para a Europa quanto para a Ásia, afinal o rio Amazonas que recebe as águas do Tapajós, cruza a Linha do Equador, no Amapá, o que deixa aquela hidrovia no centro do mundo.
Tomando-se Sorriso, no Nortão, por referência para efeito de embarque de grãos, farelo de soja, plumas, carnes e madeira, o multimodal exorcizaria o percurso rodoviário até o terminal da ferrovia da Rumo ALL em Rondonópolis, distante 650 quilômetros. O trajeto ferroviário de Sorriso a Santarém teria 1.400 quilômetros, enquanto que o trem percorre 1.660 quilômetros de Rondonópolis a Santos. De Sorriso para Paranaguá o transporte rodoviário aumenta consideravelmente a distância no comparativo com o percurso ao porto paulista. O trajeto de Sorriso a Itaituba, pela BR-163 é de 1.080 quilômetros. e de Sorriso ao terminal ferroviário em Rondonópolis, de 680 quilômetros
Silval defendia a ferrovia. Seu colega paraense Simão Jatene demonstrava indiferença. O projeto não foi adiante porque o Brasil não conseguiu dar segurança jurídica aos chineses – no trajeto há problemas agrários, ambientais e questões indígenas. A presença de ONGs internacionais na região é muito grande.
O Nortão perdeu um negócio da China. Foi vencido pelo Estado velhaco que chafurda na atividade-meio e que não é compatível com a grandeza do Brasil em todos os aspectos. Jatene achou bom o desfecho, afinal Belém vê Santarém enquanto rival por conta de sua luta pela divisão territorial paraense. Pobre nação da papelada e do bairrismo.
Na China o dinheiro público é tratado com lisura e transparência. Aqui, não. Pior: quase sempre toda investigação sobre desvio de recursos ou termina em pizza ou a ação resultante dela se arrasta por tanto tempo, que prescreve.
Em 2018 o Ministério Público denunciou sete deputados estaduais, o ex-governador Silval Barbosa, o ex-deputado federal Pedro Henry, o ex-chefe da Casa Civil, Paulo Taques; e cinco dezenas de figuras da arraia-miúda por um suposto desvio de R$ 30 milhões no Detran. Esse caso está abafado. O nome mais destacado entre os acusados é o do deputado Eduardo Botelho (DEM), que preside a Assembleia Legislativa.
Em 2017 vídeos exibidos pela TV Globo mostraram deputados estaduais recebendo pacotes de dinheiro de Sílvio Corrêa, então chefe de gabinete do à época governador Silval Barbosa. Dentre os contemplados com a dinheirama o deputado Emanuel Pinheiro (MDB), que agora é prefeito de Cuiabá. Nem mesmo o funcionamento de uma CPI para investigar o caso foi possível, pois ora ela funciona parcialmente, ora é suspensa judicialmente.
O traço de união e identidade entre a China e Mato Grosso é a velha e boa soja, aqui cultivada e lá consumida, mas até isso as forças que se movimentam na penumbra e, direta e indiretamente, sustentam esse Estado inchado, velhaco e corrupto, querem destruir. Uma sistemática, radical e irracional campanha contra o agronegócio insiste em matar nossa galinha dos ovos de ouro. Se conseguirem, voltaremos ao primitivismo, de onde teremos que arrancar a dinheirama pra manter o status quo dos barnabés de ouro com seus direitos adquiridos e o poder da corrupta maquina pública sempre de bolsos abertos à espera de mais e mais.
Eduardo Gomes de Andrade – Editor de blogdoeduardogomes
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